Intolerância x Direito

Trabalho artístico não pode ser proibido só por ser repugnante, decide juiz

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19 de setembro de 2017, 15h30

No Brasil, não é possível proibir uma manifestação artística se ela não configura um crime, por mais repugnante e vil que seja. A decisão é do juiz Guilherme Madeira Dezem, da 44ª Vara Cível de São Paulo, que alerta para o crescimento da intolerância no país. "Esta intolerância não pode ser aceita pois a base da sociedade está no seu caráter múltiplo", afirmou, lembrando que o Direito não é pautado por juízos estéticos baseados em opiniões, sentimentos e emoções.

O juiz analisou um pedido da Defensoria Pública de São Paulo para que fosse removido da internet parte do conteúdo disponível nas redes sociais dos "Irmãos Piólogos" e no canal de Youtube "Mundo Canibal". Segundo a Defensoria, o conteúdo é violento e discriminatório contra mulheres e a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).

Na sentença, o juiz Guilherme Dazem fez uma série de críticas negativas ao conteúdo citado, classificando-o como repugnante e dizendo ele representa, quando muito, "uma versão piorada e sem talento daquele famoso desenho 'South Park'". Porém, o juiz ressaltou que isso não é motivo suficiente para censurar o material.

Ele explica que o Supremo Tribunal Federal tem um posicionamento consolidado, conforme a Constituição, de que as manifestações de pensamento só podem ser restringidas caso configurem ilícito penal, o que, segundo o juiz, não é o caso do material analisado.

"Não pode o Estado limitar a liberdade de expressão se não houver ilícito civil ou crime praticado pelos réus. Neste caso estão em uma linha limítrofe e, nesta linha, tenho por princípio que, na dúvida, deve prevalecer a liberdade de expressão", afirmou na sentença.

Segundo Guilherme Dezem, por mais que o material cause desconforto e repugnância, os autores têm o direito de se manifestar artisticamente nesse sentido. "Afinal de contas, é disso que se trata a liberdade de pensamento e de expressão: liberdade para as ideias que eu não concordo, sob pena do outro também querer limitar as minhas ideias com as quais ele não concorda."

Sem citar expressamente nenhum caso, o juiz lembrou situações recentes como a exposição Queermuseu — Cartografias da diferença na arte brasileira, patrocinada pelo banco Santander e que foi cancelada antes mesmo de abrir devido a protestos contrários ao seu conteúdo.

"O Brasil vive, hoje, delicado momento neste tema, e o perigo está na esquina da nossa era: grupos dos mais variados espectros político-ideológicos querem tentar limitar a ação de outros grupos. Exemplos, nesta data, não faltam. Se a pressão de indivíduos para o cancelamento de determinada manifestação de ideia é delicada, a limitação da ideia pelo Estado é ainda mais perigosa. Há um fio que une todos estes casos, que se trata da intolerância pela ideia do outro. Esta intolerância não pode ser aceita pois a base da sociedade esta no seu caráter múltiplo", afirmou.

Remoção de conteúdo
Na sentença, o juiz analisou ainda a responsabilidade civil dos provedores de aplicação na internet como o Google, Twitter e Facebook, que não removeram o conteúdo após serem notificados extrajudicialmente.

Guilherme Dezem explicou que o artigo 19 do Marco Civil da Internet alterou a forma como o conteúdo supostamente ilícito deve ser removido. Segundo ele, antes do Marco Civil, o provedor deveria retirar o conteúdo assim que notificado extrajudicialmente, sob pena de responsabilização solidária.

No entanto, segundo o juiz, o Marco Civil da Internet adotou sistemática
diversa, passando a exigir prévia ordem judicial de remoção do
conteúdo.

Clique aqui para ler a sentença publicada no site do Observatório do Marco Civil da Internet (OMCI).

* Notícia alterada às 16h05 do dia 19/9 para acrécsimos.

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