Prisão antecipada

Para Barroso, condenação em segundo grau extingue dúvida da culpa

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4 de abril de 2018, 19h44

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, fez um de seus votos mais longos no Plenário da corte ao rejeitar pedido de Habeas Corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em cerca de 1h30, ele incluiu estatísticas do Judiciário e relembrou casos que ficaram conhecidos na sociedade, como o do homicídio da jornalista Sandra Gomide pelo chefe Pimenta Neves — o crime ocorreu em agosto de 2000, mas o réu só passou a cumprir pena em 2011.

Além disso, enumerou argumentos para negar o pedido e efeitos negativos que atribuiu à possibilidade de mudança de jurisprudência da corte. “Não me é indiferente se tratar de um HC impetrado por um ex-presidente. Mais do que isso, um que promoveu relevante crescimento econômico e expressiva inclusão social. Não é, no entanto, o legado político do presidente que está em discussão”, disse.

Carlos Humberto/SCO/STF
Luís Roberto Barroso não vê motivo para Supremo mudar jurisprudência de novo.

“O que se vai discutir é se se aplica a ele ou não a jurisprudência que esse tribunal firmou. Ou seja, é um teste importante para o amadurecimento institucional, que é a capacidade de se assegurar que todas as pessoas sejam tratadas com respeito, igualdade", começou Barroso.

Ele defendeu, então, que o Supremo não é uma quarta instância de julgamento. Para o ministro, no entanto, se tornou inevitável fazer o debate do cabimento da execução de pena depois de decisão em segunda instância. “Os antecedentes dessa controvérsia vão lá atrás: desde 1941 se entende que é possível, pacificamente, executar a pena", disse. Ele destacou que, durante boa parte desse período, foi permitida inclusive a prisão depois de sentença em primeiro grau.

Para Barroso, uma mudança jurisprudencial pode se dar em três ocasiões: quando houver mudança relevante da realidade social, nova compreensão do direito ou impactos negativos da decisão no mundo real. “De 2016 para cá, não aconteceu nenhuma mudança relevante na realidade fática nem na compreensão do direito. A decisão produziu impacto mínimo sobre o sistema carcerário. Não houve aumento no índice de encarceramento. Por que razão mudaríamos isso agora? Mudar para quê? Pior, mudar para quem?", questiona o ministro.

As teses jurídicas para a manutenção da jurisprudência, consideradas por ele como insuperáveis, são:

A ordem constitucional brasileira não exige o trânsito em julgado para decretação da prisão. O que se exige é ordem escrita e fundamentada da autoridade competente. A presunção de inocência sempre foi tratada e é um princípio, e não uma regra absoluta. Como existem diversos princípios e eles vivem na tensão, não se aplica no tudo ou nada. Tem-se que ponderar fazendo concessões recíprocas e fazer escolhas. Por fim, a prisão se impõe porque depois da condenação em segundo grau já não há mais dúvida quanto à materialidade do fato e a autoria do ato. A execução de pena se torna uma exigência.”

Discurso de impunidade
Os impactos negativos de se esperar o trânsito em julgado para execução de pena são, de acordo com Barroso, “o incentivo à recorribilidade procrastinatória, à seletividade do sistema de Justiça e ao descrédito do sistema de Justiça penal pela sociedade pela demora quase perene nas decisões e frequentes prescrições”.

Ele disse ainda que o Brasil não prende os verdadeiros bandidos brasileiros, porque quem tem recursos financeiros consegue contratar bons advogados e recorrer indefinidamente. “Respeito todos os pontos de vista, mas esse não é o país que gostaria de deixar para meus filhos. O paraíso de homicidas, estupradores e corruptos. Eu me recuso a participar sem reagir de um sistema de justiça que não funciona e, quando funciona, é para prender menino pobre, geralmente primário, com 10 gramas de maconha”, enfatizou.

Segundo Barroso, só pela operação “lava jato” já foram 77 decisões confirmadas em segundo grau. “Não é sensação de impunidade, é impunidade de fato a olhos vistos", disse. "Se voltarmos atrás, essas transformações que finalmente estamos conseguindo, vão regredir e o crime volta a compensar, porque se acabam os incentivos para a colaboração premiada. Vai ser a renovação do pacto oligárquico de saque do país.”

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