Opinião

O futuro da presunção de inocência nas mãos do Supremo

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9 de abril de 2018, 12h15

*Artigo originalmente publicado na edição de sábado (7/4) do jornal O Estado de S. Paulo

O Supremo Tribunal Federal, em sessão na quarta-feira (4/4), ao julgar Habeas Corpus impetrado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, decidiu, em consonância com orientação que, de forma repentina, passou a prevalecer na corte, que não configura ofensa ao princípio da presunção da inocência a execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau.

De março de 2016 — quando, ao julgar a Ordem de Habeas Corpus 126.292/SP, o Supremo Tribunal Federal passou a adotar o aludido entendimento — para cá, diversas foram, no âmbito da própria corte suprema, as decisões que, em observância ao texto constitucional, afastaram a possibilidade de executar pena condenatória antes do respectivo trânsito em julgado.

Assim, em consonância com as decisões exaradas no STF nesses pouco mais de dois anos, havia certa previsibilidade no que concerne o voto de 10 dos 11 ministros.

A única incógnita era a ministra Rosa Weber, que, muito embora, em diversos julgamentos, tivesse votado pela impossibilidade da execução antecipada da pena, em outras, consignou que prosseguia refletindo sobre o tema e, em conformidade com entendimento majoritário que passou a vigorar corte, "princípio da colegialidade", exarou entendimento contrário.

Como muito se falou nos dias que antecederam o julgamento, a questão acerca da possibilidade, ou não, de prisão antes da sentença transitada em julgado é demasiadamente complexa e não se limita, em absoluto, ao ex-presidente.

Prova disso é que o tema é objeto de duas ações declaratórias de constitucionalidade interpostas, justamente, com a finalidade de que seja reconhecida a validade e eficácia do artigo 283 do Código de Processo Penal, o qual, alinhado com o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, reforça o princípio da presunção da inocência.

Nesse contexto, os ministros que votaram pela denegação da ordem — aproveitando que a questão atinente à pauta da sessão não era, exatamente, a possibilidade da execução antecipada da pena, mas, sim, a legalidade, ou não, do ato coator —, em grande parte passaram ao largo do primeiro ponto e, ao final, concluíram que a decisão do STJ nada tinha de ilegal, já que proferida em consonância com o entendimento majoritário firmado no STF.

Diferente das posições dos demais ministros, as quais seguiram previsões que antecederam o julgamento e, de uma maneira geral, foram firmes, Rosa Weber se mostrou, para dizer o mínimo, contraditória.

De um lado, a ministra deixou claro que, se estivesse em julgamento alguma das aludidas ADCs, teria votado de outra forma, ou seja, teria respeitado sua própria convicção, que, como ela mesma afirmou, é no sentido da impossibilidade da prisão antes do trânsito em julgado.

Do outro, invocando o que ela chamou de princípio da colegialidade, Rosa afirmou que a decisão do STJ atacada pelo Habeas Corpus não continha nenhuma ilegalidade, já que estava em consonância com o que vinha decidindo a maioria dos ministros do STF.

O paradoxo, como se percebe, decorre do fato de que, se Rosa tivesse seguido o efetivo entendimento dela sobre o tema, essa maioria deixaria de existir.

De toda forma, nada mais impede que, após o julgamento, por parte do TRF-4, do recurso que a defesa de Luiz Inácio Lula da Silva interpôs em face do acórdão dos embargos de declaração, seja determinada a prisão do ex-presidente.

Fica a dúvida: por qual motivo a presidente da corte pautou o julgamento do Habeas Corpus de Lula, que tratou apenas da situação do ex-presidente e gerou um clamor social que pode ter influenciado os votos, para antes dos julgamentos das ADCs se estas tratam do mesmo tema da impetração e, quando decididas, terão eficácia geral para todos os réus que estão na mesma situação?

Difícil concluir, como asseverado pelo ministro Marco Aurélio, se esse foi, ou não, um movimento estratégico, mas, de fato, ficou a impressão de que, se estivesse sendo julgado uma das ADCs, o resultado, de fato, teria sido outro.

Impossível deixar de lembrar que, até 2016, era pacificado, no âmbito da corte suprema, o entendimento de que, em observância ao que dispõe o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, não havia como se falar em prisão antes do trânsito em julgado da ação penal, tese que, nos dias que antecederam o julgamento, foi encampada por eminentes constitucionalistas, tais como José Afonso da Silva e Ives Gandra Martins.

Isso, no entanto, não quer dizer, ao contrário do que renomados juristas falaram em rede nacional, que, se o Habeas Corpus de ontem tivesse sido concedido, criminosos perigosos seriam colocados em liberdade, já que, em situações excepcionais, independentemente da interpretação que se dê ao aludido dispositivo legal, nada impede que pessoas fiquem presas preventivamente no curso do processo.

A mudança de posição, ocorrida em 2016, coincidiu com o momento no qual o STF, para combater a corrupção, passou (ao que tudo indica com a finalidade de atender aos anseios da sociedade) a proferir um sem número de decisões moralistas e contrárias ao que dispõe o ordenamento jurídico brasileiro.

O combate à corrupção é importante e necessário? Óbvio que sim! De toda forma, nada justifica o explicito atropelamento do texto constitucional. Se, como muitos dizem, o disposto no artigo gera impunidade, que seja alterado, desde que observados os tramites legais, mas não atropelado.

Nossa preocupação não é com a prisão de Lula, mas, sim, com a eficácia e validade do texto constitucional e com a situação de um sem-número de indivíduos que, em virtude do equivocado entendimento exarado na última quarta-feira, pelo STF, permanecerão/serão injustamente presos.

Esperamos, assim, não só que o STF paute, com celeridade, as ADCs 43 e 44, mas também que a corte suprema, quando do julgamento dessas ações, em prestígio ao princípio da presunção da inocência, reveja o entendimento esposado no julgamento de quarta.

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