Inspiração literária

Com sentença poética, juiz veta homenagem a poeta em Campo Grande

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8 de setembro de 2017, 9h20

Uma sentença poética do juiz David de Oliveira Gomes Filho impediu a Prefeitura de Campo Grande de homenagear o poeta Manoel de Barros em espaço tombado por abrigar sítio arqueológico militar.

O titular da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos da capital sul-mato-grossense citou outro grande nome da poesia brasileira, o mineiro Carlos Drummond de Andrade, para determinar a recomposição da área, que fica no canteiro central da Afonso Pena, principal avenida da cidade.

Diante do litígio, o juiz escreveu “e agora, Mané?” E continuou: “Talvez Carlos Drummond de Andrade, no lugar deste juiz, começasse sua decisão assim. Evidentemente que este magistrado não tem intimidade com o querido Manoel de Barros para chamá-lo de “Mané”, mas quem sabe Drummond teria”, escreveu. E desenvolveu, a sua maneira, a continuação do célebre poema:

E agora, Mané?
A festa nem começou,
as luzes não acenderam,
o povo não chegou,
a homenagem parou,
e agora, Mané?
e agora, você?
você que quer homenageá-lo,
você que quer proteger o patrimônio histórico,
você que faz obras,
você que faz processos,
e agora, você?

A prefeitura queria instalar no local uma estátua de bronze com a imagem de Barros, morto em novembro de 2014. A obra, que representa o poeta pantaneiro sentado no sofá de casa, com um largo sorriso no rosto, já estava pronta e prestes a ser fixada.

A Secretaria de Cultura deu parecer favorável ao município, mas o Instituto de História e de Geografia de Mato Grosso do Sul foi contra por causa do sítio arqueológico militar. Existe no local o quartel general do Exército, mastros e bandeiras e monumento em homenagem aos heróis da Força Expedicionária Brasileira, além do prédio do Hotel de Trânsito dos Oficiais do Exército. O instituto disse, porém, que a estátua poderia ser colocada em qualquer outro ponto da “extensa” avenida.

O Ministério Público estadual levou o caso ao Judiciário, sustentando que o mito Manoel de Barros não se harmonizava com a história específica do local. 

O juiz questionou se “um poeta, amante da natureza, materializador de abstratices, exímio desengavetador de palavras, profundo conhecedor do delírio lúcido (…) iria querer se meter em tamanha confusão, para ficar sentado no centro da cidade”.

Gomes Filho disse que as decisões jurídicas não costumam abrigar a poesia, mas que no caso essa forma de expressão deixou mais leve o processo e o Direito. "É uma flor nascendo na fresta de uma pedra. Talvez seja o 'Efeito Manoel de Barros' de fazer brotar beleza nos locais mais improváveis”.

Clique aqui para ler a decisão.

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