Nova PGR

Na posse, Dodge destaca harmonia entre poderes e devido processo legal

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18 de setembro de 2017, 10h45

A nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tomou posse nesta segunda-feira (18/9) como a primeira mulher a assumir a PGR, o mais alto cargo do MP. Em um discurso duro de combate à corrupção, ela ressaltou a importância de se observar o devido processo legal e de preservar o princípio da dignidade da pessoa humana.

Em uma cerimônia rápida na sede da PGR, ela discursou para uma plateia cheia de autoridades e para uma mesa composta pelos chefes dos três Poderes do Brasil: a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, o presidente do Senador Federal, Eunício Oliveira (PMDB-CE), da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o presidente da República, Michel Temer.

Antonio Cruz/ Agência Brasil
Em posse na PGR, Raquel Dodge ressaltou cumprimento do devido processo legal
Antonio Cruz/Agência Brasil

Raquel Dodge também citou em seu discurso a elevada taxa de homicídio, as falhas em escolas públicas e a ausência de serviços básicos de saúde.

“Não é possível dizer que será fácil, mas confirmo que esses problemas serão encarados com seriedade, fundamento na Constituição e nas leis”, pontuou.

Em carta, Rodrigo Janot comunicou que não iria à cerimônia para transmissão do cargo por “motivos protocolares”, mas desejou “sorte e sobretudo energia” à Dodge. A nova PGR, por sua vez, citou seu antecessor em apenas um trecho do discurso: “Cumprimento o procurador-geral Rodrigo Janot por seu serviço à nação".

 Para falar sobre corrupção, ela lembrou Papa Francisco: “Ele nos ensina que “a corrupção não é um ato, mas uma condição, um estado pessoal e social, no qual a pessoa se habitua a viver. O corrupto está tão fechado e satisfeito em a sua autossuficiência que não se deixa questionar por nada nem por ninguém. Construiu autoestima que se baseia em atitudes fraudulentas, passa a buscando os atalhos do oportunismo, ao preço de sua própria dignidade e da dignidade dos outros. A corrupção faz perder o pudor que protege a verdade, a bondade e a beleza”.

O presidente Michel Temer, único a falar além da nova PGR, destacou a importância do Ministério Público e afirmou que a instituição “tem todas as características de um poder de Estado”. Para indicá-la ao posto, o chefe do Executivo rompeu uma regra que era seguida desde 2003, de nomear o primeiro colocado na lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República. Na votação feita pela ANPR entre os procuradores da república, Dodge ficou em segundo lugar, com 587 votos, atrás do subprocurador-geral Nicolao Dino, que obteve 608 votos.

Leia a íntegra do discurso de Raquel Dodge:

"Agradeço que tenham vindo à casa do Ministério Público brasileiro, que está a serviço da nação, para testemunhar esta posse.

Dirijo-me ao povo brasileiro, de quem emana todo o poder, e a todos os presentes, para dizer que estou ciente da enorme tarefa que está diante de nós e da legitima expectativa de que seja cumprida com equilíbrio, firmeza e coragem, com fundamento na constituição e nas leis.

Recebo com humildade o precioso legado de serviço à pátria, forjado pelos procuradores-gerais da republica que me antecederam, certa de que o Ministério Público deve promover justiça, defender a democracia, zelar pelo bem comum e pelo meio ambiente, assegurar voz a quem não a tem e garantir que ninguém esteja acima da lei e ninguém esteja abaixo da lei.

Cumprimento o procurador-geral Rodrigo Janot por seu serviço à nação.

Quarenta e um brasileiros assumiram este cargo, alguns em ambiente de paz e muitos sob intensa tempestade. A nenhum faltou a certeza de que o Brasil seguirá em frente porque o povo mantém a esperança em um país melhor, interessa-se pelo destin0 da nação, acompanha investigações e julgamentos, não tolera a corrupção e não só espera, mas também cobra resultados.

Os brasileiros aprenderam o caminho que conduz ao Ministério Público. Há trinta anos, quando tomei posse, poucos sabiam o que faz o procurador da república e, no entanto, nosso protomártir, o procurador Pedro Jorge de Mello e Silva, já havia sido assassinado por investigar um grande escândalo de corrupção.

Para honrar sua memória e dar efetividade ao nosso trabalho, reivindicamos as garantias que o constituinte nos deu em 1988.

No entanto, foi por causa da desigualdade persistente, da ausência de liberdades e do sofrimento cotidiano das pessoas, que reivindicamos também outras atribuições constitucionais, como a defesa da democracia, da sociedade e do meio ambiente e de zelar pelo respeito dos poderes públicos aos direitos assegurados na constituição.

Estas novas atribuições constitucionais somaram-se ao papel clássico do Ministério Público, que é o de processar criminosos.

É preciso desempenhar bem todas estas funções, porque todas ainda são realmente necessárias, para muitos brasileiros a situação continua difícil, pois estão expostos à violência e a insegurança pública, recebem serviços públicos precários, pagam impostos elevados, encontram obstáculos no acesso à Justiça, sofrem os efeitos da corrupção, têm dificuldade de se auto-organizar, mas ainda almejam um futuro de prosperidade e paz social.

O Ministério Público instituído pela Constituição de 1988 tem, portanto, a obrigação de exercer com igual ênfase a função criminal e a de defesa de direitos humanos, deve priorizar a atuação de seus membros na medida adequada a resolver problemas graves que inibem o bom desenvolvimento humano, como as elevadas taxas de homicídio a violência urbana e rural, as falhas na qualidade da escola — e sabemos que a educação de qualidade emancipa a pessoa e rompe o círculo da pobreza e a de serviços básicos de saúde onde são necessários.

Os desafios são muitos não é possível dizer que será fácil, mas confirmo que os problemas serão encarados com seriedade, com fundamento na constituição e nas leis, porque cada membro do Ministério Público brasileiro está pronto e motivado, como sempre esteve, para exercer todas as suas atribuições constitucionais. Estarei com eles e ao lado deles.

Não nos têm faltado os meios orçamentários, nem os instrumentos jurídicos necessários para fazer cumprir a Constituição. Estou certa de que o Ministério Público continuará a receber do Poder Executivo e do Congresso Nacional o apoio indispensável ao aprimoramento das leis e das instituições republicanas e para o exercício de nossas atribuições.

O Supremo Tribunal Federal tem distinguido o Ministério Público com sua atuação fundamentada, respeitosa e republicana em tudo condizente com a harmonia que interessa aos cidadãos, ao entregar de modo célere a prestação jurisdicional que lhe é reclamada como guardam da constituição.

Em todos os lugares do Brasil e em temas diferentes, há muito trabalho para o Ministério Público. A Constituição nos incumbiu de zelar pela higidez do sistema eleitoral, de coibir a violência doméstica, os crimes no transito que ceifam tantas vidas, os homicídios e os crimes de corrupção.

No Ministério Público, temos o dever de cobrar dos que gerenciam o gasto público que o façam de modo honesto, eficiente e probo, ao ponto de restabelecer a confiança das pessoas nas instituições de governança.

O Papa Francisco nos ensina que “a corrupção não é um ato, mas uma condição, um estado pessoal e social, no qual a pessoa se habitua a viver. O corrupto está tão fechado e satisfeito em a sua autossuficiência que não se deixa questionar por nada nem por ninguém. Construiu autoestima que se baseia em atitudes fraudulentas, passa a buscando os atalhos do oportunismo, ao preço de sua própria dignidade e da dignidade dos outros. A corrupção faz perder o pudor que protege a verdade, a bondade e a beleza” (em o nome de deus é misericórdia, ed. planeta, 2016, p. 120)

Zelar pelo bem comum é uma tarefa grandiosa para o Ministério Público, que é coadjuvada pelo papel que cada cidadão pode fazer por si mesmo e pela integridade do país.

É uma tarefa necessária que exige de nós coragem, o país passa por um momento de depuração, os órgãos do sistema de administração de justiça têm respeito e harmonia entre as instituições a pedra angular que equilibra a relação necessária para se fazer justiça em cada caso concreto.

Temos de cuidar da dignidade da pessoa humana, a Constituição não a estabelece apenas como ideal, mas exige concretude em relação a cada indivíduo, pautada pela observância da lei e dos direitos individuais. O Ministério Público, como fiscal da constituição e das leis, deve zelar pela dignidade de cada pessoa, pois a dignidade humana é essencial para assegurar um futuro de paz no pais e entre as nações.

O Ministério Público é guardião do legado civilizatório contido na Constituição. Princípios e normas que asseguram a liberdade do indivíduo também expandem a condição humana para a vida pacífica em sociedade sustentam nosso estilo de vida, preservam nossas tradições e nossos costumes e constituem o devido processo legal.

Fomos moldados por diversas línguas e culturas e convivemos bem com as diferenças. Esta herança multirracial caracteriza o Brasil e nossa humanidade, o Ministério Público zela pelo respeito a estas características, pelos direitos de índios e minorias, pela liberdade de religião e de credo.

A cada dois anos, na data da posse, nos reunimos nesta casa e reafirmamos nossa esperança de dias melhores para o Brasil. E o nosso compromisso como membros do Ministério Público, de agirmos com unidade de propósito para fazer a nossa parte, que consiste em cumprir o nosso dever constitucional. É a esperança que renovo agora, como procuradora-geral da república e presidente do conselho nacional do Ministério Público. E para cujo alcance sei que conto com a firmeza de cada procurador da república e de cada promotor de justiça do país, eu seus mais diferentes ofícios.

Sob a Constituição de 1988, a nação brasileira tem escolhido construir sua história valorizando a liberdade de expressão e de reunião, apreciando a democracia, repudiando a corrupção e pedindo o reconhecimento de seus direitos. O Ministério Público, como defensor constitucional do interesse público, posta-se ao lado dos cidadãos para cumprir o que lhe incumbe claramente a constituição de modo a assegurar que todos são iguais e todos são livres, que o devido processo legal é um direito e que a harmonia entre os poderes é um requisito para a estabilidade da nação.

No oficio que ora assumo, o trabalho será cotidiano e extenuante, precisaremos da ajuda de todos os membros e servidores do Ministério Público, pois a grandeza desta nação tem sido construída de modo árduo, e aprendemos que o caminho que leva à liberdade e à integridade tem obstáculos que só podem ser superados com resiliência e coragem.

Há novos desafios jurídicos pela frente. Os valores que defenderemos e que definirão nossas ações estão na Constituição: muito trabalho, honestidade, respeito à lei e as instituições, observância do devido processo legal e responsabilidade. São os atributos da cidadania.

Neste início de mandato, peço a proteção de Deus para que nos momentos em que eu for colocada à prova, não hesite em proteger as liberdades, em cumprir o meu dever com responsabilidade, em fazer aplicar a constituição e as leis, para entregar adiante com segurança o legado que recebo agora, e que eu então possa dizer, parafraseando a grande poetisa cora coralina, de meu amado estado de goiás, que contribuí para que haja "mais esperança nos nossos passos do que tristeza em nossos ombros."

Muito obrigada.

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