Equívocos e fragilidades

CNJ absolve desembargador após MPF trocar "raras" por "várias vezes"

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26 de setembro de 2017, 19h55

Por falta de provas e erro do Ministério Público Federal, o Conselho Nacional de Justiça decidiu arquivar processo contra um desembargador acusado de ter recebido propina em troca de decisões favoráveis a políticos paraenses cassados e também de ter usado o filho advogado para cobrar e recolher dinheiro em seu nome.

Ex-presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Pará e membro do Tribunal de Justiça estadual, João José da Silva Maroja era alvo de processo administrativo disciplinar desde 2014, aberto pelo então corregedor nacional Francisco Falcão. Ele foi defendido pelo advogado Filipe Coutinho da Silveira, sócio do Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.

O relator do caso, conselheiro Bruno Ronchetti de Castro, notou erro nas alegações finais do MPF: o documento descreveu que, segundo uma testemunha, o filho do desembargador foi visto “várias vezes” nas dependências do TRE-PA. O depoimento, na verdade, dizia “raras vezes”, o que muda todo o sentido da frase e não consegue demonstrar tráfico de influência.

Outro problema, segundo o conselheiro, foi considerar indício de irregularidade o fato de que o filho acompanhou o julgamento de um prefeito no TRE-PA, sentado ao lado do réu, mesmo sem razões afetivas, já que o pai faltou à sessão daquele dia. O político foi cassado e, como depois acabou conseguindo decisão favorável do presidente da corte, o MPF relacionou os dois fatos. Para o relator, porém, sentar ao lado de um réu é insuficiente para demonstrar relação.

Outras três provas foram centrais nas acusações: decisões aparentemente contraditórias do desembargador, depoimentos de testemunhas e o depósito de R$ 20 mil em conta corrente de Maroja, sem identificação. Nenhuma capaz de demonstrar a prática de corrupção, na análise do conselheiro.

Sobre o primeiro ponto, um dos pilares da denúncia envolve a cassação do prefeito e do vice-prefeito do município de Chaves (PA). Retirados das cadeiras pelo Plenário do TRE em 2009, eles conseguiram retornar em abril de 2010 por meio de liminar assinada pelo então presidente da corte.

O estranho, para o MPF, é que a decisão foi proferida no mesmo dia em que Maroja considerou intempestivo (fora do prazo) recurso apresentado pelo prefeito e considerou protelatórios os embargos de declaração apresentados pela defesa.

Já o conselheiro apresentou justificativa lógica: dois processos pediram o retorno, com partes diferentes, e só um foi rejeitado. Ao acolher argumentos do vice, os efeitos também atingiram o prefeito. Assim como esse episódio, nenhuma decisão citada no PAD foi considerada teratológica e incoerente com a legislação ou as circunstâncias.

Rumores e depósito
O caso teve início quando um advogado e ex-defensor de prefeito cassado enviou e-mails ao Ministério Público Federal relatando supostas “mágicas” em favor do antigo cliente.

Segundo o relator no CNJ, porém, o denunciante reconheceu em depoimento que só havia ouvido rumores sobre a suposta venda de decisões envolvendo o desembargador, pois não presenciou nenhuma conduta irregular nem tem qualquer forma de comprovar a suspeita. Outras testemunhas ouvidas, de acordo com o conselheiro, também disseram que ficaram sabendo sobre atos corruptos porque “ouviram dizer”.

O relator disse ainda que a quebra de sigilo bancário e fiscal encontrou R$ 60,3 mil em conta do desembargador, valor compatível com os rendimentos na magistratura e menor do que a suposta propina citada por testemunhas, que chegariam a R$ 1 milhão.

Castro rejeitou também o argumento de que o desembargador teria sinalizado interesse no cumprimento de uma decisão por ter ligado para uma das testemunhas, exigindo que sua determinação favorável a um político fosse seguida.

“Ocorre que tal inferência, para além de não ter ficado provada estreme de dúvida, seja porque a testemunha não foi capaz de confirmar tal ligação, seja porque não há nenhuma outra prova de sua existência, ainda que efetivamente tivesse ocorrido, não seria circunstância suficiente para se concluir, com a necessária segurança, que o acusado teria negociado aquela decisão”, escreveu o relator.

O voto foi seguido por maioria. Maroja já estava fora da ativa desde 2014, quando se aposentou ao completar 70 anos.

Clique aqui para ler a decisão.
0000683-76.2014.2.00.0000

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