Influências políticas

Decisões de casos politizados nos EUA são jogo de cartas marcadas

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9 de setembro de 2017, 8h32

Em outubro, quando a Suprema Corte inicia o ano judicial 2017/2018, os ministros vão julgar quatro decisões judiciais contrárias ao governo Trump.

O cenário é o seguinte: as quatro decisões foram tomadas por um tribunal de recursos considerado “liberal”, porque a maioria dos juízes foi nomeada por presidentes democratas; enquanto a Suprema Corte é considerada “conservadora”, porque a maioria dos ministros foi nomeada por presidentes republicanos. A trama não tem suspense: a Suprema Corte conservadora vai votar a favor do governo Trump.

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Suprema Corte norte-americana é considerada conservadora, porque a maioria dos ministros foi nomeada por presidentes republicanos.
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Para observadores externos, a Justiça nos EUA tem duas faces: uma que decide casos politizados e outra que decide casos não politizados. A Justiça que julga casos não politizados cria uma enorme expectativa, porque nunca se sabe como a maioria dos juízes vai interpretar a lei.

A Justiça que julga casos politizados não tem graça, porque as decisões são favas contadas: se o tribunal tem maioria de juízes liberais, vai ganhar a causa liberal/democrata; se tem maioria conservadora, vai ganhar a causa conservadora/republicana.

O jogo de cartas marcadas segue as próprias regras. Os advogados de causas liberais movem ações na primeira instância em fóruns considerados liberais, onde a probabilidade de uma decisão favorável é alta. Em caso de recurso, o processo será encaminhado a um tribunal de recursos considerado liberal. O inverso é verdadeiro: causas conservadoras seguem a rota dos tribunais conservadores.

Por exemplo: um dos processos se refere a uma disputa entre empregados, amados pelos liberais/democratas, e empregadores, amados pelos conservadores/republicanos. Em primeira instância e em nível de recursos, a ideia liberal de que os empregados podem mover ações coletivas contra os empregadores prevaleceu.

No entanto, isso contraria a ideia conservadora de que todas as disputas entre empregados e empregadores devem ser resolvidas através de arbitragem, individualmente, como previsto em contrato de emprego.

No final das contas, quem decide é a Suprema Corte, que tem cinco votos conservadores contra quatro liberais desde que o presidente Trump nomeou o juiz Neil Gorsuch para substituir o ex-ministro Antonin Scalia, que faleceu em fevereiro do ano passado. Assim, os trabalhadores podem esquecer o sonho da ação coletiva. Se quiserem entrar em uma disputa contra o empregador, terão de se sujeitar a uma arbitragem individual. E ninguém espera que possam ganhar, obviamente.

Há apenas um, porém, com nome de ministro: Anthony Kennedy. Esse ministro é uma pedra no sapato do conservadorismo, porque, embora seja conservador, ele tem a mania de decidir de acordo com as próprias convicções jurídicas. E, de vez em quando, ele vota com os quatro ministros liberais, garantindo maioria para os ideais democratas. Ele é, certamente, o único ministro que garante alguma dose de suspense à Suprema Corte dos EUA.

Mas nem sempre. Na votação do Obamacare, o seguro-saúde dos 33 milhões de pobres e relativamente pobres dos EUA, quem votou a favor dos liberais, durante o governo democrata do ex-presidente Obama, foi o presidente da Suprema Corte, o ministro conservador John Roberts. O ministro enxergou o drama dos milhões de americanos que poderiam ficar sem seguro-saúde. 

Os outros três casos se referem a questões de imigração. Todas as decisões foram favoráveis aos imigrantes no Tribunal de Recursos de São Francisco, Califórnia. Todas elas serão provavelmente revertidas pela Suprema Corte de maioria conservadora, a não ser que o ministro Antony Kennedy tenha uma visão jurídica favorável aos imigrantes. Entre esses casos, o mais famoso é o do decreto do presidente Donald Trump que bloqueou a entrada no país de cidadãos de seis países de maioria muçulmana.

O Tribunal de Recursos de São Francisco é considerado um dos mais liberais do país. O tribunal tem 28 juízes liberais, atuando em tempo integral ou meio expediente, e apenas 15 juízes conservadores. O presidente Donald Trump e alguns políticos republicanos influentes querem dividir o tribunal em dois.

O tribunal cobre vários estados do oeste americano, mas os republicanos querem, com a divisão, reservar uma parte dele para os estados tradicionalmente republicanos do velho oeste.

A não ser pelos casos sem conteúdo político, a Justiça americana não consegue – e dificilmente conseguirá – escapar das influências políticas. O governo Trump torce pela aposentadoria da ministra Ruth Ginsburg, liberal com 84 anos, ou do ministro Anthony Kennedy, conservador de 81 anos, que às vezes representa o papel de ovelha negra do partido, para nomear um conservador puro-sangue para o cargo. E acabar com essa história de os liberais ganharem de vez em quando.

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