Direito do Agronegócio

Aplicação do direito de preferência no contrato de arrendamento

Autores

  • Flavia Trentini

    é professora associada do Departamento de Direito Privado e de Processo Civil e do programa de mestrado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e livre docente em Direito Agrário pela FDRP-USP com estágio pós-doutoral pela Scuola Superiore Sant'Anna di Studi Universitari e Perfezionamento (SSSUP Itália) e em Administração/Economia das Organizações (FEA/USP).

  • Bruno Baltieri Dario

    é advogado e mestrando em Direito pela USP.

15 de setembro de 2017, 9h05

Spacca
Caricatura Flavia Trentini - Advogada e professora [Spacca]A situação da agricultura brasileira modificou-se vertiginosamente nos últimos 40 anos. A modernização do setor agrícola e a sua alta produtividade trouxeram ao campo empresas agrárias de tamanhos e estruturas diversas. Essa nova configuração impacta diretamente as relações contratuais com a presença de grandes empresas agrárias no polo de arrendatários, anteriormente ocupado somente por trabalhadores rurais. Portanto, emerge a necessidade de repensar e rediscutir alguns temas contratuais, como é o caso do direito de preferência assegurado ao arrendatário. Nesse sentido, o objetivo central do artigo desta semana é discutir a aplicação do direito de preferência na alienação do imóvel rural nos contratos de arrendamento[1].

O contato de arrendamento é um contrato típico, previsto no Estatuto da Terra e em seu Regulamento, Decreto 56.566/66, e pode ser entendido como aquele pelo qual uma pessoa cede temporariamente o uso e o gozo de um imóvel rural a outra, para exploração de atividade agrária, mediante certa retribuição ou aluguel. Observa-se, desta forma, que o objeto do contrato é a transferência temporária da posse ou uso do imóvel rural, com a finalidade de explorar a atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista.

Dentre os diversos direitos e obrigações envolvendo esse contrato, destaca-se como ponto conflituoso e divergente na doutrina e na jurisprudência, o direito de preferência do arrendatário na alienação do imóvel rural objeto do contrato de arrendamento. O direito de preferência pode decorrer da lei ou do contrato, e faculta ao arrendatário adquirir o imóvel objeto de arrendamento em igualdade de condições com terceiros. Neste caso, trata-se de faculdade legal, pois previsto no Estatuto da Terra e em seu regulamento.

O objetivo do direito de preferência é o de proteger a atividade desenvolvida no imóvel rural, possibilitando àquele que cultiva se tornar proprietário da terra. O parágrafo terceiro do artigo 92 do Estatuto da Terra determina que na alienação do imóvel, o arrendatário terá preferência para adquiri-lo em igualdade de condições, devendo o proprietário dar-lhe conhecimento sobre a venda, para que possa exercer seu direito de preferência no prazo de 30 dias, contados a partir da notificação. Em caso de não ser notificado, o arrendatário poderá depositar o preço e haver para si o imóvel arrendado, no prazo de seis meses, contado da transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis[2].

Por se tratar de direito de preferência legal, seu exercício independe do registro do contrato de arrendamento no cartório imobiliário, ao contrário do que ocorre com a Lei do Inquilinato que apresenta tal obrigação no artigo 33[3], não havendo mesma disposição na legislação agrária[4].

O proprietário, manifestando a sua vontade de alienar o imóvel objeto de contrato de arrendamento, de acordo com o artigo 45 do Regulamento[5], deverá notificar o arrendatário para, no prazo de 30 dias, contado da notificação, exercer o seu direito. A notificação é obrigatória, mas a lei não exige forma especifica para a sua realização. É fundamental, entretanto, que o meio utilizado seja passível de comprovação de recebimento. Dessa forma, poderá ser realizada judicialmente ou por outro meio, como carta com aviso de recebimento (AR) ou por oficial de cartório.

Nos casos em que o arrendamento seja de apenas parte do imóvel rural e o proprietário pretenda vender a totalidade da área, surge controvérsia sobre a instrumentalização do direito de preferência. Entendemos que o proprietário não pode ser obrigado a desmembrar o imóvel rural, evitando, assim, os custos de desvalorização da área e de desmembramento do imóvel. Nesse sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Paraná, sobretudo quando a área ocupada for inferior à fração mínima de parcelamento da região, com finalidade de evitar o minifúndio[6]

Outra questão controvertida surge quando o imóvel rural for arrendado parcialmente por vários arrendatários, a saber, quais teriam a preferência na aquisição do imóvel. Seguindo as disposições do artigo 46 do Decreto 56.566/1966, o STJ decidiu na Ação Rescisória 1.117/RS que o direito de preferência deve ser exercido para aquisição total da área, pois o proprietário não está obrigado a vender parcela ou parcelas arrendadas. Entretanto, mantém-se a dúvida quanto a preferência entre os arrendatários.

Diversas são as posições encontradas na literatura, utilizando-se de critérios econômicos, sociais e fundiários. Dentre os critérios econômicos, encontramos os seguintes parâmetros: ofereça maior preço ou as melhores condições para transação[7]; possua benfeitorias de maior valor[8]; ocupe a maior área[9]. Adotando o critério social, defende-se o seu exercício sobre área parcial, protegendo aquele que trabalha na terra[10]; Já o critério fundiário visa evitar a criação de minifúndios, optando pela formação de um condomínio[11]. Por fim, em caso de impasse, há quem defenda a não aplicação do direito de preferência[12].

Entendemos que o proprietário pode optar pela venda parcelada do imóvel, possuindo, cada arrendatário, direito de preferência na aquisição da área objeto de seu contrato de arrendamento. Nos casos em que o arrendatários não exerça o seu direito ou na opção pela venda unitária do imóvel, a preferência entre os arrendatários deve-se dar seguindo critérios econômicos, daquele que oferecer o maior preço ou as melhores condições de pagamento.

Por fim, é importe salientar a decisão do STJ, em maio de 2016, no julgamento do REsp 1.447.082/TO, de relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ao excluir a aplicação do direito de preferência legal para empresa rural de grande porte, visto que as normas protetivas do Estatuto da Terra devem ser aplicadas somente a quem explore a terra pessoal e diretamente, como típico homem do campo.


Referências
CABELEIRA, Imar Santos. Dos contratos de arrendamento rural e parceria rural. Rio de Janeiro: Aide, 1985.

COELHO, José Fernando Lutz. Contratos agrários: uma visão neo-agrarista, Curitiba: Juruá, 2006.

COSTA, José Bezerra. Arrendamento rural: direito de preferência. Goiânia: AB, 1993.

OPTIZ, Silvia C. B.; OPTIZ, Oswaldo. Curso completo de direito agrário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

PETTERSEN, Altamir; MARQUES, Nilson. Uso e posse temporária da terra (arrendamento e parceria). São Paulo: Pró-livro, 1977.

RAMOS, Helena Maria Bezerra. Contrato de arrendamento rural: teoria e prática. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2013.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

TRENTINI, Flavia; DARIO, Bruno Baltieri. Questões controvertidas do direito de preferência na alienação de imóvel rural objeto de contrato de arrendamento: uma análise à luz da nova epistemologia do direito agrário. In: V ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI, 2016, Montevidéu. Direito agrário e ambiental. Florianópolis: CONPEDI, 2016.


[1] Este tema foi abordado pelos autores em artigo apresentado no V Encontro Internacional do CONPEDI, realizado em Montevidéu, Uruguai, no ano de 2016, com título “Questões controvertidas do direito de preferência na alienação de imóvel rural objeto de contrato de arrendamento: uma análise à luz da nova epistemologia do direito agrário”.

[2] Estatuto da Terra, art. 92, § 3º “No caso de alienação do imóvel arrendado, o arrendatário terá preferência para adquiri-lo em igualdade de condições, devendo o proprietário dar-lhe conhecimento da venda, a fim de que possa exercitar o direito de perempção dentro de trinta dias, a contar da notificação judicial ou comprovadamente efetuada, mediante recibo”.

[3] Lei n. 8.245/1991, art. 33. O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel.

[4] O STJ corrobora esse entendimento (REsp 164442/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 21/08/2008).

[5] Decreto 59.566/66, art. 45. “Fica assegurado a arrendatário o direito de preempção na aquisição do imóvel rural arrendado. Manifestada a vontade do proprietário de alienar o imóvel, deverá notificar o arrendatário para, no prazo, de 30 (trinta) dias, contado da notificação, exercer o seu direito”.

[6] TJPS – Exsusp 955425001/PR, Rel. Des. Ana Lúcia Lourenço, j. 08/10/2013

[7] CABELEIRA, Imar Santos. Dos contratos de arrendamento rural e parceria rural. Rio de Janeiro: Aide, 1985.p. 115; RAMOS, Helena Maria Bezerra. Contrato de arrendamento rural: teoria e prática. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2013.p. 128.

[8] RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008; OPTIZ, Silvia C. B.; OPTIZ, Oswaldo. Curso completo de direito agrário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014

[9] OPTIZ, Silvia C. B.; OPTIZ, Oswaldo. Curso completo de direito agrário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

[10] COSTA, José Bezerra. Arrendamento rural: direito de preferência. Goiânia: AB, 1993, p. 148.

[11] PETTERSEN, Altamir; MARQUES, Nilson. Uso e posse temporária da terra (arrendamento e parceria). São Paulo: Pró-livro, 1977, p. 57.

[12] COELHO, José Fernando Lutz. Contratos agrários: uma visão neo-agrarista, Curitiba: Juruá, 2006, p. 185

Autores

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    é professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto. Doutora em Direito pela USP, com pós-doutorado em Administração/Economia das Organizações (FEA/USP). Atualmente é visiting professor na Scuola Universitaria Superiore Sant’anna (Itália). Tem experiência na área de Direito Privado, com ênfase em Direito Agroambiental.

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    é advogado e mestrando em direito pela FDRP/USP.

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