Tribuna da Defensoria

Resistência jurídica e atuação/litigância estratégica contra o retrocesso

Autor

  • Patrícia Kettermann

    é defensora pública no Rio Grande do Sul ex-presidente da Associação dos Defensores Públicos do Rio Grande do Sul (Adpergs) e da Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) e autora do livro "Defensoria Pública" da Coleção Para Entender Direito.

12 de setembro de 2017, 10h55

A crise política demanda reflexões mais complexas sobre o cenário macro que a todos envolve e, inexoravelmente, sobre o papel de cada um de nós, agentes jurídicos, como críticos/transformadores ou meros colaboradores/mantenedores do status quo violador de Direitos Humanos.

O sistema de Justiça não tem estado à altura das ágeis e multifacetadas respostas que os novos tempos demandam e os reflexos são mais fortemente sentidos pelos primeiros atingidos pelos retrocessos: as pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade.

São “os invisíveis”, que deveriam mobilizar o sistema a apresentar novas e efetivas soluções e que, paradoxalmente, têm recebido dele ainda maior e mais profunda exclusão.

Em um país onde 83% da população percebe renda mensal de até três salários-mínimos (números que hoje devem ser ainda mais avassaladores, porque estes são dados "antigos" do IBGE), o sistema de Justiça deve estar preparado para ser, inclusive, continente (no sentido psicanalítico) com relação às demandas que no geral, têm envolvido violações drásticas ao mínimo existencial.

Sim, já chegamos neste ponto.

A "linha de frente" da Defensoria Pública se depara diariamente com inacreditáveis, repetidas e cruéis situações de proposital e calculada exclusão socioeconômica impingida por quem deveria desenvolver e executar políticas públicas inclusivas e compensatórias (não-violatórias).

A cidade exclui. O estado exclui. O país exclui.

As pessoas excluem.

"A pedagogia do neoliberalismo sem piedade (…) nos tornou todos concorrentes e inimigos uns dos outros…", como já disse o jurista português Paulo Ferreira da Cunha[1].

Mesmo diante de bases legislativas nacionais e internacionais que proíbem o retrocesso, ele se instala rápida e violentamente — muitas vezes diante dos olhos perplexos e incrédulos daqueles que não deveriam estar apenas “observando”, mas sobretudo agindo.

Ser continente aqui, envolve autocrítica, responsabilidade para com os destinatários dos nossos serviços (mais ainda para os que prestam serviços públicos — expressão repleta de sentido) e capacidade de atuação estratégica — em quaisquer dos espaços de fala do sistema.

Estamos diante de um seríssimo desafio: desenvolver e consolidar um sistema de Justiça garantidor, que efetivamente responda aos retrocessos impostos pelas ideologias políticas excludentes em execução.

Aos que postulam, cabe a profunda responsabilidade de, diante de uma situação de violação iminente ou já concretizada, poder avaliar e oferecer respostas estratégicas que levem em conta (inclusive multidisciplinarmente) a complexidade do cenário e o quanto ele influencia na maior ou menor violação aos Direitos Humanos, sobretudo de pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade.

Aos julgadores, cabe garanti-los com coragem percebendo criticamente que a sociedade deles espera proteção e não a cristalização das diárias e profundas violações às quais está submetidas e contra as quais, por ônus funcional, devem lutar.

Déficit democrático também se combate com direito a voz/escuta qualificada, no mais amplo sentido das expressões.


Autores

  • Brave

    é defensora pública no Rio Grande do Sul, ex-presidente da Associação dos Defensores Públicos do Rio Grande do Sul (Adpergs) e da Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) e autora do livro "Defensoria Pública", da Coleção Para Entender Direito

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!