MP no Debate

Julgamento do Código Florestal deve viabilizar produção e preservação

Autores

  • Andreia Mara de Oliveira

    é advogada mestre em Direito pela Unesp-Franca ex-conselheira do Núcleo Docente Estruturante da FESL ex-professora de Direito na FESL Unip e Fafram ex-conferencista na Unesp participante do Summer Program in North American Law in University of Florida — Fredric G. Levin College of Law (EUA) do Postgrado em Derecho Politica y Criminologia na Universidad de Salamanca (Espanha) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça (PI-Cade) e da Gestão do Meio Ambiente da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

  • Ivan Carneiro Castanheiro

    é promotor de Justiça do MP-SP mestre em Direito pela PUC-SP membro do Ministério Público Democrático (MPD) professor convidado da Escola Superior do Ministério Público (ESMP-SP) professor da Unip (Campus Limeira/SP e Nacional EAD) consultor do Projeto "Conexão Água" do Ministério Público Federal (MPF) coordenador do 17º Núcleo Regional (Piracicaba) da Escola Superior do Ministério Público membro do Comitê Temático do Meio Ambiente (Grupo de Trabalho de Enfrentamento à pandemia do COVID — MP-SP — PGJ) e vice-diretor da Associação Brasileira dos membros do Ministério Público (Abrampa) — Região Sudeste. Autor dos seguintes capítulos de livro: "Direito Urbanístico e Direito à Moradia" e "Regularização fundiária: fundamentos aspectos práticos e propostas".

11 de setembro de 2017, 15h11

A Procuradoria-Geral da República ajuizou, em 21 de janeiro de 2013, três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 4.901, 4.902 e 4.903) contra dispositivos do denominado Código Florestal (Lei nº 12.651/12), que alterou o marco regulatório da proteção da flora e da vegetação nativa no Brasil. A menciona lei entrou em vigor em 28/05/12, tendo sido alterada por meio da Medida Provisória nº 571, a qual foi convertida na Lei nº 12.727, em 17/10/12.

Dentre os dispositivos questionados, estão aqueles que alteram as formas de aferição das métricas das áreas de preservação permanente (APPs), redução das APPs de reservatórios, redução da reserva legal (RL) ao incluir o cômputo da APP na RL, plantio de até 50% de espécies exóticas na RL, anistia para quem promove degradação ambiental. Sequencialmente, o Psol também ajuizou, em 4 de abril de 2013, uma ADI que foi autuada sob 4.937/DF, questionando também a regulação da Cota de Reserva Ambiental (CRA).

A favor desse novo arcabouço jurídico ambiental, em 7 de abril de 2016, o Partido Progressista ajuizou Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) que foi autuada sob 42.

Nas ADIs, a PGR pediu a suspensão da eficácia dos dispositivos questionados até o julgamento do mérito da questão, mas nenhum pedido liminar foi analisado. Isto porque o ministro Luiz Fux, relator das quatro ADIs e da ADC, adotou o rito abreviado previsto no artigo 12 da Lei 9.868/1999, pelo qual o plenário do STF irá analisar a questão de forma definitiva, sem prévia análise do pedido de liminar. Tal julgamento está na pauta para ser julgado no próximo 13 de setembro.

Uma das questões centrais é computar a APP dentro do percentual da RL de cada propriedade. A RL é legalmente conceituada como área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, com a função de: assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural; auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa. A área de preservação permanente é definida como uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de: preservar os recursos hídricos; a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade; facilitar o fluxo gênico de fauna e flora; proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Como se percebe pelas próprias conceituações legais, APP e RL possuem funções ambientais distintas, razões pelas quais se sustenta a inconstitucionalidade do cômputo conjunto, posição que é controvertida na jurisprudência. Isso ocorre por razões de ordem econômica, ou seja, busca-se com o cômputo da APP na RL o melhor aproveitamento da propriedade. Por essa mesma razão, o novo código estabelece métricas menores de APP para as pequenas propriedades se comparadas às médias e grandes.

Na ocasião dos julgamentos (ADIs e ADC) quanto à questionamentos constitucionais, será inevitável que se discuta o denominado princípio da proibição do retrocesso em matéria de proteção ambiental. Este, para alguns, estaria implícito no artigo 225, § 1º, III, que somente prevê alteração ou supressão de área ambiental especialmente protegida por meio de lei e, desde que, não haja comprometimento da integralidade dos atributos que justifiquem sua proteção.

A tese da proibição do retrocesso ambiental conta com apoio da doutrina, com precedente na liminar concedida no âmbito da ADI 5.447/DF, versando sobre eliminação do período de proibição de pesca (“defeso”), previsto na Portaria Interministerial 192, dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Ainda possui larga aceitação no STJ (REsp 1.060.753/SP, REsp 883.656/RS, REsp 1.049.822/RS, REsp 1.330.027/SP e REsp 972.902/RS). Em sentido contrário, pela aplicação de dispositivos do novo Código Florestal há posicionamentos do TJ-SP (Apelação Cível 0001820-50.2015.8.26.0480 – 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente), do TRF-4 (Apelação Cível 5005416-29.2012.4.04.7004/PR) e do TRF-1, o qual sumulou entendimento por meio de Incidente de Uniformização de Jurisprudência pela aplicação do artigo 62 da nova lei florestal (Súmula 56).

O julgamento do STF será histórico e um marco na legislação ambiental do país. Como bem anota o ministro relator Luiz Fux, ao se referir à necessidade de julgamento da (in)constitucionalidade da Lei 12.651/2012 em definitivo pelo plenário há “reconhecida relevância, cujo desfecho envolve especial significado para a segurança jurídica dos limites legais para o desenvolvimento sustentável e produtivo de atividades típicas do legítimo exercício do direito de propriedade e da livre iniciativa” [1]. Até porque têm se multiplicado as controvérsias sobre a aplicabilidade do Novo Código Florestal, no âmbito administrativo e judicial, em diversas instâncias, com tendência crescente de proliferação desses questionamentos, gerando instabilidades de toda sorte.

Esse contexto de insegurança jurídica tem impedido celebrações de novos Termos de Compromissos de Ajustamento de Condutas (TACs) do Ministério Público com proprietários rurais, bem como gerado ações judiciais visando desconstituir acordos homologados e sentenças judiciais transitadas em julgado, com inevitável caos no campo e perplexidades no meio jurídico. Essas circunstâncias deletérias para a preservação ambiental e para a atividade econômica precisam ser urgentemente encerradas.

Nas decisões a serem proferidas pelo STF, caso haja procedência, parcial ou total, das ADIs 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937, que ocasionará a correspondente improcedência, parcial ou total, da ADC 42, em qualquer caso, haverá efeito vinculante aos órgãos administrativos e judiciais (artigo 102, § 2º da CF).

Outra questão que poderá ensejar intensos debates é a modulação dos efeitos das decisões. Por questões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, dever-se-á: a) ser definido sobre a retroatividade de eventuais declarações de inconstitucionalidades, ao momento da entrada em vigor da novel legislação florestal (28/05/12); b) se serão mantidas as regularizações ambientais com base nos dispositivos invalidados; c) se será permitida a regularização ambiental em curso perante os órgãos ambientais; d) estabelecimento de outro marco temporal (art. 27, da Lei 9.868/99).

Em suma, o meio jurídico e a sociedade esperam dos ministros do STF que, uma vez mais, cumpram com o importante papel de, urgentemente, realizarem o julgamento definitivo dos 23 artigos questionados quanto à constitucionalidade do Código Florestal, de maneira a dar efetivo cumprimento aos artigos, 5º, XXIII; 170; 182, § 2º; 186, I, II e IV e 225 da Constituição Federal.

Com esse julgamento, espera-se que se dê efetividade à compatibilização das necessidades e realidades sociais com a função social da propriedade e dos meios de produção, conciliando atividade econômica, de lazer, cultural (questão indígena), preservação e conservação do meio ambiente, de maneira a torná-lo ecologicamente equilibrado. Isto é, viabilizar processos produtivos e ecológicos essenciais, com manutenção da biodiversidade e de áreas a serem especialmente protegidas, pois tais requisitos são indispensáveis à efetivação constitucional de direitos sociais, econômicos e de sadia qualidade de vida, visando a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana.

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