Processo administrativo

MP 784 acelera sanções do Banco Central, mas especialista cobra transparência

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18 de setembro de 2017, 9h04

A permissão para o Banco Central firmar acordos com empresas infratoras não passa de um aspecto acessório da Medida Provisória 784/2017, que ficou conhecida como “MP da leniência”. Segundo o procurador-geral da Banco Central, Cristiano Cozer, houve uma interpretação equivocada por parte da imprensa e da opinião pública sobre a medida editada pela Presidência da República em junho.

Ele sustenta que não se deu importância à criação de instrumentos muito mais relevantes para reduzir a litigiosidade do BC e aumentar seu poder de penalização, e o debate ficou praticamente restrito à leniência, instituto que o banco sequer tem expectativa de usar a curto e médio prazo, garante.

A instituição do Termo de Compromisso, da Multa Cominatória e a elevação do limite da multa que o banco pode impor, defende Cozer, são mais relevantes e irão ajudar o BC a lidar melhor com os problemas. O termo, aponta, fará o banco reduzir a judicialização de questões que podem ser resolvidas de forma mais ágil e benéfica ao consumidor e ao investidor. Caso o banco queira cessar uma conduta, ele poderá chamar a instituição e assinar um acordo negociado.

“Vamos supor que um banco resolve criar uma tarifa pelo ar respirado, e eu sei que isso desrespeita nossas normas. Eu podia abrir um processo administrativo e o banco continuaria cobrando. É mais eficiente chamar para conversar, não abrir processo, e estabelecer os termos para que a prática não aconteça mais”, explica em entrevista à ConJur em seu gabinete em Brasília. No termo, exemplifica, pode haver previsão do ressarcimento da tarifa e redução de reclamações sobre determinado tema, por exemplo.

Com a multa cominatória, explica, o BC poderá aplicar multas diárias de até R$ 100 mil enquanto uma instituição não respeitar uma determinação do Estado. Recentemente, cita, constatou-se um problema contábil em um banco, que estava contabilizando um ativo inexistente e publicando aquilo na demonstração financeira, passando para o investidor uma realidade distorcida.

Antigamente, um processo deveria ser aberto, sem data para acabar. Agora, o banco pode decidir que, enquanto ele não mudar aquela situação, terá de pagar R$ 100 mil todos os dias. “A ideia é que essas medidas reduzam a litigiosidade. A MP também prevê o processo eletrônico. Hoje, para intimar um banco, um servidor nosso tem que ir até lá. Agora, será feito por meio digital. Isso vai diminuir o número de processos, a ideia é que não se precisa instaurar mais tantos processos”, afirma.

A MP também aumenta para R$ 2 bilhões o valor máximo de multas que podem ser aplicadas pelo Banco Central. O limite anterior era de R$ 250 mil. Para a CVM, agência reguladora do mercado de capitais, que também está na MP, o limite da multa era de R$ 500 mil e subiu para R$ 500 milhões.

A MP também especificou melhor o que é uma pena grave, a única hipótese que permite ao BC a cassação de autorização de funcionamento das instituições financeiras. “Havia um conceito muito amplo. A legislação anterior, por exemplo, tinha pontos dissonantes, como a penalidade máxima prevista para administradora de consórcio ser maior do que para os bancos”, explica

Para Cozer, a MP dá mais segurança ao BC na aplicação das penalidades. Isso porque um trecho da a Lei 4.595/1964, que dispõe sobre a política monetária, diz que apenas são aplicáveis as penalidades descritas nessa lei e isso, na interpretação do Superior Tribunal de Justiça, quer dizer que o BC não pode multar com bate em ato normativo infralegal — ou seja, por meio de resolução do conselho do órgão.

No Congresso Nacional, a comissão mista da MP 784 aprovou o projeto de lei de conversão. Nele, há uma lista de infrações, além de dar abertura para o conselho do BC complementar o que não está previsto na lei. Segundo Cozer, a MP era necessária pois os processos administrativos que vigoravam até então eram os mesmos desde 1964.

Sobre a leniência, ele afirma que houve muitas incompreensões sobre o trecho da MP que faz referência aos acordos com as empresas. “Falaram que poderia alcançar a atuação penal, casos de corrupção. O BC não faz isso, o BC fiscaliza, zela pela estabilidade financeira. Mantemos comunicação com os órgãos de persecução sobre casos de lavagem de dinheiro, fiscalizamos como está o fluxo de informação para o COAF. Isso, sim, nós fazemos”, resume.

Quando envolve dano ao erário, porém, é com a Controladoria-Geral da União e com a Advocacia-Geral da União, afirma. Ele explica que a proposta apresentada pelo infrator é sigilosa, mas, depois de assinada a leniência, ela torna-se pública. “Além disso, existe uma lei complementar que manda o Banco Central comunicar ao MP quando houver indício de crime. Então, a leniência fica sigilosa enquanto está na etapa da proposta, mas mesmo assim, se ela trouxer indício, a gente tem a obrigação de avisar o MP. A nossa leniência, na verdade, é mais útil para infrações exclusivamente administrativas”, esclarece.

Transparência
A principal ressalva em relação aos acordos previstos na MP 784/2017 é em relação à transparência. Professor de Direito Administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Alexandre Aragão aponta que o termo de compromisso pode permanecer em sigilo se o Banco Central entender “que sua publicidade pode colocar em risco a estabilidade e a solidez” do Sistema Financeiro Nacional, do Sistema de Pagamentos Brasileiro e de bancos, seguradoras e corretoras.

Sérgio Rodas
Alexandre Aragão (esquerda) também criticou aumento da discricionariedade das autarquias trazido pela MP 784/2017
Sérgio Rodas

O problema, segundo Aragão, é que o BC abusa da alegação de risco sistêmico, tal como as Forças Armadas afirmam que tudo é questão de segurança nacional. Dessa forma, a MP 784/2017 deu poderes ao Banco Central para, quando bem entender, tornar o termo de compromisso confidencial, deixando de prestar contas à sociedade e ao mercado.

No seminário Processo sancionador na CVM e no Banco Central: reflexões sobre a MP 784/2017, no Rio de Janeiro, Alexandre Aragão defendeu que um órgão externo ao BC, como a Controladoria-Geral da União, que deveria decidir sobre a divulgação ou não do acordo.

De forma geral, Aragão entende que a MP 784/2017 trouxe um grande avanço ao Direito Administrativo sancionador ao permitir que o BC não instaure procedimento devido à pouco lesividade da infração. No entanto, o professor da Uerj critica o aumento da discricionariedade da autarquia, como o poder de impor sanções indeterminadas.

Corrida para delatar
A MP 784/2017 estabelece que o BC ou a Comissão de Valores Mobiliários só podem celebrar acordo de leniência com a primeira instituição financeira ou companhia a se entregar. Mas esse ponto gerou polêmica entre os participantes do evento. Por um lado, o procurador do estado do Rio de Janeiro Thiago Araújo opinou que a norma não resolve a questão, num ambiente com vários sistemas de leniência, de quem deve ser considerado o primeiro a relatar irregularidades e, portanto, receber os benefícios – especialmente quando uma mesma conduta pode ser enquadrada em mais de um sistema.

Por outro, o diretor da CVM Henrique Machado e o procurador-chefe da autarquia, Celso Luiz Rocha Serra Filho, defenderam a regulação. De acordo com eles, o fato de só o primeiro ser premiado força as instituições financeiras e companhias envolvidas em crimes a desconfiarem umas das outras — o que gera uma corrida para colaborar com as autoridades, beneficiando o sistema inteiro.

Por sua vez, a procuradora da CVM Cristiane Iwakura elogiou a informatização dos processos administrativos nesta autarquia e no BC determinadas pela MP 784/2017. A seu ver, a atualização vem em boa hora, uma vez que os sistemas dos dois órgãos estão bem defasados. Tal modernização aumentará a celeridade dos procedimentos, destacou Cristiane, ressaltando que a contagem de prazos em dias corridos também ajudará nisso.

*Texto alterado às 16h58 do dia 18/9/2017 para correção de informações.

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