Opinião

É correto o uso de autos de infração em denúncias de crime tributário

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29 de setembro de 2017, 14h53

O conhecimento jurídico e técnico traz segurança. E a recíproca é verdadeira.

O artigo intitulado MP erra ao usar auto de infração em denúncias de crime tributário, além de se referir a atos de corrupção por parte de auditores-fiscais como algo corriqueiro e, por conseguinte, generalizado — o que por si só já ensejaria direito de resposta — traz, ainda, múltiplas imprecisões jurídicas e técnicas, que devem ser devidamente sanadas, inclusive em consideração aos que, profissional ou academicamente, atuam nas áreas do Direito Tributário e Penal.

Um auto de infração é um documento expedido pela autoridade tributária brasileira, ou seja, pelo auditor-fiscal, e que possui o condão de constituir o crédito tributário. Este documento deve, sob pena de nulidade, isto é, sob pena de nada valer, trazer acostados todos os elementos de prova da “dívida fiscal”, além da detalhada descrição dos fatos e os enquadramentos legais. Estes basilares conceitos são os que de plano se extraem dos artigos 142 e 149, dentre outros, do Código Tributário Nacional (CTN).

Na esfera federal, o auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil tem pleno conhecimento de que “a exigência do crédito tributário e a aplicação de penalidade isolada serão formalizados em autos de infração ou notificações de lançamento, distintos para cada tributo ou penalidade, os quais deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito”, por ser tal a letra explícita do artigo 9º do Decreto 70.235, de 1972, norma com “status” de lei ordinária federal e que rege o processo administrativo de determinação e exigência dos créditos tributários da União e o de consulta sobre a aplicação da legislação tributária federal.

Por conseguinte, um auto de infração não é apenas um documento público, subscrito por uma autoridade de Estado, que constitui o crédito tributário; é também um procedimento administrativo completo e complexo, que traz consigo “todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito”, conforme a lei acima trasladada.

Talvez por isso o Mistério Público, acertadamente, utilize o Auto de Infração — e com ele todos os elementos de prova nele contidos, indispensáveis à comprovação do ilícito fiscal — na propositura de ações penais.

A propósito, na esfera federal, existem essencialmente duas espécies de representação fiscal que o auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil, por dever de ofício, lavra. Tratam-se da Representação Fiscal para Fins Penais (RFFP) e da Representação para Fins Penais (RFP). Ambas são regulamentadas pela Portaria RFB 2.439, de 21 de dezembro de 2010, que tem sua base legal no artigo 83 da Lei 9430, de 1996. São elaboradas tais representações nos casos em que a autoridade tributária identifique atos ou fatos que, em tese, configurem crime contra a ordem tributária ou contra a Previdência Social (caso da RFFP) ou identifique atos ou fatos que, em tese, configurem crime de falsidade de títulos, papéis e documentos públicos; de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; de contrabando ou descaminho; bem como crime contra a Administração Pública Federal, em detrimento da Fazenda Nacional, e contra Administração Pública Estrangeira.

De elevado revelo à elucidação da matéria invocada pelo artigo em comento, e que evidencia seus diversos equívocos, é sem dúvida a disposição contida no artigo 3º da Portaria RFB acima referenciada, que estatui:

Art. 3º A representação de que tratam o caput do art. 1º e o art. 2º deverá ser instruída com os seguintes elementos:

I – exposição minuciosa dos fatos caracterizadores do ilícito penal;

II – prova material do ilícito penal e outros documentos sob suspeição que tenham sido apreendidos no curso da ação fiscal;

III – termos lavrados de depoimentos, declarações, perícias e outras informações obtidas de terceiros, utilizados para fundamentar a constituição do crédito tributário ou a apreensão de bens sujeitos à pena de perdimento, bem como cópia do documento de constituição do crédito tributário, se houver, e dos demais termos fiscais lavrados;

IV – cópia dos contratos sociais e suas alterações ou dos estatutos e atas das assembleias relativos aos períodos objeto da representação fiscal;

V – identificação das pessoas físicas a quem se atribua a prática do delito penal, bem como identificação da pessoa jurídica autuada, se for o caso; e

VI – identificação das pessoas que possam ser arroladas como testemunhas, assim consideradas aquelas que tenham conhecimento do fato ou que, em face do caso, deveriam tê-lo.

§ 1º Na hipótese do inciso V do caput, serão arroladas, inclusive:

I – as pessoas que possam ter concorrido ou contribuído para a prática do ilícito, mesmo que por intermédio de pessoa jurídica; e

II – os gerentes ou administradores de instituição financeira que possam ter concorrido para abertura de conta ou movimentação de recursos sob nome falso, de pessoa física ou jurídica inexistente, ou de pessoa jurídica liquidada de fato ou sem representação regular, presentes as circunstâncias de que tratam os arts. 1º e 2º.

§ 2º Em se tratando de crime contra a ordem tributária ou contra a Previdência Social, a representação fiscal para fins penais deverá ser instruída com cópia das declarações apresentadas à RFB pertinentes aos fatos geradores mencionados na representação.

§ 3º a 8º. …”.

Como se pode observar pela singela análise da legislação acima citada, tanto um auto de infração lavrado pelo auditor-fiscal, quanto a representação fiscal por ele subscrita, contam, em regra, e por força de lei, com um geralmente extenso rol de documentos e elementos probatórios da prática dos ilícitos fiscais e dos supostos ilícitos penais, que poderão ou não ser confirmados pelo Poder Judiciário. Daí o porquê decerto que o Ministério Público, mui acertadamente, utiliza o auto de infração, a representação fiscal para fins penais e os elementos de prova ali juntados, nas denúncias de crimes tributários.

Por fim, é de se afirmar que os ilícitos funcionais, como a corrupção, são sem dúvida, exceção entre os auditores-fiscais, classe profissional de trabalhadores que, espera-se, seja cada vez mais valorizada pela sociedade brasileira, tanto porque é a responsável pela manutenção de todo o Estado, quanto porque é justamente a capaz de identificar e autuar aqueles que praticam não apenas a sonegação fiscal, mas também a lavagem de dinheiro, a corrupção, o crime organizado, os desvios de dinheiro público. Todas essas práticas são, pelo primado jurídico do “non olet” sujeitas à tributação e à fiscalização. Mas aqui se cuidaria de um outro artigo…

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