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Monopólio estatal da jurisdição vai contra o progresso, dizem especialistas

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26 de setembro de 2017, 7h33

O monopólio estatal da jurisdição caminha na contramão do progresso. É preciso observar a tendência mundial de democratizar o Poder Judiciário, o que somente se concretizará com a efetiva popularização dos meios adequados de solução de controvérsias, tão enfaticamente fomentados pela nova legislação processual civil brasileira.

A declaração foi dada pela ministra Nancy Andrighi durante palestra no evento "Superior Tribunal de Justiça e Corte de Cassação Francesa: A arbitragem na visão comparada", realizado nesta segunda-feira (25/9). Ministros do STJ e representantes da corte da França debateram, entre outros temas, as concepções dos dois países sobre contrariedade à ordem pública em matéria de arbitragem internacional e a homologação da sentença arbitral estrangeira.

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STJ implementará um “infindável” número de boas práticas e de soluções positivas no cotidiano da arbitragem, garantiu Nancy.
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Nancy ressaltou a tradição da França no tema matéria e garantiu que, a partir das observações feitas no seminário, o STJ implementará um “infindável” número de boas práticas e de soluções positivas no cotidiano da arbitragem local. Logo de início, ela lembrou uma medida que adotou como Corregedora Nacional de Justiça, quando determinou aos tribunais estaduais que destacassem duas varas cíveis, nas capitais, com competência exclusiva para receber pedidos de tutela de urgência e medidas cautelares solicitadas pelos árbitros.

“Com essa providência, alcançamos a especialização dos juízes de direito, e o rápido trâmite dos pedidos formulados pelos árbitros, propiciando ao procedimento arbitral o diferencial que merece”, afirmou.

Desde o fim de 2004, data em que a Emenda Constitucional 45 entrou em vigor, até 2015, contou a ministra, foram julgados 67 pedidos de homologação, dos quais apenas 9 foram indeferidos, 5 foram extintos e 3 parcialmente homologados, resultando em 50 sentenças arbitrais estrangeiras homologadas.

Para que as pessoas abdiquem da atuação da Justiça e confiem em outros meios de solução de controvérsias, alertou a magistrada, é necessário que haja segurança e previsibilidade. Por isso, o juízo deve recuar e zelar pela máxima preservação da autonomia da vontade das partes.

“Especificamente em relação à arbitragem, respeitar a autonomia da vontade das partes equivale a honrar a autoridade do árbitro a quem as partes confiaram a resolução da controvérsia, tratando-o de acordo com o — estabelecido na nossa lei de arbitragem — árbitro é juiz de fato e de direito e, como tal suas decisões devem ser acatadas”, disse.

Para se discutir a homologação de sentença arbitral estrangeira, opinou Nancy, o centro do debate está no conceito do que é a ofensa à ordem pública nacional, hipótese em que a sentença pode ser negada.  Embora a ministra tenha dito que isso depende da interpretação de cada um, ela deu seu parecer: “Pode ser representado por um conjunto de princípios incorporados na ordem jurídica interna que, por serem essenciais à sobrevivência do Estado, não podem ser contrastados pelo direito estrangeiro”, resumiu.

Esse conceito é fluido, pois varia no tempo e no espaço entre mudanças culturais e valorativas da sociedade de cada época, mas é estável, é limitador da vontade no direito interno e impede a aplicação de leis estrangeiras, explicou.

O magistrado Patrick Matet, magistrado da Corte de Cassação Francesa, explicou que, em seu país, o juiz também tem o controle da sentença e é encarregado de averiguá-la sob ponto de vista do respeito à ordem pública. Os textos franceses, porém, são muito mais precisos em definir quando se configura essa ofensa do que a Convenção de Nova York,  também conhecida como a Convenção da ONU sobre o Reconhecimento e Execução das Decisões Arbitrais Estrangeiras que, no Brasil, foi transformado no Decreto Legislativo 4.311 de 2002, que regulamentou a adesão do país à convenção.

A concepção jurisprudencial de ordem pública internacional está ligada à existência de uma ordem jurídica autônoma a partir de decretos e tratados que evidenciem situações específicas, disse. Para encerrar, ele destacou a importância da realização de seminários sobre o tema, pois o desenvolvimento de uma arbitragem eficaz demanda novas experiências sobre o direito comparado.

Direitos Humanos
O professor da Universidade de São Paulo e reconhecido especialista na área Luiz Olavo Baptista também ressaltou a importância da segurança e da previsibilidade na arbitragem internacional. Para garantir que esses dois pontos se fortaleçam em vários países simultaneamente, apontou, é necessários ter métodos que incitem a coerência do pensamento. “Não é uniformidade. É coerência, pois coerência depende da mudança que ocorre na ordem social. Até porque aquilo que era inaceitável quando eu nasci hoje é visto como desejável. Essa mudança que ocorre deve se refletir na coerência que as decisões devem ter”, pontuou.

Em todos os casos, ressaltou, deve ser observado o direito das pessoas. A exigência de citação e o respeito ao devido processo legal, por exemplo, estão previstos tanto na lei brasileira quanto na convenção internacional que rege o tema. No caso da ordem pública internacional, disse, não se trata de uma afirmação da cultura jurídica nacional, mas de uma comunhão da humanidade sobre a necessidade de observar certas coisas inerentes aos seres humanos.

Tudo que ofender essa premissa está afastado, disse: “A arbitragem internacional com países que admitem a escravatura não será reconhecida, uma vez que o objeto fere questão inaceitável, pois exigimos como requisito a liberdade”, explicou.

Jean-Noël Acquaviva, que também é magistrado da Corte de Cassação Francesa, explicou que, naquele país, a homologação de sentença estrangeira passa por um controle que observa a proteção do direito de defesa, a igualdade de tratamento e o princípio da lealdade. A neutralidade do juízo é fundamental, sob o risco de comprometer o equilíbrio das partes na causa, alertou. “A fraude ou a dissimulação frente aos árbitros, obviamente, também são proibidas”, ressaltou.

A impossibilidade de uma das partes acessar o tribunal arbitral, mesmo que por motivos financeiros devido às despesas do processo, configura omissão da Justiça, comentou. Ele também indicou soluções para a arbitragem internacional: “Unificando regras comuns a todos com a manutenção de padrões próprios de cada Estado. É um dos interesses desse seminário pensar a partir do direito comparado modalidades que possam nos aproximar”.

TSE
João Otávio de Noronha citou precedentes em que o STJ rejeitou a homologação
de sentença arbitral estrangeira.

O ministro João Otávio de Noronha citou precedentes em que o STJ rejeitou a homologação de sentença arbitral estrangeira. Em um deles, por exemplo, constatou-se que o presidente do tribunal arbitral já havia advogado para uma das partes. Além disso, seu escritório, embora ele não tenha prestado o serviço, havia feito pareceres à outra parte. “Não podemos reconhecer neutralidade nesse árbitro”, disse.

Ele conta que a Justiça dos Estados Unidos refutou que o envolvimento do juiz afetaria a imparcialidade. “Pode ser lá, mas quando vou aferir isso o faço com base na ordem jurídica nacional, e aqui verificamos que o caso se enquadra exatamente nos casos de suspeição e impedimento regulados pela nossa legislação”, afirmou.

Em outro caso, o juiz arbitral havia decretado a falência de uma das partes, o que, para ele, ofendeu a ordem pública nacional. “Processo de falência, como se trata de execução, é reservada à atividade jurisdicional. Não pode particular invadir esfera patrimonial do devedor. É atividade privativa do Estado”.

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