Consultor Jurídico

Melillo Dinis: Deve-se meditar sobre presença do Judiciário na mídia

27 de setembro de 2017, 6h31

Por Melillo Dinis do Nascimento

imprimir

Este ano um dos mais destacados magistrados do país revelou em palestra o seu espanto com o papel das mídias na produção da jurisdição[1]. A partir de um ponto de vista do papel das instituições (Poder Judiciário, Ordem dos Advogados do Brasil, Ministério Público, Imprensa…), ele criticou de forma dura a tendência atual ao punitivismo e o papel das mídias nesta realidade.

No Brasil o punitivismo tem se ampliado em uma gritaria frequente. Há preocupação, medo e indignação. Mas ele está acompanhado de uma espetacularização da punição por parte do Estado. Há muito populismo penal num tempo em que a política se judicializou e o direito se politizou[2].

A pauta “Justiça/Judiciário” adentrou no mundo visível e invisível da imprensa, das mídias sociais, dos novos e velhos meios de comunicação. Estou convicto que a opinião pública é cada vez mais a opinião publicada. O que era comum e aceito por todos, mesmo com muitas críticas, era que as pressões externas da opinião publicada (os meios de comunicação) decorriam do “jogo” da política.

Mudou a amplitude e a velocidade da presença dos temas políticos a partir das mídias sociais, especialmente neste início de século, com o surgimento de uma sociabilidade online. À medida que estes ambientes forem mais presentes e influentes na vida dos cidadãos, os meios de comunicação necessariamente modificarão sua importância ou centralidade na relação com o campo político. Não será diferente com o sistema jurídico.

Nos tempos atuais, por força das inovações tecnológicas, há uma quantidade excepcional de informações circulando. Somos uma sociedade em que a grande quantidade de informações, entretanto, não se transformou em melhor formação ou mais juízo.

Para complicar, a realidade eletrônica reduziu o sentido de realidade por trás dos símbolos. O imaginário e real se confundem. O signo e seu referente, o verdadeiro e o falso coabitam o mesmo campo simbólico[3]. As fake news (ou “fatos alternativos”!) transformaram a fofoca e a bobagem em informação[4]. Estamos em constante e feroz competição por atenção, crença e engajamento. Viramos o resultado do algoritmo e não o seu calculista. O resultado é a ampliação do sistema de controle social e de poder[5], desta vez na mão das companhias que dominam a distribuição da informação, e “criam” uma desconfiança permanente a tudo e a todos, como parte de nossa condição social.

Além desses aspectos, há um elemento permanente neste campo da comunicação. O que chama a atenção neste mundo é o embate, a crítica e a novidade. Mark Twain afirmava que a função da imprensa era separar o joio do trigo e publicar o joio. Fora disto quase não há negócio. Não custa lembrar ainda a frase de Millôr Fernandes: “A imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.

Assim, é neste marco que se deve meditar acerca da presença do poder judiciário no mundo das comunicações, da imprensa, das mídias sociais. A vitrine chegou de vez, e, ao fim e ao cabo, estamos todos nus.

O sistema jurídico sempre esteve relacionado com o sistema político. O projeto da “separação” dos poderes decorreu mais de um aspecto didático e simbólico que concreto. Foi datado e limitado ao tempo de sua concepção. Este quadro mudou em vários países especialmente após o século XX. A tradicional forma de presença do sistema jurídico na vida social foi substituída por outro tipo de percepção que, sem perder a sua complexidade, obteve uma pulverização constante no panorama visível dos conflitos políticos e sociais para o cidadão-consumidor[6].

O juiz e o promotor foram reconhecidos como atores políticos. E muitos gostaram desses novos tempos. No caso brasileiro, ainda ocorreu uma explosão de litigiosidade decorrente da Constituição de 1988, que ampliou ainda mais esta realidade, submersa no período anterior, com a retomada de direitos até então inéditos na história e o aumento quantitativo dos casos em tramitação do poder judiciário[7].

A ideia de mais punição é um pobre projeto político que esquece o que é o melhor para preocupar-se apenas com o que pode ser transmitido de melhor e aumentar a clientela eleitoral preocupada com os crimes, com medo e indignada com a falta de inteligência e ação das autoridades8. É perigoso, por isso, estacionar no campo das soluções. Cada vez mais as instituições vão participar do jogo midiático. Não é possível mais combater uma realidade que se apresenta. É momento de refletir nas instituições e com elas qual é o marco ético e jurídico que vai evitar as sombras e fazer reluzir o respeito democrático necessário no agir de cada um dos atores envolvidos neste publicável mundo novo.


1 A reflexão é do Ministro Sebastião Reis, do STJ, em palestra no Instituto Victor Nunes Leal em setembro de 2017. Disponível em http://www.conjur.com.br/2017-set-15/mp-usa-midia-forcar-condenacoes-leis-imorais-ministro. Acesso em 22 Set 2017. Conforme a matéria: “A omissão das instituições (…) levou o Brasil a uma situação absurda, onde as pessoas precisam ter coragem para defender o que acham justo. A presunção de inocência (…) acabou. E um dos motivos disso é uso indevido da mídia por instituições. ”

2 Não é sem razão que Lenio Streck denuncia os sintomas e as consequências deste duplo polo: “Tudo começou com o ativismo e a judicialização da política… para chegar ao ápice: a politização da justiça”. Disponível em http://www.conjur.com.br/2017-jun-29/senso-incomum-check-list-21-razoes-pelas-quais-estamos-estado-excecao. Acesso em 22 Set 2017.

3 Cf. KUMAR, Krishan. Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1997.

4 Cf. FRANKFURT, Harry G. On Bullshit. Princeton: Princeton University Press, 2005.

5 Cf. BAUDRILLARD, Jean. Simulacra and simulation. Michigan: The University of Michigan Press, 1994.

6 No sentido dado a esta dualidade (consumidor e cidadão) por HIRSCHMAN, Albert O. De consumidor a cidadão: atividades privadas e participação na vida pública. São Paulo: Brasiliense, 1993.

7 Para falar em números, o Poder Judiciário brasileiro finalizou o ano de 2016 com 79,7 milhões de processos em tramitação, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Cf. Justiça em números 2017. Ano-base 2016. Publicado anualmente, desde 2004, o Relatório Justiça em Números divulga a realidade dos tribunais brasileiros, com muitos detalhamentos da estrutura e litigiosidade. Disponível em http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/09/904f097f215cf19a2838166729516b79.pdf. Acesso em 23 Set 2017.

8 Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Revan, 2007.