Opinião

Prender após segunda instância não impede decisão excepcional

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10 de abril de 2018, 15h37

O caso Lula na "lava jato" é de uma excepcionalidade sem precedentes, um processo único. Tão diferente de todos os outros na operação que o próprio Tribunal Regional Federal da 4ª Região destaca essa diferença: “Não se exige a demonstração de participação ativa de Luiz Inácio Lula da Silva em cada um dos contratos”. Mais adiante: “Um único ponto, todavia, deve ficar desde logo demarcado. As provas são seguras quanto à inexistência de transferência da propriedade no registro imobiliário em favor do apelante Luiz Inácio Lula da Silva ou sua esposa e quanto à não ocorrência da transferência da posse”.

A decisão dispensa a indicação de qualquer ato de ofício, ao mesmo tempo em que não aponta solicitação e/ou recebimento de vantagem pelo ex-presidente antes ou durante o cargo. Não há que se falar, portanto em delito de corrupção. Mas se abriu um perigoso precedente.

Colocada no processo, a frase “a possibilidade de escudar-se da Lei Penal […] consubstanciar-se-ia em odiosa lacuna na tutela estatal sobre o escorreito funcionamento da Administração Pública” demonstra uma elucubração jurídica produzida para legitimar a condenação de Lula, preenchendo lacunas contidas na versão acusatória. Gravíssima violação ao princípio da reserva legal, garantido pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Penal.

A acusação falhou em demonstrar um mínimo nexo de causalidade. A fundamentação do feito como um todo deve ser questionada, pois o juiz Sergio Moro não indicou que ato de ofício, inerente aos seus deveres funcionais, Lula deveria ou teria praticado (ou deixado de praticar) para configurar a corrupção passiva. Ao julgar a apelação, o TRF-4 “criou” tipo penal de corrupção, a ideia de que há consumação do delito de corrupção sem fato específico apto a tal.

Doutrina e jurisprudência brasileiras determinam que é necessária a demonstração de qualquer ato concreto, relacionado diretamente com a função pública do agente do delito, a fim de configurar o crime de corrupção passiva.

Sem um ato de ofício, ou identificação do pedido ou do aceite de vantagem ilícita, a acusação de Moro encontrou em Lula a posição de “garantidor geral”, responsável por todos os atos de governo. A figura inexiste juridicamente e é derrubada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu depoimento durante a fase de instrução na ação penal: “O presidente não sabe tudo o que acontece. (…) Ele sabe das coisas gerais (…), e pela imprensa…”.

Mas estamos diante de uma situação excepcional. A questão central não é se ocorreu ou não ato de ofício, mas a inexistência de aceite ou recebimento de promessa. Isso consta no acórdão da sentença. Considerar melhorias em um apartamento em que não houve a tradição, diz o Código Civil, é considerar como vantagem ilícita algo que nunca foi entregue, um ato jamais consumado.

Lula foi condenado por uma criação jurídica do juízo de 1º grau, um delito de corrupção passiva pela posição de garantidor geral, que viabilizaria todos os outros supostos atos de corrupção. Portanto, é sem sentido a aplicação de uma pena sem culpabilidade formada.

Há fortes elementos para absolvê-lo. Por ser um caso excepcional, é indispensável uma decisão excepcional. O fato de o Supremo Tribunal Federal julgar que prisão em 2ª instância é possível não o impediria de decidir soltar Lula mediante efeito suspensivo. É concreta ainda a possibilidade de a ação ser trancada por não haver sustentação.

Permitir que Lula seja inicialmente preso, para somente depois serem reconhecidas as ilegalidades no decreto condenatório, é hipótese incompatível com o ordenamento jurídico. Tal narrativa pretendida só encontra paralelo nas razões do lobo da fábula. Não importa quais sejam, o cordeiro já estava condenado.

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