Judiciário x Legislativo

Falta de definição sobre precedentes aumenta ativismo, dizem professores

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2 de setembro de 2017, 13h03

O protagonismo do Supremo Tribunal Federal no cenário atual é resultado da omissão do Congresso Nacional. A partir do momento que o Poder Legislativo recua, o Judiciário avança e amplia sua área de poder.

A conclusão é do professor Pedro Lenza, doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo e professor na mesma instituição. Em uma mesa de debate no Congresso Nacional do Instituto dos Advogados do Brasil, ele, o advogado Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e Margarida Lacombe, pós-doutora pela Fordham Law School, discutiram o ativismo judicial e o papel Legislativo.

Para Lenza, como o Congresso está enfraquecido, passou a agir por reação. Diante do ativismo do Judiciário, o Congresso acorda e legisla, disse. Como exemplo, citou a discussão sobre o número de vereadores por município, questão debatida pelo STF que, mais tarde, foi tratado em emenda constitucional no Congresso. O ativismo se dá pela inércia do Congresso Nacional. Como o parlamento não agiu para criar uma lei a fim de definir e proibir o nepotismo, por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça editou uma resolução sobre o tema. “Não tem lei, o Congresso não atuou, o Judiciário se amplia”, concluiu.

Para apontar uma solução, ele usou trecho de um texto do colega de mesa, Sarmento, que defende o diálogo institucional. “Não é salutar atribuir a um único órgão a prerrogativa de dar a última palavra sobre o sentido da Constituição. É preferível adotar-se um modelo que não atribua a nenhuma instituição, nem Legislativo nem Judiciário, o direito de errar por último, abrindo-se a permanente possibilidade de correções recíprocas no campo da hermenêutica constitucional, com base na ideia do diálogo em lugar da visão tradicional que concede a última palavra nessa área ao STF”.

Sarmento, por sua vez, destacou que o ativismo judicial não é um fenômeno restrito ao Brasil, e citou casos em que as cortes constitucionais dos Estados Unidos e da Alemanha legislaram em temas polêmicos, como aborto e legalização das drogas. E o ativismo, disse, só tornou-se realidade devido à Constituição Federal, que ampliou o espaço de atuação para o Supremo Tribunal Federal. Um exemplo apontado por ele é o fato de a CF de 1988 ter ampliado as entidades com poder para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade no STF. Antes, isso era competência exclusiva do Ministério Público, que seu chefe tinha status de ministro de Estado e podia ser demitido pelo presidente da República a qualquer tempo. Assim, quem estava à frente do MP era o único que tinha essa prerrogativa, mas não a usava contra atos do Executivo.

Ao passar a autorizar partidos, entidades sindicais, associações, entre outros, a entrar com ADI, o Supremo passou a ser mais provocado e pôde agir em mais temas. “Se um partido de oposição perde um debate na Câmara dos Deputados e um projeto que ele não quer é aprovado, por que a sigla não entraria com uma ADI no Supremo? Dessa forma, a maioria das situações que passam no parlamento acabam parando no STF”, explicou.

Já Margarida Lacombe focou sua fala em como os tribunais lidam com os precedentes judiciais e como isso é usado no ativismo judicial, um tema que “não tem contornos muito precisos”. Não é raro, apontou, o Supremo fazer tábula rasa de precedente anterior para ocupar espaço e legislar.

Ela também defende o diálogo institucional entre os poderes e afirma que o STF, antes de julgamentos, deveria levar em consideração o que está em pauta no Congresso. Um exemplo, disse, é a questão do direito ao esquecimento, discutido em quatro projetos de lei no Congresso. “O Supremo deveria se abrir para o que vem sendo analisado no legislativo, ainda que seja uma discussão inconclusa, deveria abrir-se para o que dizem os outros tribunais. O STF decide lá em cima aquilo vai se impor em todo Judiciário. Teria que estar escutando os demais órgãos do próprio Judiciário, num esquema mais circular”, propôs.

Como é preciso respeitar as peculiaridades de cada processo, “só o caso a caso vai formar essa cultura do precedente”, disse. O recurso sobre o direito ao esquecimento que será julgado no Supremo, citou, trata de um caso específico, mas terá impacto em todas outras situações. Segundo ela, não há uma cultura no Brasil para se respeitar os precedentes. “Além da falta de cultura, é introduzido em dimensão muito mais vertical do que horizontal”, criticou. “Eu, na faculdade, não fui ensinada a considerar precedentes. É uma cultura que nos é imposta agora goela abaixo”, ressaltou.

Ela aproveitou para apontar contradições na atuação do STF. “O novo Código de Processo Civil foi pensado sob o aspecto da necessidade de uniformizar jurisprudência, diminuir a morosidade. É a verticalização de precedentes impostos pelos tribunais superiores e os inferiores têm de seguir. Mas pouca coisa é dita sobre o problema do próprio STF em reconhecer julgamentos anteriores e respeitar o que foi dito antes. Muitas vezes, o STF tratou de um assunto e aí anos depois a corte tem outra formação, o tema volta à pauta, e aquilo é revogado”, frisou.

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