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Negada extradição de vietnamita por crime inexistente no Brasil

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13 de setembro de 2017, 14h32

Para que uma extradição seja autorizada, é preciso que a conduta da qual o réu é acusado seja crime nos dois ordenamentos jurídicos — requisito da dupla tipicidade. Sem isso, a extradição deve ser negada.

Assim, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal negou pedido de extradição de um cidadão vietnamita, acusado de apropriação criminosa de empréstimos em seu país, enquanto atuava como diretor de empresa do ramo imobiliário, entre 2006 e 2007. Para a 2ª Turma do STF, não há elementos para enquadrar a conduta como crime na legislação brasileira.

O extraditando foi enquadrado no Vietnã no crime de “abuso de confiança para apropriação de propriedade”, previsto no artigo 140 do Código Penal do país. Segundo o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, no julgamento da extradição, não há indícios de que a conduta se enquadre nos tipos mais próximos na legislação brasileira, a apropriação indébita (artigo 168 do Código Penal brasileiro) ou o estelionato (artigo 171). Assim, para o ministro, não ficou configurado no caso o requisito da dupla tipicidade.

“A descrição feita pelo Estado requerente não aponta elementos suficientes para enquadramento do caso como estelionato. Não há notícias de que o extraditando tenha induzido ou mantido as pessoas que fizeram o empréstimo em erro por meio de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”, afirmou.

Quanto ao crime de apropriação indébita, o ministro entende que para haver enquadramento, a não devolução precisa ser deliberada, não decorrendo da inexistência de recursos para tanto. No caso concreto, não há elementos indicando que o extraditando dispunha de recursos para fazer o pagamento e recusou-se a fazê-lo.

O ministro considerou ainda que não ficou demonstrada a intenção de apropriação dos recursos desde o momento inicial dos negócios. Pelo contrário, a narrativa dá conta de devolução parcial dos empréstimos dos mutuários e pagamento de juros.

A versão da defesa é de que os empréstimos eram dedicados a empreendimentos imobiliários e que as obras civis não foram concluídas por problemas meteorológicos e por alterações nas condições do mercado local. Para o ministro, trata-se de prejuízo resultante da própria natureza do negócio. “A não devolução está dentro do risco inerente ao mútuo”, afirmou.

Sistema de Justiça criminal
Ao acompanhar o relator, o ministro Celso de Mello citou adicionalmente outro fundamento trazido pela Defensoria Pública da União, segundo o qual a República Socialista do Vietnã é um Estado de partido único que seleciona seus juízes e está sujeito a controle rígido por parte das autoridades partidárias.

O fato é demonstrado por manifestações de organismos internacionais, como o Human Rights Watch, indicando um déficit de respeito aos direitos humanos e exercício de liberdades fundamentais no país. “O sistema de Justiça criminal não dispõe da suficiente e necessária independência funcional para atuar”, afirmou o decano.

Para sustentar a posição, citou também precedente do STF, de sua relatoria, que negou extradição requerida pela China por entender se tratar de estado totalitário, no qual inexiste relação paridade de armas entre Ministério Público e defesa. O sistema judicial chinês admite até a aplicação retroativa de lei mais grave, mesmo para impor pena de morte, lembrou o ministro. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Ext 1.504

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