Opinião

Inteligência artificial é uma realidade e já afeta a área jurídica

Autor

  • Humberto Chiesi Filho

    é advogado mestre em direito pela Escola Paulista de Direito doutorando pela Faculdade de Direito da Mackenzie diretor jurídico de dispute resolution no Mercado Livre - América Latina.

15 de setembro de 2017, 7h36

Muito vem se discutindo a respeito do ensino do Direito no Brasil e, além dos desafios já existentes, temos um novo elemento que provavelmente trará grandes mudanças na atuação e na carreira dos profissionais do Direito, assim como em diversos outros aspectos da sociedade contemporânea. A inteligência artificial.

Entre os fatores que já se apresentam há tempos como desafiadores no ensino jurídico, temos a baixa qualidade da educação de base que aflige o Brasil e implica, consequentemente, dificuldades no ensino superior, pois os estudantes tem dificuldade na assimilação dos conteúdos.

Há também a remuneração não adequada dos educadores e demais funcionários das instituições de ensino, falta de recursos e estrutura nas universidades públicas e a multiplicação de faculdades com qualidade duvidosa.

Conforme divulgado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil[1], no Brasil existem mais cursos de Direito que em todos os outros países do mundo somados.

Além dessas questões, estamos diante de uma transformação que seguramente trará impactos relevantes na atuação dos profissionais do Direito e vem causando apreensão no mercado jurídico no que se refere à quantidade de vagas de trabalho, afinal, já existe tecnologia de automação e cognição artificial que detém a capacidade de executar atividades tipicamente humanas e também condições de aprender (machine-learning).

Não estou me referindo apenas a tarefas repetitivas e burocráticas, mas também a setores até pouco tempo inimagináveis. Ampliando um pouco a análise, para além da seara jurídica, verifica-se que, na arte, por exemplo, em 2016, com a participação direta do Watson, um sistema de computação cognitiva da IBM com uma estrutura de inteligência artificial altamente complexa e poderosa, foi feita a composição da música “Not Easy”.

A participação do IBM Watson se deu com a capacidade da máquina de entender a linguagem natural e identificar padrões e temas a partir de dados não estruturados em milhões de conversas em redes sociais e outras fontes relativas à cultura e à música (inclusive a letra dos maiores sucessos musicais) com o objetivo de criar uma verdadeira “paisagem” que refletisse o emocional da sociedade.

O sistema da IBM também aprendeu teoria musical, temas utilizados em músicas, padrões de humor e de emoção, para, em seguida, entender como esses aspectos se relacionam uns com os outros e identificar os principais elementos de uma música de sucesso. Com isso, Alex da Kid (produtor musical inglês), criou com a utilização do IBM Watson a música “Not Easy” e, com seu lançamento, conseguiu figurar pela primeira vez na parada Billboard[2].

Na área jurídica, já existem diversos exemplos da utilização da inteligência artificial. O Banco JP Morgan, maior banco dos Estados Unidos, vem investindo incisivamente no desenvolvimento de novas tecnologias e já possui um “robô”, baseado em uma rede particular, chamado COI (Contract Intelligence), que interpreta acordos de empréstimo comercial e analisa acordos financeiros[3].

Estima-se que, por meio do COI, são processadas análises que consumiam 360 mil horas de trabalho de advogados por ano. O banco também afirma que o índice de erros é menor que o apresentado pelo trabalho humano.

Quanto aos escritórios de advocacia, existe a Ross (rossintelligence.com) que é uma empresa que desenvolveu advogados “robôs” que já atuam em alguns escritórios de advocacia nos Estados Unidos, sendo que parte de uma tecnologia similar também existe no Brasil[4]. O advogado “robô” da Ross é capaz de compreender a linguagem natural das pessoas em questões jurídicas e responder instantaneamente de modo fundamentado.

A inteligência artificial, portanto, é uma realidade que já está afetando a sociedade e a área jurídica para a qual são formados os estudantes de Direito, sendo propugnada a ideia de que os computadores substituirão os seres humanos nas atividades profissionais e reduzirão as oportunidades de emprego.

Certamente mudanças importantes ocorrerão, todavia isso não é uma novidade. A evolução tecnológica vem ao longo dos tempos fazendo com que determinadas profissões sejam extintas. Há menos de 30 anos, era comum existirem digitadores, operadores de telefonia, ascensoristas em elevadores e diversas outras categorias de profissionais que hoje praticamente não existem mais. Em escritórios de advocacia, existiam muitas datilógrafas e muitos datilógrafos, por exemplo.

Por outro lado, uma quantidade infindável de outras atividades surgiram ou transformaram-se. Para este horizonte deve o estudante de Direito direcionar sua atenção, ou seja, nas oportunidades que virão com a evolução.

Não deve haver espaço para o temor, uma vez que o ser humano tem sempre a capacidade de usar o binómio adapte-adote. Adaptar-se à nova realidade e adotar as novas ferramentas.

Nesses tempos de grandes transformações, sobretudo na atuação jurídica, além de estudar as matérias tradicionais do Direito, sem as quais um profissional dessa área não terá condições de ser completo, eficiente e competente, o estudante deve começar, desde a faculdade, a se preparar para o novo mercado de trabalho, sobretudo se tem ele a intenção de atuar em escritórios de advocacia ou departamentos jurídicos de empresas.

O estudante deve ler quem escreve sobre as tendências e inovações na área jurídica com a aplicação da tecnologia. Quanto mais ler e acompanhar o assunto, mais apto estará para identificar e usar suas habilidades em consonância com as novas ferramentas e estruturas da computação aplicada ao Direito.

Participar de eventos, seja presencialmente, seja pela internet, também constitui uma importante maneira de acompanhar as inovações e experiências bem sucedidas na área. Além disso, será possível conhecer pessoas que possam ajudar o futuro profissional da área jurídica a identificar oportunidades de aperfeiçoamento e até mesmo de trabalho.

O chamado networking, ou seja, a rede de contatos profissionais, deve ser construída desde a faculdade pelo estudante. Isso pode ser feito por meio da troca de experiências e contato com colegas de faculdade, predisposição para interagir com pessoas em eventos, congressos e seminários, assim como fóruns específicos na internet e em redes sociais. Conhecer pessoas é sempre valioso e o estudante pode procurar quem lhe inspire e possa transmitir uma experiência ética e de sucesso.

Nessa interação e participação, o estudante pode analisar, ainda, os comportamentos, os interesses, os conhecimentos e as necessidades, tanto de futuros possíveis clientes, quanto de possíveis empregadores.

Com isso, terá mais condições de encontrar um caminho que esteja de acordo com seus interesses pessoais e, desde cedo, identificar o que agregaria mais valor a si mesmo como profissional e que pudesse ser um diferencial para futuros clientes, empregadores ou parceiros.

A utilização de ferramentas tecnológicas também é uma forma muito efetiva de adquirir conhecimento e preparação para atuar na nova realidade que se avizinha. Na realização de estágios na área jurídica, sobretudo em escritórios de advocacia ou departamentos jurídicos de empresas, na grande maioria das vezes, o estudante tem a possibilidade de ter contato com sistemas e ferramentas que constantemente são atualizadas e aperfeiçoadas.

Mesmo que o estudante faça um estágio cujo foco não seja lidar com os sistemas da empresa ou do escritório, desde que demonstre interesse, geralmente lhe é permitido conhecer as ferramentas e auxiliar as pessoas que trabalham com softwares jurídicos.

A experiência prática é, sem dúvida, uma das principais formas de se adquirir conhecimento.

Nessa linha, o estudante pode voluntariar-se em projetos e grupos de estudo de novas tecnologias, tanto no ambiente de estágio (ou trabalho para aqueles que já trabalham), quanto na faculdade. Quanto mais estiver envolvido e aprendendo sobre o tema, mais terá condições de enxergar ou até mesmo criar oportunidades para sua futura carreira.

Para tanto, é importante fazer uso da criatividade. Em um momento de constantes mudanças e grande evolução, o espaço para novas ideias é ampliado e um estudante, futuro profissional do Direito, com vivência na prática jurídica e foco na tecnologia, que lê sobre o tema e participa de eventos e frentes destinadas a discutir o tema tem boas condições de ser criativo e inovador.

A capacidade de criação e inovação do futuro profissional do Direito provavelmente permanecerá sendo um diferencial, sobretudo em um ambiente no qual teremos (e já temos) “robôs” fazendo funções com caráter humano.

Assim, em vez de temer um futuro no qual os sistemas computadorizados com capacidade cognitiva acabem com as oportunidades de trabalho para o futuro profissional da área jurídica, o estudante tem, em especial, a oportunidade de se preparar para essa realidade, estar à frente dessa tendência e construir o futuro com oportunidades para si mesmo e também fazendo uso da tecnologia em prol da sociedade.

Trata-se de uma escolha. O estudante, futuro profissional, pode assumir uma postura passiva e assistir a transformação sem agir proativamente para construir seu próprio futuro, de tal modo que, possivelmente, isso o levará a ser uma vítima dessa realidade ou pode, por outro lado, assumir uma postura de protagonista, lendo, participando, interagindo, usando a tecnologia e sendo criativo para pavimentar a própria estrada profissional, de tal modo que esteja posicionado à frente dessa nova era, na qual a inteligência artificial poderá ser um obstáculo ou uma alavanca para o seu sucesso.

Autores

  • Brave

    é gerente jurídico sênior de contencioso no Mercado Livre, mestrando em Direito pela Escola Paulista de Direito (EPD) na área de concentração Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais.

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