Disputa ministerial

"MP-SP precisa de democracia interna e liderança que espelhe atividades"

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6 de abril de 2018, 8h30

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Para Valderez Abbud, chefia do MP-SP deve mudar postura tímida e refletir trabalhos.
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A procuradora de Justiça Valderez Deusdedit Abbud avalia que o Ministério Público paulista tem cumprido seu papel de forma adequada, mas as atividades têm ficado escondidas no noticiário pela “postura tímida” da atual gestão da Procuradoria-Geral de Justiça. Existe hoje uma distância entre a liderança do órgão e o trabalho cotidiano de seus membros, afirma.

Ela está entre os três candidatos ao comando da instituição — concorre com o atual procurador-geral, Gianpaolo Smanio, afastado do cargo para concorrer à recondução, e o procurador Marcio Sérgio Christino. Cerca de 2 mil promotores e procuradores de Justiça devem indicar o preferido neste sábado (7/4), mas quem definirá um nome da lista tríplice será o novo governador Márcio França (PSB), que assume o cargo nesta sexta-feira (6/4).

Todos eles foram entrevistados pela ConJur por e-mail, com as mesmas questões.

Valderez diz que, se escolhida, terá como uma das prioridades sugerir mudança legislativa que permita a promotores disputar o comando do MP-SP. 

No plano nacional, a procuradora reconhece que a lei sobre abuso de autoridade precisa ser aprimorada, porém diz que a proposta que o Congresso tentava aprovar até o ano passado tentava impedir o livre exercício das funções do Ministério Público.

Já sobre o auxílio-moradia, prefere aguardar análise do Supremo Tribunal Federal. Sem defender expressamente o benefício, a procuradora afirma que os membros do MP e da magistratura têm direito a receber valores compatíveis “com a importância e a dignidade de suas funções”, há muito tempo sem reajuste adequado.

Valderez Deusdedit Abbud graduou-se pela Faculdade de Direito da USP, é natural da capital paulista e afirma que o principal ponto de seu currículo é ter sido promotora — ingressou na carreira em 1980. Atuou em tribunais do júri e, desde 1995, é procuradora de Justiça na área criminal. Foi professora do Mackenzie e da Unicamp. Também é formada em Pedagogia.

Em 2006, entrou em lista tríplice para vaga no Superior Tribunal de Justiça destinada a membros do Ministério Público, pelo quinto constitucional — Herman Benjamin acabou sendo nomeado.

ConJur — Quais os principais desafios e entraves atuais do Ministério Público paulista?
Valderez Abbud — O Ministério Público de São Paulo enfrenta vários desafios, mas seus membros se encontram à altura deles. A grande gama de atribuições previstas constitucionalmente para o MP exige uma instituição cada vez mais forte e coesa e que tenha em sua liderança o espelho da luta cotidiana de seus membros nas promotorias e procuradorias. Lamentavelmente, não é a isso que estamos assistindo nos últimos anos. Há hoje uma grande distância entre a atuação cotidiana dos promotores e procuradores e as atitudes de sua liderança política institucional.

ConJur — Quais as suas principais propostas para o próximo biênio, se eleita?
Valderez Abbud — Tenho três metas principais:

A recondução do MP-SP ao papel de proeminência no cenário jurídico e social brasileiro, de forma a que possamos voltar a influir decisivamente no debate e na solução das grandes e complexas questões contemporâneas;

O início do processo de recuperação orçamentária e de reequiparação com a magistratura, a fim de que possamos fazer frente às complexas atribuições que nos foram outorgadas pelo constituinte de 1988;

E a democratização institucional, para que promotores possam concorrer ao cargo de procurador-geral e o Conselho Superior passe a ter todos os seus membros elegíveis escolhidos por toda a classe.

ConJur — Nas suas viagens pelo estado, quais as principais reclamações e demandas manifestadas por membros do MP?
Valderez Abbud — Temos muitas dificuldades a enfrentar. Talvez a maior delas seja a de possibilitar maior movimentação vertical na carreira. Precisamos seguir o exemplo do Poder Judiciário e ter mais cargos nas comarca de entrância intermediária. Há também carências materiais derivadas da diminuição da fatia orçamentária destinada ao Ministério Público, que vem caindo de forma acentuada nos últimos 10 anos. Para enfrentar essas dificuldades devemos dar ênfase à modificação do Fundo Especial de Despesa do Ministério Público e à colaboração com a Fazenda Estadual e as polícias no combate à sonegação fiscal.

ConJur — A senhora avalia que o MP-SP tem perdido o protagonismo de grandes investigações?
Valderez Abbud — Não creio que isso seja verdadeiro. Há, por óbvio, atribuições específicas de outros Ministérios Públicos, as quais não nos cabe discutir. Na verdade, a postura tímida da Procuradoria-Geral de Justiça em sua interação com a sociedade passa por vezes a falsa impressão de que o MP de São Paulo não tem cumprido adequadamente o seu papel. É preciso que a Procuradoria-Geral se faça mais presente na interação com os meios de comunicação, sobretudo para dar visibilidade às importantes ações protagonizadas por membros do MP paulista.

ConJur — O MP-SP tem passado por vários atritos com o MPF: o segundo órgão nega acesso a provas de acordos com a Odebrecht; disputa competência para investigar danos a investidores da Petrobras e passou a investigar violência de PMs contra manifestantes. Por que isso tem ocorrido? Falta diálogo? Como resolver o impasse?
Valderez Abbud — A questão de acesso e compartilhamento de provas vem sendo resolvida na medida em que o MP de São Paulo está respeitando os acordos de colaboração premiada efetuados em nível federal. É um pressuposto básico das colaborações premiadas que o compartilhamento de provas somente se dê quando houver concordância com os termos da colaboração. Eventuais conflitos de atribuição são comuns no cotidiano forense e devem ser resolvidos nos termos da lei processual. Não vislumbro nenhuma crise institucional entre o MPF e o MP de São Paulo.

ConJur — Quais as mudanças legislativas mais necessárias hoje? E as propostas mais perigosas?
Valderez Abbud — Essa é uma questão fundamental. O Ministério Público de São Paulo já foi o celeiro de muitas normas importantes como a Lei da Ação Civil Pública, boa parte das normas do Código do Consumidor e tantas outras, que introduziram propostas significativas para a melhoria das relações jurídicas e a defesa dos interesses difusos e coletivos. Em minha gestão pretendo reativar essa tradição. E devemos estar sempre vigilantes contra iniciativas que visem a tolher as prerrogativas dos membros do MP, sobretudo aquelas que busquem beneficiar os infratores da lei.

ConJur — A lei atual sobre abuso de autoridade e órgãos de fiscalização (como o CNMP) são suficientes para conter excessos?
Valderez Abbud — A lei sobre abuso de autoridade necessita mesmo ser aprimorada. Jamais, entretanto, no sentido de impedir o livre exercício das funções do Ministério Público, como se tentou fazer recentemente.

ConJur — Se a senhora assumir a PGJ, planeja sugerir mudança legislativa para permitir a candidatura de promotores ao cargo?
Valderez Abbud — Com certeza, essa é uma das minhas prioridades. Temos uma organização política interna arcaica, na qual, numa carreira com quase 2 mil integrantes, 85% deles não podem exercer o papel de líderes políticos da instituição. Ademais, há nobilíssimas funções de direção do MP, como as do Conselho Superior, em que um colégio de 42 procuradores elege um terço dos integrantes, enquanto aos outros mais de 1,9 mil promotores e procuradores cabe a escolha dos dois terços restantes, numa indesejada semelhança com os senadores biônicos do regime autoritário.

ConJur — Qual sua avaliação sobre a concessão indiscriminada de auxílio-moradia e membros do MP e da magistratura?
Valderez Abbud — É uma previsão legal, e o Supremo Tribunal Federal analisará em breve a questão. Aguardemos com serenidade, mas convictos de que os membros do MP e da magistratura fazem jus a subsídios compatíveis com a importância e a dignidade de suas funções, e que de há muito esses subsídios não são reajustados de acordo com os índices inflacionários.

ConJur — Qual proposta a senhora defende, em síntese, em debate sobre regulação do teto constitucional?
Valderez Abbud — Por óbvio que é importante num regime republicano que existam limites salariais. O que não é possível é não haver o cumprimento da regra constitucional de reajustes salariais anuais e, sobretudo, o não pagamento de verbas salariais devidas. O Ministério Público necessita de uma política salarial que preserve a atratividade da carreira para que se mantenha a elevada qualificação de seus membros

ConJur — É necessário medir a produtividade de promotores e procuradores de Justiça? Se sim, de que forma?
Valderez Abbud — Essa é uma questão que, sobretudo em relação aos procuradores de Justiça, precisa ser enfrentada. A segunda instância necessita se reinventar, por não ser possível que os colegas dentre os mais experientes da instituição alcem o mais alto grau da carreira e se convertam em meros pareceristas. De todo modo, é necessário e fundamental que se revejam antigos conceitos e se busque uma instituição mais moderna para que, com eficiência, possamos cumprir com nossas atribuições funcionais.

ConJur — Na sua opinião, o governador deveria, em regra, escolher o primeiro colocado na votação da lista tríplice?
Valderez Abbud — Somos muito zelosos em relação a nossas atribuições. Devemos sê-lo, igualmente, com as demais atribuições previstas constitucionalmente. A norma constitucional defere ao governador do estado o direito de nomear para a Procuradoria-Geral de Justiça um dos integrantes da lista tríplice. Enquanto essa disposição constitucional estiver em vigor é necessário respeitá-la e acatá-la.

* Texto atualizado às 14h15 do dia 6/4/2018.

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