Opinião

Responsabilização do Estado pela violência em protestos

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26 de setembro de 2017, 7h10

Durante as manifestações de junho de 2013, ganhou bastante destaque o caso do fotógrafo Sérgio Silva, que, enquanto cobria um dos protestos contra o aumento na tarifa do transporte público em São Paulo, foi atingido por uma bala de borracha disparada por um policial militar. O ferimento resultou na perda de seu olho esquerdo.

No mesmo ano, Sérgio entrou com uma ação judicial contra o Estado de São Paulo pedindo uma indenização de R$ 1,2 milhão pelos danos, além de uma pensão mensal no valor de R$ 2,3 mil. No julgamento em 1ª instância, ocorrido em 10 de agosto de 2016, Sérgio acabou tendo seu pedido negado pelo juiz Olavo Zampol Júnior, da 10ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo.

A decisão não reconheceu a violação dos direitos de Sérgio à integridade física e à liberdade de expressão, e demonstrou um preocupante descaso não só com o trabalho exercido pelos comunicadores que atuam em protestos como também com as diversas violações que podem ocorrer durante esses eventos.

Os impactos dessa decisão foram ainda agravados pelos argumentos utilizados pelo juiz Olavo Zampol Júnior. Para o magistrado, a culpa do ferimento ocorrido seria de Sérgio, pois o comunicador, “ao se colocar o autor entre os manifestantes e a polícia, permanecendo em linha de tiro, para fotografar, colocou-se em situação de risco, assumindo, com isso, as possíveis consequências do que pudesse acontecer”.

Essa argumentação é extremamente problemática sob a ótica de proteção dos direitos humanos. Ao atribuir a responsabilidade ao fotógrafo pelo ferimento que tirou parte de sua visão, enquanto exercia sua profissão de forma legítima, o Judiciário contribui para a naturalização de um ambiente hostil a manifestações democráticas e desencoraja a cobertura por comunicadores desse tipo de evento, na medida em que chancela o comportamento truculento da polícia.

Por esse motivo, Sérgio recorreu da decisão proferida em 1ª instância, e a apelação será julgada pela 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo nesta quarta-feira (27/9).

A possibilidade de reforma da decisão, com o reconhecimento das violações sofridas por Sérgio e do seu direito às indenizações requeridas, dá à 9ª Câmara de Direito Público a oportunidade de mostrar seu comprometimento com a proteção dos direitos humanos. Além disso, uma virada no caso não apenas garantiria que Sérgio tenha uma decisão justa, mas também evitaria a consolidação de uma jurisprudência extremamente negativa, que ignora a importância do exercício jornalístico e da liberdade de expressão para uma sociedade democrática.

Isso porque há outros casos semelhantes ao de Sérgio que também buscam uma solução adequada dentro do Judiciário. O mais proeminente deles é o do fotógrafo Alex Silveira, que, em 2000, perdeu parte da visão após ser alvejado por um disparo de bala de borracha pela tropa de choque da Polícia Militar também durante a cobertura de um protesto. Alex chegou a obter o direito de receber uma indenização do Estado de São Paulo  em 1º instância, mas em 2014 o TJ-SP reverteu a decisão sob o mesmo argumento utilizado no caso de Sérgio Silva – o de que o comunicador seria responsável pelo seu grave ferimento por estar cobrindo o protesto.

Diante desse contexto, a manutenção da decisão em 1ª instância no caso de Sérgio Silva representaria uma tolerância do Judiciário com uma postura de criminalização do direito de protesto e das liberdades relativas à comunicação e informação. Por outro lado, caso optem por reformar a decisão, os desembargadores Rebouças de Carvalho (relator), Décio Notarangeli e Oswaldo Luiz Palu estariam dando um importante passo na direção de garantir a devida responsabilização do Estado em casos como este, expressando assim um louvável compromisso com a proteção aos direitos fundamentais.

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