Opinião

Não existem "penduricalhos" inseridos na remuneração dos juizes paulistas

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19 de setembro de 2017, 7h33

Nos últimos tempos, assistimos à sumária condenação dos magistrados por alguns setores da mídia, expondo-os à opinião pública como detentores de privilégios excessivos, em especial aqueles que se materializam nas verbas que compõem a sua remuneração.

De forma equivocada, afirma-se que os tribunais têm “criado penduricalhos” para justificar remuneração mensal de seus membros em valores que ultrapassem o teto fixado pela Carta Magna.

É, portanto, nosso dever esclarecer a exata natureza de cada verba paga a juízes e desembargadores, impedindo que, em momento de grave instabilidade econômica e institucional, informações equivocadas abalem a confiança da população na Justiça.

Nesse passo, é preciso deixar claro que a remuneração paradigma de todos os magistrados paulistas observa estritamente o teto constitucional. Outras verbas porventura agregadas, em regra, de forma episódica, a este valor, são pagas nos exatos termos da lei e de resoluções editadas pelo Conselho Nacional de Justiça.

A regularidade desses pagamentos pode ser conferida em nosso Portal da Transparência[1], formatado segundo as balizas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça, em que os rendimentos dos magistrados são desdobrados nos seguintes grupos: Remuneração Paradigma; Vantagens Eventuais; Vantagens Pessoais; Gratificações e Indenizações.

A remuneração paradigma diz respeito à remuneração do cargo efetivo. É a base para os pagamentos de todos os magistrados.

As vantagens eventuais se referem a verbas não permanentes, decorrentes de preceito legislativo ou decisão administrativa. Exemplo dessas vantagens é o pagamento da indenização de férias/terço constitucional e outros afastamentos regulares não usufruídos por absoluta necessidade de serviço, que, longe de constituir privilégio, ostenta natureza de direito social fundamental assegurado aos trabalhadores urbanos e rurais (artigo 7º, inciso XVII, da Carta de 1988) e estendido aos agentes públicos, por força do artigo 39, § 3º, da Lei Maior.

No âmbito do Poder Judiciário, a necessidade de conversão em pecúnia de férias e outros afastamentos regulares não usufruídos assume ainda maior relevância, na medida em que a atividade jurisdicional é ininterrupta (artigo 93, XII, da Carta Federal). A tal circunstância soma-se o elevado déficit de magistrados — são 315 cargos vagos no Estado de São Paulo; e severas limitações orçamentárias enfrentadas por todas as Cortes de Justiça do país, notadamente no atual cenário de crise econômico-financeira, a inviabilizar novas contratações em número suficiente para recomposição do quadro funcional.

Nesse contexto, a fim de atender aos ditames constitucionais de ininterruptabilidade da prestação jurisdicional, acesso à Justiça e duração razoável do processo, alternativa não há senão indeferir o gozo de férias e outros afastamentos regulares por absoluta necessidade do serviço público, facultando sua conversão em pecúnia.

Assim, também é considerada verba eventual a Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), que corresponde a diferenças salariais relativas ao período de 1º de setembro de 1994 a 31 de dezembro de 1997, previstas na Lei Federal 8.448, de 21 de julho de 1992 e reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal (conforme Ata 9, de 12.08.1992). Bem de ver que tais diferenças foram pagas, integralmente, através de poucas parcelas, aos ministros dos tribunais superiores e integrantes da magistratura Federal. No âmbito do Estado de São Paulo, em razão de insuficiência orçamentária, esse pagamento foi dividido em dezenas de meses.

As vantagens pessoais, por sua vez, são decorrentes de decisões judiciais, como é o caso do abono de permanência, instituído pela Emenda Constitucional 41/03, como parte integrante do projeto de Reforma da Previdência no Serviço Público. Mediante este abono pecuniário em valor equivalente à contribuição previdenciária, estimula-se a permanência em atividade de servidor que já reúna os requisitos para requerer sua aposentadoria, evitando novos gastos com o concomitante pagamento de benefício previdenciário e vencimentos de servidor nomeado em reposição. Destarte, com fulcro artigo 40, §19, da CF (com a redação dada após a Emenda Constitucional 41/2003), artigo 126, §19, da CE/SP e artigo 8º, IV, da Resolução CNJ 13/2006, o Judiciário paulista efetua o pagamento do abono de permanência aos magistrados que, mesmo podendo requerer aposentadoria, permanecem em atividade.

É considerada, ainda, vantagem pessoal, a parcela de irredutibilidade. Com fundamento na disciplina inscrita no artigo 95, III, da Constituição e no artigo 25 da LOMAN, as verbas que, por ocasião da implantação do novo regime, ultrapassavam o valor nominal do subsídio estabelecido pela LCE 1.031/2007, passaram a ser pagas sob esta denominação. Essa importância, de expressão reduzida, é devida apenas aos magistrados mais antigos por força da garantia constitucional do direito adquirido.

Já a atribuição da nomenclatura “indenizações” não revela o conteúdo específico desse grupo, que, no estado de São Paulo, abriga apenas dois auxílios: auxílio alimentação e auxílio moradia.

Quanto ao auxílio alimentação, seu pagamento é efetivado apenas aos magistrados em atividade, encontrando fundamento no artigo 1º, “a”, da Resolução 133/2011 do Conselho Nacional de Justiça. Por se tratar de verba com eminente caráter indenizatório, não se submete ao teto remuneratório (artigo 37, §11, da CF). Nessa mesma linha, dispõe o artigo 5º, inc. II, alínea “h”, da Resolução 13/2006 do Conselho Nacional de Justiça, segundo o qual os valores pagos a este título não estão abrangidos pelo subsídio e não foram por ele extintos.

De outra banda, o direito ao pagamento de auxílio moradia foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Conselho Nacional de Justiça que, em 7.10.2014, editou a Resolução 199, cujo artigo 1º é expresso no sentido de que: “a ajuda de custo para moradia no âmbito do Poder Judiciário, prevista no artigo 65, II, da Lei Complementar 35, de 14 de março de 1979, de caráter indenizatório, é devida a todos os membros da magistratura nacional”. Em 23.10.2014, a Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o cumprimento daquela Resolução.

Reitere-se, por oportuno, que, em São Paulo, os magistrados não recebem qualquer outro auxílio a título de indenização.

No grupo gratificações, os magistrados paulistas recebem, em regra, a antecipação do décimo-terceiro salário, verba que, nos termos da lei local, é paga no mês de aniversário do servidor. O décimo-terceiro salário ou “gratificação natalina” tem previsão na Constituição Federal (artigo 7º, inc. VIII, combinado com o artigos 37, §11, e 39, §3º) e, à evidência, não se integra ao subsídio do mês de referência. Neste sentido, a Resolução CNJ 13/2006 que, em seu artigo 7º, inc. II, determina que o décimo-terceiro não se soma à remuneração do mês em que se der o pagamento para fins de apuração de eventual violação ao teto remuneratório.

Não existem “penduricalhos” inseridos na remuneração de nossos magistrados. As verbas que compõem seus vencimentos são legítimas e, ainda que possam parecer expressivas nas tendenciosas comparações com pisos salariais adotados por outras categorias profissionais, não ultrapassam os parâmetros médios de carreiras congêneres, inclusive na iniciativa privada, em que exigida qualificação similar.

Há de se recordar, por oportuno, que o exercício da magistratura impede o desempenho de atividade econômica paralela. Isso exige que o sistema remuneratório do Poder Judiciário seja um instrumento capaz de assegurar a necessária tranquilidade financeira de seus integrantes.

Afinal, sendo responsável por volume de processos superior ao de qualquer outra divisão do Poder Judiciário nacional, o Tribunal de Justiça paulista destaca-se no cenário nacional não apenas pela dimensão global dos serviços que presta aos jurisdicionados, mas também por ser a instituição que mais exige de seus membros e funcionários; homens e mulheres de fé, que doam seu tempo integral, talento e competência à causa da justiça.

Temos hoje em São Paulo 1.953 juízes, distribuídos em 319 comarcas na 1ª instância, e mais 443 magistrados na 2ª instância, numa atuação intensa voltada à repressão da criminalidade e da improbidade administrativa, à proteção da infância e da juventude, da família e do consumidor, à defesa da livre iniciativa, do direito autoral, da liberdade de expressão e de outros tantos valores tão caros à nossa sociedade.

Desempenhando trabalho árduo e constante, nossos magistrados, anualmente, proferem cerca de 5 milhões de sentenças, façam quase 1 milhão de audiências e julgam 1 milhão de recursos.

Eventual redução na produtividade da Justiça de São Paulo seria projetado sobre o julgamento de milhões de processos por ano, traduzindo-se no abalar da confiança da população na capacidade de a ordem democrática assegurar os direitos individuais e sociais que fundamentam a Constituição do país.

Sem o Poder Judiciário, o Direito se degrada e, sentido pelos cidadãos como jugo, não será jamais a dimensão em que possa se tornar pacífico o convívio social.

O Estado Democrático de Direito depende, afinal, de um Judiciário efetivamente forte, independente e respeitado.

Ruy Barbosa já de há muito dizia que “a Justiça coroa a ordem jurídica; a ordem jurídica assegura a responsabilidade; a responsabilidade constitui a base das instituições livres. E, sem instituições livres, não há paz, não há educação popular, não há honestidade administrativa, não há organização da Pátria”.

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