Disputa ministerial

"Ministério Público de SP deve recuperar o papel de agir, ao invés de reagir"

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6 de abril de 2018, 8h30

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Christino diz que MP-SP passou a receber demanda ampliada sem ter condições de absorver mudanças de forma adequada.
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O procurador de Justiça Marcio Sérgio Christino afirma existir um cenário de desalento no Ministério Público paulista. Para ele, a proximidade da instituição com o governo do estado, com nomeações de membros da instituições para cargos políticos, levou a uma "perda do protagonismo institucional". Na opinião do procurador, o MP-SP deve retomar o diálogo com a sociedade, reformar estratégias para investigações criminais e instituir quarentena, proibindo que quem deixe o comando da instituição vire automaticamente secretário estadual.

Christino é um dos três candidatos ao comando da instituição — ele concorre com a procuradora Valderez Deusdedit Abbud e o atual procurador-geral, Gianpaolo Smanio, afastado do cargo. Cerca de 2 mil promotores e procuradores de Justiça devem indicar o preferido no sábado (7/4), mas quem definirá um nome da lista tríplice será o novo governador Márcio França (PSB), que assume o cargo nesta sexta-feira (6/4).

Todos eles foram entrevistados pela ConJur por e-mail, com as mesmas questões.

Marcio Sérgio ainda defende que promotores possam se tornar candidatos a PGJ. Sobre o auxílio-moradia para membros do MP e do Judiciário, tema espinhoso na sociedade, ele afirma que é preciso evitar “críticas injustas, descabidas e comparações medíocres”, pois “nivelar as instituições ao mínimo possível” não é o melhor para proteger a democracia.

O candidato é formado pela PUC-SP e nasceu em São Paulo. É membro do Órgão Especial do Colégio de Procuradores e primeiro vice-presidente da ANMP. Completa neste ano três décadas no Ministério Público, onde atua desde 1988, e tornou-se procurador de Justiça em 2010.

Trabalhou no Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e participou de investigações envolvendo a facção PCC, o traficante Fernandinho Beira-Mar e o também traficante colombiano Juan Carlos Abadia. Participou do programa Visitors nos EUA, na área de crime organizado, terrorismo e sistema prisional, e é autor do livro Por Dentro do Crime — Corrupção, Tráfico, PCC. Já concorreu à Procuradoria-Geral de Justiça em 2010, quando foi escolhido Fernando Grella.

Leia a entrevista:

ConJur — Quais os principais desafios e entraves atuais do Ministério Público paulista?
Marcio Sergio Christino — O Ministério Público de São Paulo passa por uma crise de identidade. A perda do protagonismo institucional e uma presença constante na administração pública criam desalento. De outra parte, este desestímulo deve-se também a restrições na participação política dos órgãos internos da administração superior, inviabilizadora da participação e limitadora do horizonte da maioria.

O MP-SP tem apresentado também uma tendência acentuada à burocratização e demora na implementação de avanços tecnológicos inovadores. Isto prejudica atuação mais ágil e a renovação da filosofia interna da instituição.

ConJur — Quais as suas principais propostas para o próximo biênio, se eleito?
Marcio Sergio Christino — Refazer o sistema político-institucional, com regras que desestimulem a participação em cargos externos à instituição por meio de quarentena, bem como incentivem participação política de todos os membros nos órgãos de direção. Junto com isso buscamos readequação orçamentária que permita ao MP-SP atingir seus objetivos, centrada na celeridade com o emprego de tecnologia. É imprescindível dotar o Ministério Público de estrutura apta a enfrentar os desafios do crime organizado em todas as suas formas. O combate à corrupção será prioridade.

A Procuradoria-Geral estabelecerá diálogo intenso com as promotorias especializadas, buscando dotá-las dos meios necessários e renovações normativas que as possam tornar mais ágeis.

Finalmente, ouvindo a sociedade civil, retomaremos a pauta de políticas públicas, intensificando o combate à todas formas de exclusão de grupos vulneráveis (imigrantes, migrantes, LGBTs, mulheres expostas à situação de violência e negros). O Ministério Público deve contribuir com políticas públicas de atendimentos a essas reivindicações sociais. Uma abordagem específica sobre estes temas terá de ser implementada. O diálogo com a sociedade civil é essencial para que o MP-SP recupere a identidade institucional. Enfim, agir ao invés de reagir.

ConJur — Nas suas viagens pelo estado, quais as principais reclamações e demandas manifestadas por membros do MP?
Marcio Sergio Christino — A principal é a crítica quanto à participação do MP em cargos no Executivo. Vejo que o sentimento contrário a essa possibilidade se mostra disseminado pela instituição, que não vê com bons olhos a simbiose do órgão controlador com a administração pública controlada. Há intensa demanda pela democratização interna com a possibilidade de participação de todos os membros na administração superior. São posições unânimes. Também me parece clara a necessidade de dotar o Ministério Público de serviços auxiliares com aptidão para realização de perícias, acompanhamento de vistorias, serviços técnicos em geral. Isso é fundamental para tornar o MP mais efetivo na proteção ao meio ambiente, por exemplo.

ConJur — O senhor avalia que o MP-SP tem perdido o protagonismo de grandes investigações?
Marcio Sergio Christino — A questão não é protagonismo. O MP vem sofrendo uma limitação estrutural tal como já me referi. São obstáculos que demandam um crescimento orçamentário para sua solução. Passamos a receber uma demanda ampliada sem que tivéssemos como absorver adequadamente. Para que as investigações possam se tornar mais ágeis e ser adotado um ritmo dinâmico precisamos de mudanças na forma de atuação, especialmente na incorporação de modelos que deram certo, tal como na hipótese da operação “lava jato”, que hoje é referência internacional.

Tenho uma vivência muito rica nesta área por conta das operações contra o crime organizado das quais participei de modo ativo. Vou levar esta experiência para a Procuradoria-Geral.

ConJur — O MP-SP tem passado por vários atritos com o MPF: o segundo órgão nega acesso a provas de acordos com a Odebrecht; disputa competência para investigar danos a investidores da Petrobras e passou a investigar violência de PMs contra manifestantes. Por que isso tem ocorrido? Falta diálogo? Como resolver o impasse?
Marcio Sergio Christino —  Competência não se disputa, competência se esclarece. Esta questão será resolvida pelo diálogo direto com as chefias das instituições, o que é perfeitamente viável. Vamos lembrar que a áreas de atuação de cada qual são diferentes e os termos “atrito” ou “disputa” não são aplicáveis. Cada instituição tem seu papel e nada impede que colaborem e troquem informações. O objetivo é comum, o resultado buscado deve ser o mesmo em cada uma das esferas. Todos querem um Brasil melhor, não há desacordo.

ConJur — Quais as mudanças legislativas mais necessárias hoje? E as propostas mais perigosas?
Marcio Sergio Christino — Na esfera federal tenho um firme posicionamento com relação à aplicação do plea bargaining, tendo como modelo o sistema norte-americano. Recentemente relatei uma proposta da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) que será apresentada por emenda no projeto do novo Código de Processo Penal. Se for aprovada, trará grandes benefícios ao Brasil.

Na esfera estadual está a proposição de medidas para alterações de caráter político institucional, tais como a quarentena para o cargo de PGJ, a limitação dos afastamentos, a limitação de assessorias e a elegibilidade da primeira instância, dentre vários outros. São abordagens diferentes. porquanto na primeira hipótese a iniciativa legislativa não é do MP-SP. Já na segunda teremos esta possibilidade.

ConJur — A lei atual sobre abuso de autoridade e órgãos de fiscalização (como o CNMP) são suficientes para conter excessos?
Marcio Sergio Christino — O MP em geral é criticado pelo que faz, não pelo que não faz. Não são dados exemplos de abuso de caráter institucional, quando muito há casos individuais. O que parece estar ocorrendo é que, sob a bandeira de conter abusos, o que se pretende em via diversa é inviabilizar a ação investigativa. A qual excesso se faz referência e o que se considera excesso ou abuso? Não há nenhuma hipótese onde se possa afirmar que o MP, seja de qual esfera for, tenha agido como uma instituição que desrespeitasse as garantias democráticas que são conferidas pela Constituição. Os órgãos de controle estão se mostrando sim eficientes e a referência hoje tem um natureza mais casuística do que republicana. É forçoso reconhecer que somente começou a ser discutida quando as ações do MP começaram a atingir setores da sociedade que antes se consideravam além de qualquer Justiça.

ConJur — Se o senhor assumir a PGJ, planeja sugerir mudança legislativa para permitir a candidatura de promotores ao cargo?
Marcio Sergio Christino — Sim, o projeto já está escrito e já foi remetido para a classe. É uma aspiração e uma necessidade da instituição. Há quase dez anos fui candidato a procurador-geral, e já naquela época defendia este princípio. Por tal razão, não sou um recém-convertido a este ideal. O perfil político institucional hoje indica que o MP-SP se beneficiará com esta medida criando alternativas políticas que não temos. Quando se tornar difícil prever quem serão os candidatos e qual o desfecho da eleição teremos a certeza de estar no caminho certo.

ConJur — Qual sua avaliação sobre a concessão indiscriminada de auxílio-moradia e membros do MP e da magistratura? Qual proposta o senhor defende, em síntese, em debate sobre regulação do teto constitucional?
Marcio Sergio Christino — Ambas as perguntas admitem a mesma resposta. Havemos que discutir o sistema remuneratório dessas instituições (MP e magistratura). Se o modelo a ser seguido é o da iniciativa privada, então haveremos de reconhecer a possibilidade de horas-extras, FGTS, horário de trabalho e, sobretudo, o que toda a categoria tem: o dissídio anual. Em diversas categorias existem previsões específicas: a jornada de trabalho de um jornalista é de seis horas, por exemplo, então quanto deveria ser a de um juiz ou promotor? Várias categorias têm outros benefícios também: transporte, alimentação, algumas por acordos sindicais recebem ajuda de custo para o plano de saúde, todas essas questões devem ser discutidas sem medo e sem preconceito. O que devemos evitar são críticas injustas, descabidas e comparações medíocres.

São estas instituições que garantem a democracia e a defesa dos direitos constitucionais. Sem Judiciário e Ministério Público abriremos as portas para o arbítrio e a tirania em seus diversos níveis. É certo que não podemos nos apartar da sociedade, mas é igualmente certo que nivelar as instituições ao mínimo possível não será a melhor solução porquanto será mínima também a proteção à democracia. Mais uma vez ressalto que estas questões somente vieram à lume depois que setores privilegiados da sociedade perderam a capa de impunidade que pensavam ter. Estes fatores devem ser levados em consideração.

ConJur — É necessário medir a produtividade de promotores e procuradores de Justiça? Se sim, de que forma isso é/poderia ser feito?
Marcio Sergio Christino — É muito difícil medir a produtividade do trabalho do Ministério Público. É o tipo de atividade que não pode ser mensurado matematicamente. Uma ação civil pública relacionada ao meio-ambiente pode ser comparada a um julgamento de homicídio no Tribunal do Júri? Ganhar ou perder uma ação deve se constituir em elemento definidor? Como isto seria feito se o resultado de qualquer medida judicial é de início imprevisível? Como comparar casos da mesma natureza, porém complexidades diferentes? Esta comparação é inviável. Uma investigação que leva a prisão de um traficante com uma tonelada de cocaína vale tanto quanto um flagrante de dez gramas? Estatisticamente teriam o mesmo valor: uma prisão por tráfico. A dificuldade é sem dúvida a questão de parâmetros e objetivos. Os objetivos estão na Constituição Federal e a eles nos atemos.

ConJur — Na sua opinião, o governador deveria, em regra, escolher o primeiro colocado na votação de lista tríplice?
Marcio Sergio Christino — Esta é uma decisão que cabe ao governador. Se o sistema é falho cremos que a solução seria uma revisão completa do sistema de escolha em todos os seus aspectos. Talvez com a intervenção do Legislativo na nomeação ou com uma nova proposta eleitoral. Tudo isto implicaria em uma reforma ampla do sistema constitucional.

* Texto atualizado às 14h15 do dia 6/4/2018.

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