Opinião

A comprovação da culpa como fundamento para a execução provisória da pena

Autor

  • Aldo de Campos Costa

    é procurador da República. Foi advogado professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

4 de abril de 2018, 9h02

Em nosso sistema de Justiça criminal, só se presume inocente a pessoa submetida a um processo penal enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.

É o que se depreende de norma encontrada tanto no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos quanto na Convenção Americana de Direitos Humanos: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.

Essa comprovação deve ocorrer até o julgamento da apelação pelos tribunais de Justiça ou pelos tribunais regionais federais, recurso a que fazem referência, respectivamente, os artigos 8º(2)(h) e 14(5) dos tratados citados, já que não há, em regra, produção nem reexame de prova em instâncias extraordinárias como o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.

A demonstração da culpa implica uma modificação no tratamento a ser dispensado ao acusado, que deixa, a partir desse momento, de ser considerado inocente, não obstante só possa ser declarado culpado após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Trata-se de construção que não responde a uma lógica binária. Quem deixa de ser inocente não é necessariamente culpado. É que, perante o Direito, o condenado pode não ser considerado inocente, sem ostentar, contudo, o título de culpado. Essa é, aliás, a razão pela qual o artigo 5º, inciso LVIII, da Constituição da República faz alusão ao princípio da não culpabilidade, e não ao da inocência.

Cumpre saber se esse estatuto intermediário admite o início da execução provisória da pena. A resposta será positiva, desde que não se faça confusão entre prova e tratamento no processo penal.

Enquanto o Estado não provar as acusações que imputa ao agente de um fato antijurídico, deverá dispensar a ele a condição de inocente. Garantido o acesso ao segundo grau de jurisdição e provada a culpa do acusado, o estado de inocência é afastado, ainda que a ele seja facultado percorrer a via extraordinária.

Ou seja, o preceito da Constituição da República segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória penal não assegura o tratamento de inocente ao apenado que recorre para tribunal superior. Pelo contrário.

A partir da operação de verificação e definição dos termos de incidência da lei penal sobre o fato concreto, o condenado passa a exibir uma condição distinta da de quem nunca foi investigado ou processado criminalmente, que viabiliza a antecipação da pena.

Isso ocorre porque a condição suficiente para se atribuir uma sanção penal a alguém é a comprovação da culpa. E ela já terá sido alcançada ao término da prestação juridisdicional pelo órgão responsável pelo julgamento do recurso de apelação, marco temporal final da aplicabilidade da presunção de inocência previsto em instrumentos internacionais dos quais o Brasil é signatário.

O início da execução da pena em caráter provisório não é, portanto, incompatível com o princípio da não culpabilidade nem requer o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Exige apenas a determinação da culpa do agente por meio de um processo que se esgota com o acesso ao segundo grau de jurisdição e que não é influenciado pela interposição de recursos de fundamentação restrita, como o especial e o extraordinário.

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    é procurador da República. Foi advogado, professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

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