Tratamento adequado

Ministro liberta Rafael Braga e aponta "quadro grotesco de violações a direitos"

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13 de setembro de 2017, 20h39

Diante do “quadro grotesco de violações” a direitos e da falta de condições adequadas para cuidar de detentos doentes, é obrigatório permitir que um preso com tuberculose saia da unidade prisional para tratamento. Assim entendeu o ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, ao determinar que o catador de materiais recicláveis Rafael Braga vá para prisão domiciliar.

O homem ficou conhecido por ter sido o único condenado (4 anos e 8 meses de prisão) por atos praticados durante as manifestações de junho de 2013. Na época, ele foi detido no Rio de Janeiro com uma garrafa do produto de limpeza Pinho Sol e outra de água sanitária — que, segundo a acusação, poderiam ser utilizados para agredir policiais em coquetéis molotov.

Reprodução
Rafael Braga foi condenado a 11 anos e 3 meses de prisão por portar 0,6 g
de maconha e 9,3 g de cocaína.

Solto em 2015, voltou a ir para trás das grades em janeiro de 2016, acusado de portar 0,6 g de maconha e 9,3 g de cocaína. A denúncia por tráfico de drogas acabou rendendo pena de 11 anos e 3 meses de prisão. Enquanto o julgamento aguarda recurso, a defesa alega que ele contraiu tuberculose depois de passar um ano reclamando de tosse, sem atendimento médico.

O ministro disse que a doença foi comprovada e que o réu vive situação “extremamente precária” na Penitenciária Alfredo Tranjan, dentro do Complexo Penitenciário de Bangu. Ele afirma que, segundo a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, o local registrou 350% de sua capacidade em fevereiro deste ano, tem sujeira “expressiva” (com ratos, baratas, lacraias e mosquitos) e não conta com simples medicamentos.

A superlotação, as péssimas condições de higiene e a falta de profissionais especializados podem propagar a tuberculose, afirmou Cruz, já que é geralmente transmitida por via aérea. Embora a jurisprudência do STJ seja contra a concessão de liminar em HC quando o pedido ainda não foi julgado por tribunal inferior, em órgão colegiado, o relator viu “coação ilegal” suficiente para afastar a regra.

“O quadro grotesco de violações aos direitos e às garantias fundamentais alcança distinto patamar em hipóteses que, como a de Rafael Braga Vieira, tratam de indivíduos que satisfazem o perfil corriqueiro dos encarcerados no país: negros, jovens, de baixa renda e escolaridade”, escreveu o ministro.

“Indivíduos que, além do encarceramento em massa que cotidianamente desafia a batalha histórica contra o preconceito no País, enfrentam insalubres condições de sobrevivência.” Ele também citou acórdão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro. A decisão vale durante o tratamento.

Sistema patológico
Em agosto, durante o 23º Seminário Internacional de Ciências Criminais, Schietti declarou preocupação com um regime que “contradiz sua função”, descumpre a “duração razoável da prisão preventiva” e tornou o garantismo pleno uma “utopia”. “Eu me sinto envergonhado de votar, muitas vezes, contra a concessão de Habeas Corpus”, afirmou no evento.

Flagrante forjado
Segundo o advogado de Braga, Lucas Sada, integrante do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH), o catador foi vítima de flagrante forjado, e a sentença que o condenou por tráfico se baseou unicamente na palavra dos policiais — o que não é novidade em processos por tráfico de drogas, como já mostrou reportagem da ConJur.

Clique aqui para ler a decisão.
HC 415.508

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