Segunda Leitura

Saber falar bem em público é um fator de sucesso nas carreiras jurídicas

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

3 de setembro de 2017, 7h53

Spacca
A vida me deu ─ e continua me dando ─ a oportunidade de falar para os mais diferentes públicos, nos mais diversos lugares. Visitei todos os estados do Brasil e 17 países dando palestras ou aulas.

Esta experiência, aliada a curso de oratória, leitura de livros e artigos, participação em congressos nacionais e internacionais, possibilitam-me avaliar os pontos importantes para que a mensagem dada oralmente possa atingir os ouvintes. Afinal, de nada valerá o conhecimento se ele ficar restrito ao expositor.

Por isto, animo-me a apontar alguns aspectos que auxiliam os que, pelos mais diversos motivos, falam em público. Mas desde logo alerto que eles estão sempre sendo acrescentadas por outros, por força da tecnologia, da mudança de cultura e outros fatores.

O primeiro fator é o palestrante ou professor conhecer o seu público. Saber quem são os participantes, qual a faixa etária, o nível cultural, econômico e o que esperam da exposição. Além disto, sentir o ambiente também é essencial. Sempre é bom chegar mais cedo, sentar-se discretamente nas filas de trás e ver como a plateia reage.

Se for fazer uso da exibição de slides como Power Point, é preciso ter certeza de que o pen-drive está com a última versão e que se ajustará ao equipamento da sala de aula ou do auditório do congresso. Checar, antes, se está tudo é uma boa cautela. Enviar um e-mail com a palestra anexa para si mesmo, ou colocá-la na “nuvem”, é uma garantia contra uma eventual dificuldade.

Se for palestra, a organização pede o currículo. Nem pensar em mandá-lo completo, porque o presidente da mesa não saberá distinguir o que importa e, se começar a ler tudo, certamente a assistência vai detestar. Um mini currículo, no máximo com 10 linhas, deve já estar pronto nos arquivos. Pediu, levou.

Ensaiar sempre é bom, principalmente quem está no início da caminhada. Filmar, corrigir defeito, pedir a opinião de alguém, registrar o tempo gasto.

Chegou a hora. Os mais novos sentem aquele frio na barriga. Alguns cogitam de inventar uma desculpa e ir embora. Não pode. Quem recua no primeiro desafio, recuará sempre.

Recebendo a palavra, é hora de agradecer o convite e saudar todos na pessoa do presidente da mesa. Mas nominar todas as autoridades presentes, com seguidos digníssimos e excelentíssimos, está totalmente fora de moda. Normalmente, o cerimonial faz o registro de todos os presentes e agradece. E ponto final.

A palestra ou aula deve ter uma sequência lógica e, por isso, é preciso ter um tema que desperte interesse e um roteiro com: saudação, introdução, meta e conclusão. Nada pior do que alguém que chega ao fim e depois volta ao assunto, dispersamente expõe suas ideias, deixando a plateia cansada. Corta-se tudo que não for necessário.

Acreditar no que se fala é fator essencial. Se o palestrante ou professor apenas cumpre um papel ou sustenta algo que sabidamente não pratica, a assistência perceberá e ele perderá sua credibilidade. É preciso honestidade e entusiasmo com o que se diz.

Nada de se desculpar porque não teve tempo de preparar, porque o assunto é complexo ou algo semelhante. Melhor deixar que os outros descubram nossas falhas e não apresentá-las espontaneamente. Talvez elas nem venham a ser notadas.

O tempo deve ser respeitado. Chegar antes é regra de ouro. E cumprir o prazo fixado pelo presidente, também. Há casos em que, em um painel, todos têm 20 minutos para falar, mas o primeiro usa 50 e aos demais sobram 10 ou 15 minutos. O presidente da mesa não deve permitir esses excessos e, com firme delicadeza, deve passar aquele papel: “Faltam 5 minutos”.

Medo da plateia é um sentimento normal, principalmente nos mais novos. Certa feita, lá por 1995, em um congresso na Bahia, onde eu falaria sobre recursos hídricos e meio ambiente, vejo na primeira fila o ministro Moreira Alves, do Supremo Tribunal Federal. Ele uma das maiores culturas jurídicas do país, falava sete idiomas, conhecia Direito Romano como ninguém e era temido por seus colegas na corte. Com as pernas meio bambas, fui falando e colocando as folhas no projetor de imagens, naquilo que antecedeu o Power Point. Ao final, ele, por ter gostado ou por condescendência, fez um comentário amigável. Que alívio.

O uso de slides é opção e não obrigação. Evidentemente, eles auxiliam na compreensão da matéria. Por exemplo, se alguém está falando de drones como meio de prova em Juízo, a imagem de um auxiliará muito. No entanto, se a palestra for sobre hermenêutica, a visualização não será tão importante.

De qualquer forma, slides devem ter um número proporcional ao tempo de exposição, não ficando bem pulá-los o tempo todo. Não devem ter muitas palavras, sinais ou excessivas citações de leis ou decretos. Algumas frases são suficientes, delas tirando o expositor as suas ideias. Ler longos textos escritos na lâmina, nunca. As cores devem ser agradáveis, não opacas (azul claro não combina com letras em branco) e nem cansativas (fundo vermelho forte).

Vídeos são muito úteis. Vivemos a época da visualização e aquelas palestras faladas, salvo caso de palestrantes excepcionais, não seguram mais a plateia. Principalmente as novas gerações. Para passar o vídeo, que deve ter no máximo 5 minutos, o acesso deve estar pronto na própria lâmina. Se o autor for sair, procurar na internet e colocar os dados para daí abrir o vídeo, a assistência desviará seus pensamentos para outras coisas. Ponto negativo.

Colocar o vídeo na lâmina não exige conhecimentos profundos. Basta digitar o endereço da página da Web na lâmina e pressionar ENTER. Automaticamente o endereço será convertido em um link que, com um clique, abrirá o vídeo.

Além de acreditar, é preciso conectar-se com a plateia. Andar com naturalidade entre as pessoas, levar o microfone e perguntar a alguém como reagiria diante de um caso complexo (narrativa simples e pergunta direta), olhar nos olhos dos ouvintes, pregar um papel na parede, submetê-los a uma questão e perguntar quem vota sim e quem vota não, anotando. Tudo isto ajuda no interesse e participação.

Piadas são oportunas, em pequena escala. Descontraem o ambiente. Mas, para fazê-las, é preciso ter um dom especial, uma habilidade que nem todos possuem. E, evidentemente, elas devem ser sutis, humor refinado e não escrachado. Na dúvida, melhor não usar tal recurso.

Contar casos concretos ajuda. Mas tem que ser na medida certa e relacionada com o que se expõe. Jamais para vangloriar-se e muito menos para humilhar ou ironizar uma pessoa, um determinado segmento ou uma minoria. E também não exagerar, porque pode sair apelidado de Forrest Gump.

Vestimenta sempre é uma dúvida. As regras não escritas do chamado dress code são importantes e podem ser decisivas na avaliação de quem expõe. Na dúvida, sempre é melhor estar formalmente vestido, porque a área do Direito é conservadora. Ambiente universitário é menos formal que o Judiciário.

Para as aulas vale tudo o que aqui foi dito, fazendo-se as devidas adaptações. O público da manhã das Faculdades de Direito costuma ser de jovens, o que recomenda maior uso da tecnologia. Vídeos, debates de temas polêmicos, convidar para que venham à frente discutir suas ideias, por vezes formar grupos para discutir uma decisão judicial, tudo ajuda. O importante é abrir-lhes espaços para a participação.

Uma turma da noite costuma ter público diverso, gente que trabalhou o dia inteiro, cabeças cansadas. A capacidade de mantê-los atentos é mais difícil. Um debate sobre ocorrência recente pode estimular o ambiente. Às vezes as opiniões são radicais. Por exemplo, falar em direitos humanos a um policial que arriscou a vida durante o dia é procurar confusão. Nesses casos, o importante é insistir que o ambiente deve ser de respeito às ideias do outro e que o debate deve ser elevado e termina ao fim da aula. Afinal, ninguém precisa ficar inimigo porque é contra ou a favor da descriminalização do porte de arma.

Em qualquer caso, a aula no velho estilo, professor na frente falando 50 minutos e alunos sentados em fila ouvindo, não cabe mais na atualidade. O resultado será olhos para baixo, mirando as últimas mensagens do WhatsApp e um desejo forte de que acabe depressa aquele monólogo.

Tudo o que foi dito, feitas as devidas adaptações, pode ser utilizado na defesa oral perante os Tribunais. Valer-se de aparelhos eletrônicos, com exibição em tela, levar uma maquete pronta, exibir provas científicas (p. ex. estatísticas), pode ajudar muito. Só não pode ir na tribuna, puxar um papel do bolso do paletó e ler, em tom monocórdico, o memorial. É o passaporte para o fracasso.

No último slide, agradecer o convite e exibir o e-mail na tela sempre são medidas simpáticas. O palestrante (ou advogado no tribunal) deve registrar a síntese do que foi dito, com uma ou duas frases curtas e fortes, algo que fique na mente dos ouvintes. O final deve ser otimista, porque não há sentido em falar para concluir que não há solução.

Boa sorte.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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