Opinião

Uma resposta a Lenio Streck: caríssimo professor, meu tabu é a lei

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29 de setembro de 2017, 17h22

Caro professor Lenio Streck,

Eu era seu admirador, pelos escritos.

Depois de ler a sua história, passei a ser seu fã.

Temos semelhanças.

Somos sessentões, o senhor mais feliz do que eu, pois já é avô. No meu caso, Isabela somente chega neste vasto mundo em dezembro, para meu alumbramento.

Falemos de liberdade.

Pernambucanos e gaúchos somos parecidos no ethos. Personalidade forte, afirmativos sem descortesia, orgulhosos das nossas histórias de rebeldia política e, sobretudo, gosto pela liberdade. Aliás, meu estado sofreu no osso e na redução punitiva de território o fato de não beijar a mão do imperador ou de presidentes daquilo que se chamou República do fim do século XIX e início do seguinte.

Mais liberdade?

Ao lado dos fraternos cearenses, dissemos antecipadamente não à escravatura através do “Clube do Cupim”, entidade que ajudava na fuga dos escravos das fazendas de cana-de-açúcar pernambucanas, colocados em barcos a partir do Capibaribe, rumo ao Ceará, onde a abolição da escravatura chegou primeiro. Conhece aquela lenda: se o Capibaribe une-se ao Beberibe para formar o Oceano Atlântico, por que não alcançaria rapidinho águas cearenses?

Depois, tem aquelas histórias de Joaquim Nabuco, moço rico e dono de terras que pagou muita alforria de negros.

Olha que nem estou falando de 1827, ano em que a liberdade do pensamento alçou as ladeiras da Sé de Olinda, rumo à Faculdade de Direito, pioneira na formação da consciência jurídica do país, ao lado da paulistana do Largo São Francisco.

Acho importante, diante da sua missiva, revelar umas duas ou três coisas a meu respeito.

Não sofri os dramas políticos que lhe acometeram, mas tive a angústia de ver vários colegas de turma desaparecidos. Todos da mesma forma: tínhamos notícias de que eram colocados numa mala de Veraneio, com um saco enfiado na cabeça, e simplesmente desapareciam no oco do mundo. Na maioria dos casos, presos por situações de proselitismo político: outros, porque assaltaram bancos ou mataram/feriram jovens soldados em serviço militar obrigatório. O senhor tem razão: os dias eram assim, mas, felizmente, todos os colegas de turma ainda estão vivos. Uns se arrependeram do que fizeram, outros, não. Eu, até hoje, não gosto de ver as velhas Veraneios.

Trabalhei na imprensa debaixo da censura e me indignava quando, cerca das 18h de certos dias, hora de fechamento das matérias, um policial batia na redação com uma mensagem datilografada, sem qualquer assinatura do responsável, onde se determinava: “É proibido divulgar tal assunto”.

Não tenho passagens políticas. Sempre fui meio casmurro, pouco chegado aos debates estudantis fora da sala de aula, embora produtor de muitos conselhos para mim mesmo. Em resumo, minhas ideias são para consumo próprio. E não tendo capacidade de convencer ninguém, mas, com forte intuição, não me permiti, até hoje, ser liderado.

Finalmente, uma colherzinha de discordância no mar das identidades.

Liberdade e tolerância são ideias continente e conteúdo, respectivamente. Se a liberdade vier desacompanhada, tomando por empréstimo o vigor irônico de Millôr Fernandes, “democracia é quando eu bato em você, ditadura é quando você bate em mim”.

O senhor registra uma crítica ao fato de solicitar a opinião dos brasileiros sobre o risco de uma intervenção militar. Considera inoportuno tratar do tema tão próximo às declarações de um general e que um ministro do STJ não deve promover enquetes aceitáveis apenas nas dimensões de um radialista.

Caríssimo professor: nunca dos nuncas, como diria Machado de Assis.

Eu quero a liberdade sem tabus. Pelo seu brilhante currículo, sei que o senhor leu Freud, que trata do tema com profundidade, e que define tabu como algo sobre o qual podemos ou não podemos fazer. O permitido e o proibido. Será tabu auscultar a sociedade sobre tema atual e que está na vitrine dos brasileiros? Ou o tema será tabu para um magistrado, mas não será para um radialista, profissão de tanta ou mais visibilidade quanto a minha? Esconder a discussão somente favorece uma postura de criação de mitos no inconsciente coletivo.

O senhor cita Ivan Lins, e eu respondo com Caetano Veloso: Narciso acha feio o que não é espelho.

Posso assegurar a liberdade de expressão de mais de 200 milhões de brasileiros no meu exercício profissional, mas, paradoxalmente, não posso expressar a minha liberdade de querer entender o pensamento dos meus seguidores.

Caríssimo professor, o meu tabu é a lei. É a Constituição. Lembremos que já foi tabu o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a marcha da maconha, temas, aliás, muito explorados pelos radialistas, jornalistas e juristas. Não pode sobreviver a liberdade de expressão apenas para os que são a favor (ou contra) determinada tese. Quero o ar puro da falta de censura política.

Saudações para dona Rosane. Um beijo carinhoso no neto Santiago.

O senhor fica, desde logo, convidado para prolongar esse papo ao sabor do chimarrão ou da água de coco.

Meu fraterno cumprimento.

P.S – avisa para seu amigo que ele se equivocou: gostei muitíssimo da sua carta e da possibilidade da conversa.

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