Opinião

Vivemos dias turvos em nosso Direito Administrativo

Autor

  • Vitor Rhein Schirato

    é sócio do Rhein Schirato Meireles & Caiado – RSMC Advogados e professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

1 de abril de 2018, 10h18

O Brasil é um país que vive em uma constante dúvida. Não sabe se, quando crescer, será um país moderno, aberto ao comércio internacional e ao investimento estrangeiro, ou se será um país caudilhista tipicamente latino-americano.

Em certos momentos, mostramos uma propensão ao primeiro caminho. Aí criamos mecanismos interessantes de interação público-privada, valorizamos o alcance de resultados com eficiência, valorizamos a concorrência, criamos um ambiente de regulação infensa à política e quebramos a verticalização entre administração pública e cidadão, priorizando a democracia e o diálogo. Enfatizamos, enfim, o que deve buscar o Estado: o bem-estar e o desenvolvimento econômico e social da população.

Em outros momentos, contudo, tomamos a direção contrária e o caudilhismo toma conta. Aí desconsideramos contratos com base no tal onipresente interesse público, desconsideramos a eficiência e tomamos decisões sem qualquer efeito prático, mas com altos preços político, social e, principalmente, financeiro, politizamos as discussões regulatórias e tratamos os cidadãos como súditos, que devem se submeter a todos os mandos e desmandos do caudilho, por mais sem sentido que sejam.

No balançar da gangorra para um lado e para outro, a qualidade da ação administrativa mostra-se sempre ruim. Por não saber se seremos sérios ou caudilhistas, não logramos tomar decisões fundamentadas, coerentes e comprometidas com a satisfação das necessidades públicas. Sempre ficamos na metade do caminho. Se optamos pela seriedade, não conseguimos concluir nossas ações, pois o caudilhismo contra-ataca (sobretudo perto de eleições). Se optamos pelo caudilhismo, a conta torna-se cara demais e uma meia-volta faz-se obrigatória em algum ponto (desde que distante das eleições mais próximas), mas boa parte do estrago já está consolidado.

Como nada funciona como deve, os órgãos de controle aparecem como super-heróis, responsáveis por estabelecer a ordem e a correção. Aí temos um cenário em que o controle se hipertrofia, tornando-se, ao fim e ao cabo, o próprio administrador. E aí, por óbvio, temos um problema. Não há o controle da qualidade da decisão, mas, sim, a substituição do agente responsável pela decisão. E, como resultado dessa substituição, o novo responsável pela decisão aparece na situação cômoda de decidir sem ônus pelas consequências. Com isso, uma decisão de um controlador acaba, muitas vezes, sendo mais onerosa do que uma decisão ruim da própria administração, sobretudo porque traz, via de regra, instabilidade e prejuízos à segurança jurídica, verdadeiros pilares de um país sério e comprometido.

Para complicar, a academia, que deveria se postar para fornecer subsídios teóricos para corrigir os problemas verificados, acaba subsidiando tais problemas. Os acadêmicos do Direito Administrativo, ainda em boa parte presos atavicamente aos primórdios do ramo jurídico na França do século XIX, postulam a verticalização, a autorreferência e o fechamento ao diálogo, em nome de uma supremacia — que é completamente inaceitável no atual estágio do Estado Democrático de Direito. Em suma, transformam a administração pública em um fim em si própria, fazendo com que qualquer decisão administrativa possa ser justificada pela teoria e valorizando qualquer intervenção dos órgãos de controle, independente de seus resultados.

Vivemos dias turvos em nosso Direito Administrativo. Embora já haja obras acadêmicas de envergadura e qualidade pugnando pela modernização e pela eficiência na administração pública, a prática acaba mais e mais permanecendo com o que tem e pior (e ainda o piorando). Avanços relevantes como o processo administrativo, a revisão das marcas (estigmas, melhor dizendo) clássicas do contrato administrativo e o aumento da qualidade da participação dos cidadãos na administração pública, alcançados em um profundo processo de revisão dos anos de 1990 e início dos anos 2000, vêm sucumbindo diante da necessidade de satisfação de interesses políticos nada republicanos e dos imperativos do marketing eleitoral.

Aproveitando-se ser este um ano de eleições gerais, talvez seja um bom momento para nós, estudiosos do Direito Administrativo, pensarmos em alguma solução para que a escolha do que o Brasil quer ser quando crescer, seja pelo avanço e pela modernidade, deixando o caudilhismo apenas para os livros de história. E, para tanto, não é necessário muito. Basta que sejam feitas escolhas que tenham como pautas prioritárias a profissionalização da administração da coisa pública (com clara divisão entre técnica e política) e consciência de que em quatro anos não há milagre, seja para o bem ou para o mal. Qualquer ação a ser tomada pelos próximos governantes hão que ser pensadas à luz de seus efeitos mediatos e imediatos, para o curto, o médio e, sobretudo, o longo prazo, demandando-se, portanto, estabilidade e planejamento, algo que em muito transcende a legalidade rasa dos administrativistas mais tradicionais e, pois, demanda pensamentos mais complexos e modernos.

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    é sócio do Rhein Schirato, Meireles & Caiado – RSMC Advogados e professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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