Opinião

Cota capital de cooperativa não pode ser penhorada

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5 de setembro de 2017, 13h39

Nos dias de hoje é inegável o papel e crescimento do cooperativismo no Brasil e no mundo.

Segundo dados de 2016 são mais de 6 mil cooperativas no Brasil empregando mais de 360 mil pessoas. No campo, 48% de tudo que é produzido passa por alguma delas, sendo que, as cooperativas de crédito têm quase 7 milhões de associados.

E para que sejam competitivas no ramo em que atuam (agropecuário, crédito, habitacional etc.), é necessário que a estrutura jurídica e formas de constituição desse modelo sejam sólidas, tendo a credibilidade necessária para que as cooperativas se estabeleçam no mercado.

Se uma cooperativa de crédito, por exemplo, não possuir lastro patrimonial necessário para suportar uma eventual crise no setor que seus cooperados atuam, dificilmente conseguirá obter recursos e ser competitiva no mercado, o que tornaria desinteressante aos seus associados vincular seus negócios a esse sistema em detrimento dos tradicionais já existentes.

Assim, uma cooperativa só é forte se possuir capital social robusto, possibilitando que seu funcionamento e gestão ocorram independente de capital de terceiros, pois só assim ela poderá ser livremente gerida pelos associados, sendo esse um dos princípios basilares do cooperativismo.

O capital social das cooperativas é formado a partir do valor (quotas-parte) integralizado pelos seus associados quando do ingresso na sociedade, valor, este, que é transferido a uma conta exclusiva para esse fim.

Esse patrimônio serve de garantia por obrigações que ela assume, constitui seu capital de giro, é utilizado para investimento na sociedade, pagamento de salários, fornecedores, e, em razão disso, não fica ao dispor dos associados.

No ato da integralização, conforme preceitua a lei, esse valor foge de sua esfera patrimonial e passa a ser da Cooperativa, com a transferência averbada no Livro de Matrícula desta, conforme disposto no artigo 26 da Lei 5.764/71 (Lei das Cooperativas).

As hipóteses para que esses valores retornem aos associados estão previstas no artigo 24, §4º da referida lei, e ocorrem quando do desligamento do associado por demissão, exclusão ou eliminação do associado. Percebe-se que não foi incluído nesse rol a possibilidade de ocorrer em razão de débitos destes com terceiros, o que inclusive é vedado no artigo 4º da lei e também pelo artigo 1.094 do Código Civil.

A importância da proteção das cotas capitais das cooperativas é tamanha que o mencionado artigo foi incluído em por meio do Decreto Lei 13.097 de janeiro de 2015, que conferiu segurança jurídica necessária para o regular funcionamento desse sistema sem os inconvenientes de ordem de penhora de patrimônio que não pertence mais aos associados.

No entanto, hodiernamente, em razão da crise econômica que o país atravessou e a crescente inadimplência, foram inúmeros os pedidos judiciais para bloqueios de cotas capitais integralizadas pelos associados em virtude de débitos que esses contraíram perante terceiros estranhos às cooperativas.

Contudo, além de não observarem as atualizações da lei sobre o tema, equivocadamente, as decisões que permitiram o bloqueio das cotas fundamentaram-se em legislação atinente às sociedades empresariais comuns. Nesse ponto, reside o maior equívoco desses julgados, pois não observam o caráter jurídico sincrético das cooperativas, que possuem, de fato, semelhança com as sociedades comerciais usuais, contudo, com especificidades contidas em legislação específica, as quais devem ser observadas e respeitadas, pois zelam pela sobrevivência desse sistema tão salutar à sociedade.

O que pode ser admitido e, inclusive, os credores devem ficar atentos à essa situação é a penhora dos rendimentos sobre essas cotas e participações nos resultados das cooperativas, especialmente as de crédito, procedimento, este, que está previsto em lei e estatuto, e isso sim pode gerar incômodo nos devedores, sem abalar a estrutura das cooperativas e, sobretudo, sem causar ainda mais discussões judiciais.

Assim, necessário que tais pedidos sejam refutados pelo Judiciário com o suporte da legislação específica ao tema somadas às observações contidas nos artigos 789, 832 e 833 do Código de Processo Civil.

Aceitar que o patrimônio das cooperativas seja atingido dessa forma pode ferir de morte o funcionamento de um modelo tão benéfico para os mais carentes dos serviços e do apoio que esse sistema proporciona, pois não se trata apenas de fornecimento de soluções financeiras ou bens, mas sim, inclusive, cursos voltados às boas práticas comerciais, capacitação, suporte para gestão financeira e outras ferramentas para auxílio no desenvolvimento do seu negócio/trabalho.

Aliás, privilegiar a proteção do cooperativismo está de acordo com a Constituição Federal, a qual dispõe em seu artigo 174 que “a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo”, de modo que, o Judiciário deve estar atento e aplicar o direito adequadamente a essa área, observando as recentes alterações legislativas e as demais especificidades dessa área.

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