Interesse Público

Direito autoriza proteção ao menor em exposições artísticas

Autor

  • Sérgio Ferraz

    é advogado parecerista procurador aposentado do estado do Rio de Janeiro professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da PUC-Rio e doutor em Direito pela UFRJ.

28 de setembro de 2017, 8h36

Spacca
Embora a definição e o conceito de arte tenham acusado inúmeras modificações nas variáveis do tempo e do espaço (inclusive com algumas, e não poucas, injunções ideológicas), a partir de Kant, em sua “Crítica do Juízo”, o objeto da arte ingressou no amplo domínio da estética. E, nessa configuração, regressando a Kant (mas aí já na “Crítica da Razão Pura”), arte é um somatório do belo e do transcendente. Aqui findamos no terreno conceitual, já que o tema perpassa séculos de discursos teóricos, descabidos em texto como este, sem pretensões enciclopédicas. Apenas refere-se, de passagem, que Platão, sobretudo em “Phaedo”, já justificava a ligação indissolúvel entre o belo e os valores (ideias).

Dito isso, por mais que belo e transcendente possam ser termos polissêmicos, a verdade é que não há dificuldades, fora de uma restrita zona cinzenta, em constatar o que é feio e o que é banal. Partindo daí, uma “exposição artística” (vá lá), que se autodenomina “Queermuseu” (como a que patrocinada recentemente em Porto Alegre, por uma empresa bancária), pode ser tudo, menos arte. Não se trata, de nossa parte, de um pensamento ultraconservador, ou de direita, na esfera artística. Trata-se, isso sim, de bom senso, critério, valores, experiência e conhecimento mediano de filosofia e de história. O “Queermuseu”, além disso, evoca a nefanda “exposição artística” promovida em fins da década de 1930 na Alemanha, por Adolf Hitler: a famosa mostra da arte decadente. E como arte decadente, para os nazistas, se considerava a produção artística que eles tinham por “queer”, evidentemente identificada com os artistas judeus e aqueles, não judeus, integrantes do ciclo do expressionismo (tido, então, como comprometido com os tempos, malditos para Hitler e seus sequazes, da Constituição de Weimar).

Para além, contudo, de qualquer crítica estética ou axiológica — que a tal exposição de Porto Alegre bem merecia, e com o máximo rigor —, há pautas jurídicas, particularmente de Direito Administrativo e de Direito Constitucional, invocadas na discussão.

É verdade, sim, que a censura artística é entre nós constitucionalmente vedada (CF, artigo 220). Mas a mesma Constituição, em seu artigo 227, institui um “direito a proteção especial” em favor da criança, do adolescente e do jovem, nesse escudo integrando a vedação ao uso, contra eles, de “toda forma” de exploração e violência — não importando, pois, de que tipo. Na interpretação sistemática — método hermenêutico excelso — da Constituição, isso só pode significar que numa “exposição artística” recheada de obras demonstrativas de práticas sexuais, para usarmos um eufemismo, inortodoxas, a presença de menores é uma aberração e uma infringência à Lei Maior. E, pois, uma iniciativa atentatória ao interesse público. Os adultos, normais ou degenerados, que quiserem comparecer ao dito evento que até lá se desloquem. Com isso, ponderamos que o remédio cabível não é vetar a mostra ou lutar por seu fechamento. Cada um que se divirta como preferir. Mas com respeito ao artigo 227 da Constituição e à proteção especial nele estatuída, afastando do contágio espúrio a criança, o jovem e o adolescente.

No campo do Direito Administrativo não há como compatibilizar uma promoção de um “Queermuseu”, como o de Porto Alegre, com qualquer forma de fomento estatal ou benesse de recursos e verbas públicas. As atividades de fomento estatal estão conectadas não só ao interesse da coletividade (e não de parcela dela), como também à dificuldade ou impossibilidade de o particular realizar determinada atividade ou sua promoção. Não há margem, assim, para que um banco comercial, sobretudo de abrangência protagônica mundial em seu ramo de atividade, capte verbas públicas, quando delas realmente não necessita. O que se tem aqui é uma clara prática de desvio de finalidade e de desvio de poder, que deveria levar à devolução do que graciosamente concedido e à responsabilização dos agentes públicos envolvidos em tal concessão.

Essa é uma visão realista, objetiva, jurídica, não ideológica e axiológica, do quiproquó de Porto Alegre. Protestos ou pedradas, da direita ou da esquerda, contra o que aqui se põe não receberão, de nossa parte, qualquer comentário.

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