Política central

"Brasil precisa definir medidas além da internação para jovens infratores"

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10 de setembro de 2017, 7h30

Spacca
No gabinete do novo presidente da Fundação Casa, Márcio Elias Rosa, um quadro na parede diz que a instituição alterou de vez os alicerces da antiga Febem. “Era outro modelo, baseado no aprisionamento (…) A área da segurança é essencial para o funcionamento da Casa, mas a energia interna deve ser da pedagogia”, afirma o também secretário estadual da Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo, que acumula as duas funções desde julho.

Rosa diz que, sem grandes rebeliões nos últimos anos, o objetivo agora é olhar além das grades e definir uma política nacional sobre medidas socioeducativas em meio aberto, como advertência, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida, quando as infrações forem menos graves. O problema, avalia, é não existir controle sobre atividades que deveriam ser coordenadas por municípios.

“Talvez o legislador não tenha sido muito feliz quando definiu a municipalização sem um órgão central”, diz o presidente. Desde que assumiu, a fundação passou a enviar ofícios para prefeituras sugerindo ações para sistematizar dados, adotar medidas eficientes de acompanhamento e definir como tratar adolescentes que deixam as unidades. Hoje, os dados são inexistentes, fragmentados entre instituições ou pouco confiáveis.

Ele reconhece o receio de que o “corpo social” veja medidas alternativas como sinônimos de impunidade. “É preciso deixar claro para todo mundo que a violação da lei penal deve encontrar uma resposta adequada do Estado para cada situação.” Elias Rosa critica “discursos de ocasião” sobre a redução da maioridade penal, porém diz ser necessário discutir mudanças quando há anseio da sociedade.

O presidente da fundação declara ainda que apenas a minoria dos internos é muito violenta e capaz de matar — dos 9,2 mil jovens que estavam ali até 1º de setembro, 3,9 mil (43%) respondiam por tráfico de drogas e 3,7 mil (40%) por roubo qualificado. Homicídio qualificado levou 98 adolescentes para as unidades, enquanto latrocínio foi imputado a 76 internos. Somados, não chegam a 2% do total de internos. 

Márcio Elias Rosa integrou o Ministério Público durante 30 anos (1986-2016), comandou a instituição como procurador-geral de Justiça até abril do ano passado e logo depois assumiu a pasta da Justiça. Hoje, divide o tempo entre as sedes da secretaria e da Fundação Casa — um trajeto com distância aproximada de dois quilômetros, no centro de São Paulo — e visitas a unidades de jovens e assentamentos pelo estado.

É ainda professor da Escola Superior do MP-SP e professor emérito da Faculdade Presbiteriana Mackenzie, autor de livros, bacharel pela Faculdade de Direito de Bauru e mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP.

Leia a entrevista:

ConJur – O senhor é o sucessor de uma gestão que durou 12 anos [presidência da procuradora Berenice Giannella], com redução de taxas de reincidência e, ao mesmo tempo, episódios de fuga ao longo do período. Como resolver esse tipo de problema?
Márcio Elias Rosa –
Ao longo desses 12 anos não tivemos grandes rebeliões, conturbações, mas sempre tivemos episódios de fuga e de pequenos levantes. A tentativa de fuga é da natureza humana, e o ambiente cria situações propícias para isso. O que nós temos que fazer é aprimorar sempre os mecanismos de segurança interna e o relacionamento com os adolescentes, preservando obviamente a necessidade de cumprimento da medida, mas garantindo a estabilidade das unidades. Episódios mais recentes ganharam destaque, mas não são atípicos, pois ocorreram vários ao longo desses anos. Não houve aumento.

ConJur – Quais são suas prioridades?
Márcio Elias Rosa –
O Brasil tem a responsabilidade de definir claramente uma política de execução de medidas socioeducativas em meio aberto. Isso, segundo a legislação federal, é de responsabilidade dos municípios. A internação e a semiliberdade, que são responsabilidade do estado de São Paulo, o governo consegue executar. Temos quase 9.300 adolescentes nessa situação, mas existe todo um universo de adolescentes que devem cumprir medidas socioeducativas em meio aberto: advertência, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida. Como não há um controle único dessas práticas nos municípios, ninguém sabe exatamente qual é a política pública de sucesso ou exitosa nessa área.

Fonte: TJ-SP (jul.2017)
Medidas em meio aberto
Liberdade assistida  36.840
Prestação de serviços 11.050
Advertência 922

Nós temos boas experiências, como na região do ABC, com iniciativa que envolve o Ministério Público, o Poder Judiciário e a Defensoria Pública. Sabemos, porém, que poucos têm condição concreta de realizar seu papel. Qual o modelo ideal para municípios poderem de fato arcar com o custo? E que signifique para o adolescente, de fato, uma reeducação para a vida em sociedade? Essa é a grande responsabilidade.

Decidi provocar essa discussão. Nós oficiamos para todas as prefeituras de São Paulo, colocando a Fundação Casa à disposição para desenvolvermos juntos duas políticas públicas: uma para execução em meio aberto e a segunda para o chamado egresso, o adolescente que já cumpriu a medida de internação ou de semiliberdade e volta para o município. Queremos saber para onde ele retorna, embora isso não seja responsabilidade da fundação. Todos os jovens na Fundação Casa frequentam o curso de educação regular formal, com professores da rede estadual e aulas de acordo com o ano letivo de cada um, e recebem tratamento médico e até psicológico. Quando eles saem, esse trabalho precisa ter continuidade.

ConJur – A Fundação Casa pretende estimular que cada prefeitura tenha setores e funcionários especializados nesse tipo de atendimento?
Márcio Elias Rosa –
Não é necessário, podemos aproveitar a rede que já existe, como o Centro de Referência em Assistência Social (Cras).

ConJur – Então esse trabalho não exige necessariamente custo extra?
Márcio Elias Rosa –
Não. O Brasil não está em condições de criar nada. Temos que usar a estrutura e a rede que já existe, tanto de assistência social como de atenção médica, de atenção à saúde, e inserir o adolescente nesse processo.

ConJur – Também é papel dos juízes paulistas adotar mais meios alternativos, como advertência e ordem de prestação de serviços? Talvez muitos decretem internações sem identificar que há um leque aberto de outras opções…
Márcio Elias Rosa –
Está mesmo aberto o leque? Francamente, não sei. Talvez o legislador não tenha sido muito feliz quando definiu a municipalização sem um órgão central, responsável pela coordenação dos trabalhos. A municipalização é fundamental para todas as medidas e até para a internação, porque é um modo de preservar o vínculo social e familiar. No modelo ideal, seria menos custoso e mais exitoso. A experiência da Fundação Casa em São Paulo com internação e semiliberdade é, seguramente, a melhor sob todos os aspectos. Por isso defendo que seja replicada em todo território nacional, mas isso resolve só uma parte do problema que envolve medidas em meio fechado. E o restante? Só é internado aquele que comete ato com violência ou grave ameaça à pessoa, reitera a prática de atos graves ou descumpre medidas anteriormente aplicadas. Só nessas circunstâncias ele pode ser internado, no prazo de até três anos.

Do contrário, o juiz precisa ter alternativas à internação. Não falta sensibilidade para os juízes. O que nós precisamos é oferecer ao Poder Judiciário alternativas que não sejam um modo indireto de desrespeito à lei, porque o pior de tudo seria aplicar uma falácia: determinar que um jovem faça serviço à comunidade sem que a prestação realmente ocorra, por exemplo, ou fixar uma liberdade não assistida. Isso sinalizaria impunidade ao corpo social e, para o adolescente, a mensagem de que o crime compensa.

ConJur – O senhor tem o receio de que ampliar a liberdade assistida, por exemplo, seja visto pela opinião pública como impunidade ou risco à sociedade?
Márcio Elias Rosa – Sim, é preciso deixar claro para todo mundo que a violação da lei penal deve encontrar uma resposta adequada do Estado para cada situação. Nós temos que sinalizar isso o tempo todo.

ConJur – Na falta de uma instituição coordenadora das atividades além da internação, quem poderia assumir esse papel?
Márcio Elias Rosa –
Poderia ser o Ministério da Justiça ou uma secretaria de direitos humanos em órgão federal. Se quiserem confiar auxílio do governo do estado de São Paulo, ele dá conta também.

ConJur – Há como saber hoje para onde vai o jovem que sai da Fundação Casa?
Márcio Elias Rosa –
Estou propondo três iniciativas. A primeira é esta com o acolhimento do egresso nos municípios. Também tenho conversado com Secretaria de Administração Penitenciária para saber quantos antigos internos entram lá, pois não temos esse dado hoje. O terceiro ponto é conseguir com o Poder Judiciário o cadastro dos atos infracionais em todo o estado. Atualmente, se o adolescente é surpreendido – por hipótese – dirigindo sem habilitação no interior do estado e recebe uma advertência, nós não tomamos conhecimento. Mesmo se ele já cumpriu uma medida de internação. É uma reincidência, mas nós não ficamos sabendo. Só temos conhecimento quando o adolescente já cumpriu internação e depois retorna por outro motivo. Precisamos de um banco de dados para produzir análises estatísticas. Também estudamos a criação do chamado Observatório da Violência para conseguir dados estatísticos: violência praticada contra funcionários por adolescente, por funcionário contra adolescente, entre os adolescentes. Assim, é possível identificar anormalidades e intervir.

ConJur – É frequente o número de funcionários suspeitos de violência contra internos, dentro da fundação?
Márcio Elias Rosa –
De 2006 até hoje, 1.002 funcionários foram exonerados. Nem todos por abuso ou maus tratos, mas uma parcela considerável.

ConJur – Se a Fundação Casa pratica um modelo exitoso, como o senhor afirma, podemos dizer que a Febem já acabou?
Márcio Elias Rosa –
Já acabou! Era outro modelo, baseado no aprisionamento. A rigor nem podemos condenar quem criou, pois a forma de intervenção fundamentava-se no Código de Menores de 1979, antes do ECA [Estatuto da Criança do Adolescente] e da Constituição Federal de 1988. É óbvio que a Fundação Casa trabalha com um viés da rigorosa aplicação da lei, do exercício permanente da autoridade, porém em um ambiente democrático. O ambiente democrático permite controle social pelo Judiciário e pela imprensa, participação política. Quem hoje acena para o autoritarismo na política quer ver revigorado ambientes como da Febem e do Carandiru. Esses eram sinais exteriores de outra época.

ConJur – Como o senhor analisa a situação atual das unidades?
Márcio Elias Rosa –
A estrutura material é muito boa e o corpo de pessoal é extremamente motivado e qualificado, de todas as áreas: segurança, pedagogia, saúde, a diretoria técnica. Vi iniciativas muito boas em algumas unidades. Como quero criar uma agenda de permanente qualificação dos nossos técnicos, estou visitando unidades para saber o que estou gerindo e para que eles saibam que podem apresentar sugestões. O trabalho da Fundação Casa é muito sensível para o psicólogo, o assistente social, o pedagogo, o professor de educação física, o agente de segurança, o apoio socioeducativo. Então a gente precisa formar uma rede de diálogo permanente. A área da segurança é essencial para o funcionamento da Casa, mas a energia interna deve ser da pedagogia. A sociedade também precisa se apoderar da Fundação Casa.

ConJur – De que forma?
Márcio Elias Rosa –
Por organizações não governamentais, associações, clubes de serviço, Rotary Club, Lions Clubes, maçonaria, associações comerciais… Nossos jovens cometeram crimes, mas precisam receber educação formal e informal, acessar cultura e ter um conhecimento da sociedade mais próximo daquele que a sociedade deseja que eles tenham. O que leva o adolescente à Fundação Casa? O cometimento de crime. E o que leva um jovem a cometer crime com 14, 15, 16 anos? Sem ser especialista em criminologia, arrisco dizer que a presença de alguns fatores desestruturantes: a falta de acesso à educação, a falta de vínculos familiares, a falta de emprego e de renda. Tudo isso desestrutura o jovem para a convivência social. A ausência de outros vínculos faz com que ele estabeleça vínculos com a criminalidade.

Então, para cumprir a medida socioeducativa e voltar para a sociedade, é preciso que ele próprio tenha descoberto novos valores. Por isso que nós valorizamos a capacitação profissional, a iniciação musical e o programa de assistência religiosa, por exemplo. A Fundação Casa tem a missão de oferecer uma nova visão de mundo.

ConJur – Mas depende de parcerias?
Márcio Elias Rosa –
Depende da parceria, até porque não é razoável que o Estado faça isso sempre. O Estado não tem condição de fazer o programa de assistência religiosa… nem pode fazer isso, pois é dever das instituições religiosas. O Estado não deve fazer demonstração de cultura e de artes. Quem é que deve fazer? Movimentos sociais com essa temática. É importantíssimo que um professor ou pedagogo da Fundação Casa faça palestras motivacionais, mas o melhor é que venha alguém de fora, para criar outro vínculo. Por isso defendo um ambiente de relacionamento com a sociedade.

É preciso desmistificar alguns detalhes. Vou dar um dado importante: menos de 1%; 0,8% dos internos respondem por homicídio ou outros crimes contra a pessoa. O que nós temos na Fundação Casa, essencialmente, é roubo e tráfico de entorpecentes.

Fonte: Fundação Casa (set.2017)
Ato infracional Quantidade Percentual
Tráfico de drogas 3.995 43,11%
Roubo qualificado 3.713 40,06%
Roubo simples 386 4,16%
Descumprimento de medida judicial 170 1,83%
Furto qualificado 126 1,36%
Furto 106 1,14%
Homicídio qualificado 98 1,06%
Latrocínio 76 0,82%
Estupro 65 0,70%
Receptação 64 0,69%
Outros atos 469 5,07%
Total 9.268 100%

ConJur – No entanto, quando parlamentares defendem redução da maioridade penal, os delitos mais graves têm mais destaque, não?
Márcio Elias Rosa –
A imagem que a sociedade passa a ter é que na Fundação Casa existem adolescentes violentos e capazes de matar. Existem, sim, mas é a ínfima minoria. Hoje nós temos um sistema normativo tão enviesado e um olhar tão estrábico da realidade que adultos podem cumprir pena por tempo inferior ao adolescente que cumpre medida socioeducativa de internação [por delito semelhante]. Em caso de homicídio simples o adulto cumpre geralmente um ano, o adolescente pode ficar até três sem liberdade. No tráfico de drogas privilegiado, o adulto pode ficar preso um ano e cinco meses com a redução que o Supremo Tribunal Federal fixou; já o adolescente fica até três anos.

A questão da violência, do sistema penitenciário e da segurança pública acaba sempre por animar discursos de ocasião. Quanto mais contundente o discurso, mais choca e, quanto mais ele choca, maior a simpatia tem do corpo social. Precisamos respeitar isso.

ConJur – Esse discurso de ocasião segue a atual onda pela busca de mais punitivismo?
Márcio Elias Rosa –
Tenho um posicionamento antigo sobre isso, lá da época da faculdade, contrária à redução da maioridade penal – até porque considero a regra atual cláusula pétrea. Nossa Constituição permite tudo, menos o retrocesso. Além disso, o mundo já experimentou diversos modelos: fixação de idade penal com 14 anos, com 16, com 18, sistemas mistos, e ainda assim o mundo não consegue conviver com nenhum país sem homicídio, furto, roubo. Em maior ou menos intensidade, mas ocorre. Então mesmo nos países que fixam uma idade menor como naqueles em que a idade é superior, os índices de violência permanecem inalterados. Se a idade mínima for para 21 ou se cair para 14, não mudará índices de criminalidade, porque não é a idade que leva o sujeito a cometer um crime. A Rússia e outros países adotam um sistema que leva em conta a aplicação da lei mais rígida se o crime é hediondo ou se o autor é capaz de conhecer o caráter criminoso da conduta, a partir de certa idade.

Poderíamos discutir no Brasil uma norma intermediária entre o ECA e a Lei Penal para quem tem 16 anos e conhece a ilicitude da conduta, por exemplo. Talvez seja razoável para aplacar esse anseio da sociedade, porque ele também é legítimo. Não podemos ser insensíveis quanto aquilo que deseja o corpo social. A democracia não é o regime da maioria, ela é o respeito das minorias, mas a gente não pode ficar surdo diante daquilo que o povo deseja. Se há insatisfação com o modelo atual, temos que debater tudo o que é razoável. Mas, volto a dizer, não abono reduzir a maioridade penal.

ConJur – Em cenário de barreiras de orçamento, é uma das metas de sua gestão construir novas unidades da Fundação Casa?
Márcio Elias Rosa –
Não é o foco. Temos 145 unidades, vamos inaugurar mais uma ou duas no ano que vem, mas a prioridade não é essa.

ConJur – O senhor está acumulando a presidência da Fundação Casa com o comando da Secretaria da Justiça. Planeja ficar temporariamente ou não?
Márcio Elias Rosa –
Eu não planejo nada, o governador é quem decide. Estou à disposição pelo tempo que for necessário até que haja uma definição do nome.

ConJur – O governador sinalizou se o senhor continuará por muito tempo?
Márcio Elias Rosa –
Em termos de nomes, não. Em termos de gestão, de política, é seguir a diretriz histórica da fundação, otimizar recursos e garantir bons resultados na execução das medidas.

ConJur – Quais são as principais atividades como secretário da Justiça?
Márcio Elias Rosa –
Eu me apresento como apoiador do Ministério Público, do Judiciário e da Defensoria. Pela secretaria passa a nomeação de seus membros e a política de expansão de prédios forenses, por exemplo. Também somos responsáveis pelos 138 assentamentos criados pelo governo do estado. Estamos lançando dois: André Franco Montoro e Dom Paulo Evaristo Arns, em Marabá Paulista, para 300 famílias. Nós temos um programa de agricultura, de interesse social, o PPaes, e criamos o PPaes Leite. Encaminhamos proposta para a Assembleia Legislativa, em agosto, para criar o Fundo Estadual de Direitos Humanos e Cidadania. A ideia é recolher todas as multas aplicadas em processo administrativo por condutas de racismo, preconceito racial e diversidade sexual e aplicar o valor em campanhas nessa temática.

ConJur – Construir mais fóruns está entre os planos?
Márcio Elias Rosa –
Estamos na fase de otimizar espaços e recursos. Precisamos refazer os projetos todos. Porque aquele projeto arquitetônico dos anos 1970 e 1980 não existe mais nos tempos atuais, com processo eletrônico. Todo o sistema de Justiça trabalha com novos projetos e novas necessidades. O governo do estado tem projetos de construção conjugada: Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública.

ConJur – O Conselho Superior da Defensoria Pública definiu, em julho, que a ouvidoria-geral da instituição não será mais escolhida pelo Condepe [Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, que reúne organizações e é vinculado à secretaria]. Como o senhor avalia a mudança?
Márcio Elias Rosa –
Eu me abstenho de dar palpite porque trabalho com a interlocução de todos e, dentre as sugestões que surgiram, uma delas pretendia atribuir ao secretário da Justiça a escolha do ouvidor. Gosto do trabalho do Condepe, me relaciono muito bem com o conselho. Lamentei profundamente o que aconteceu com um dos conselheiros [acusado de colaborar com o PCC], porém não é justo que o Condepe pague esse preço. A pena tem que ser cumprida por aquele que cometeu crime, e o Condepe não cometeu nenhum.

ConJur – Quando integrava o MP, o senhor foi um dos primeiros a trabalhar na área da improbidade administrativa, nos primórdios dos anos 1990. A jurisprudência hoje está consolidada? Como distinguir dolo de meras irregularidades burocráticas?
Márcio Elias Rosa –
Hoje, ninguém mais pode ignorar que a administração pública exige muito zelo para com a moralidade. Não dá para improvisar. Aquele que se coloca como candidato a um mandato assume a responsabilidade objetiva de ser honesto. Não sou defensor da impunidade pelo erro ou pelo desconhecimento. A corrupção ou a improbidade tem um antecedente obrigatório que é a desonestidade. Então se ausente a má-fé, não há o que se falar em corrupção ou improbidade administrativa. Pode ser simplesmente uma baita ineficiência capaz de levar à responsabilidade política: ao impeachment, à cassação, à multa do Tribunal de Contas, a uma não reeleição.

Com toda essa espetacularização da moralidade, em boa hora, ninguém mais pode alegar desconhecimento de que a coisa pública exige um trato respeitoso e que na República não há espaço de irresponsabilidade política. Se você olhar de 1992 até hoje, melhorou muito. Até bem pouco tempo eu era autor e perdia as ações de nepotismo, por exemplo. Hoje existe súmula vinculante que proíbe a prática. Foram mais de 300 ADIs ajuizadas pela Procuradoria-Geral de Justiça, com índice de procedência superior a 90%. Estamos em boa hora. Estamos proclamando a República, finalmente!

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