Enriquecimento do devedor

STF deve reconhecer direito a juros em pensão para anistiados políticos, diz entidade

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14 de setembro de 2017, 17h46

Quando fixou a tese de que a União é obrigada a pagar indenização a anistiados políticos até um ano depois da publicação da portaria que reconhece o direito, o Supremo Tribunal Federal não falou nada sobre a incidência de correção monetária e juros de mora. Essa “brecha” foi usada pelo governo federal para pagar apenas o valor principal reconhecido pela Comissão de Anistia, abstendo-se de pagar as verbas destinadas a recompor a passagem do tempo.

É o que a afirma a Associação Brasileira de Anistiados Políticos (Abap) em embargos de declaração opostos contra o acórdão do recurso, julgado em novembro de 2016. De acordo com a entidade, amicus curieae no processo, os juros e correções foram reconhecidos pelo Superior Tribunal de Justiça na decisão que foi mantida pelo STF no julgamento de novembro. O acórdão foi publicado no dia 31 de agosto e os embargos foram apresentados no dia 6 de setembro. O mesmo pedido foi feito pelo anistiado, em seus próprios embargos de declaração.

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Se portaria do governo federal reconhece direito a pensão e União não paga, "o que se tem é uma obrigação de fazer que está sendo descumprida", afirmou Toffoli, em seu voto.
Fellipe Sampaio/SCO/STF

O recurso foi julgado no dia 23 de novembro. Por unanimidade, o Plenário decidiu que o não pagamento da indenização a pessoa reconhecida como anistiada pelo Ministério da Justiça “caracteriza omissão ilegal e violação de direito líquido e certo”. O tribunal também entendeu que essas quantias não se encaixam no regime de precatório, já que o direito ao recebimento é reconhecido administrativamente pela União, e não decorre de decisão judicial

Venceu o voto do ministro Dias Toffoli, relator, que registrou na ementa: “O direito líquido e certo do impetrante já foi reconhecido pela portaria específica que declarou sua condição de anistiado, sendo, então, fixado valor que lhe era devido, de cunho indenizatório. O que se tem, na espécie, é uma obrigação de fazer por parte da União que está sendo descumprida”.

Foi fixada a tese de que, reconhecido o direito à anistia política, a União tem obrigação de pagar, sem incluir o valor na lista de precatórios. Se houver dotação orçamentária, o pagamento deve ser imediato. Se não houver, o dinheiro deve ser previsto no Projeto de Lei Orçamentária do ano seguinte ao da publicação da portaria do reconhecimento do direito.

Segundo a Abap, a falta de menção ao pagamento de juros e correção foi uma “obscuridade” importante. A entidade afirma que a ata de julgamento foi publicada no mesmo dia da decisão, e desde então o Supremo vem aplicando o precedente, sempre reconhecendo o direito a juros e correção. Mas a União usou dessa omissão para pagar apenas o valor principal, afirma a Abap.

Para a entidade, a prática significa enriquecimento ilícito da União, conforme diz o 884 do Código Civil. A jurisprudência do STJ, diz a Abap, entende que o não pagamento de juros e correção resulta em enriquecimento ilícito do devedor. “Tendo em vista que a portaria de anistia foi publicada em janeiro de 2004, a inflação acumulada no período representa um decréscimo substancial do valor original que, há mais de uma década, era devido ao anistiado. Portanto, a atualização monetária e os juros de mora apenas evitam o enriquecimento ilícito da União às custas do empobrecimento do anistiado”, afirma a entidade.

O advogado Saul Tourinho Leal, do Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia, vê o aperfeiçoamento da redação da tese é algo natural. “Com o Código de Processo Civil, o Supremo se vê diante do desafio de firmar teses que, em poucas linhas, retratem julgamentos complexos. É natural que as partes afetadas usem os embargos para um refinamento que protege o próprio precedente do tribunal. Muitas vezes é uma explicitação sutil, mas relevante, e que evita a futura judicialização da questão”, analisa.

Clique aqui para ler os embargos de declaração da Abap
RE 553.710

Leia a ementa do acórdão do recurso, com repercussão geral reconhecida: 

Direito Constitucional e Administrativo. Mandado de segurança. Anistiado político. Pagamento retroativo de prestação mensal concedida. Norma que torna vinculante requisição ou decisão administrativa de órgão competente que determina o pagamento pela União. Dívida da Fazenda Pública que não foi reconhecida por decisão do Poder Judiciário. Afastamento do regime do art. 100 da Constituição Federal. Obrigação de fazer que está sendo descumprida. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário a que se nega provimento. Tese fixada.

1. Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 167, II, e 169, § 1º, I e II, da Constituição Federal, a possibilidade, ou não, de se determinar o pagamento imediato, em sede de mandado de segurança, de valores retroativos devidos a título de reparação econômica a anistiados políticos, assim declarados com base em portaria expedida pelo Ministro de Estado da Justiça, com fundamento no art. 8º, caput, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e na lei. 

2. Declarado anistiado político por portaria do Ministro de Estado da Justiça, a falta de cumprimento da determinação de providências por parte da União, por intermédio do Ministério competente, no prazo previsto no parágrafo único do art. 18 da Lei nº 10.599/2002 caracteriza omissão ilegal e violação de direito líquido e certo. 

3. O art. 12, § 4º, da Lei nº 10.559/2002 tornou vinculante a decisão administrativa ao estabelecer que “as requisições e decisões proferidas pelo Ministro de Estado da Justiça nos processos de anistia política serão obrigatoriamente cumpridas no prazo de sessenta dias, por todos os órgãos da Administração Pública e quaisquer outra entidades a que estejam dirigidas”. A ressalva inserida na última parte desse parágrafo não serve para tornar sem eficácia a primeira parte do enunciado normativo. A obrigação existe, inclusive houve na espécie a inclusão no orçamento das despesas decorrentes da decisão administrativa vinculante. 

4. Não há que se aplicar o regime jurídico do art. 100 da Constituição Federal se a Administração Pública reconhece, administrativamente, que o anistiado possui direito ao valor decorrente da concessão da anistia. A dívida da Fazenda Pública não foi reconhecida por meio de uma decisão do Poder Judiciário. A discussão cinge-se, na verdade, ao momento do pagamento. O direito líquido e certo do impetrante já foi reconhecido pela portaria específica que declarou sua condição de anistiado, sendo, então, fixado valor que lhe era devido, de cunho indenizatório. O que se tem, na espécie, é uma obrigação de fazer por parte da União que está sendo descumprida. Fundamentos na doutrina e nos julgados da Suprema Corte.

5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. 

6. Fixada a seguinte tese de repercussão geral, dividida em três pontos:

i) Reconhecido o direito à anistia política, a falta de cumprimento de requisição ou determinação de providências por parte da União, por intermédio do órgão competente, no prazo previsto nos arts. 12, § 4º, e 18, caput e parágrafo único, da Lei nº 10.599/02, caracteriza ilegalidade e violação de direito líquido e certo. 
ii) Havendo rubricas no orçamento destinadas ao pagamento das indenizações devidas aos anistiados políticos e não demonstrada a ausência de disponibilidade de caixa, a União há de promover o pagamento do valor ao anistiado no prazo de 60 dias. 
iii) Na ausência ou na insuficiência de disponibilidade orçamentária no exercício em curso, cumpre à União promover sua previsão no projeto de lei orçamentária imediatamente seguinte.

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