Opinião

Retroatividade de nova tributação de fundos de investimento é discutível

Autores

  • Maurício Pereira Faro

    é sócio de Barbosa Müssnich e Aragão Advogados mestre em Direito pela Universidade Gama Filho professor dos cursos de pós-graduação da PUC-RJ e FGV-RJ e presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-RJ.

  • Thais Meira

    é advogada do BMA - Barbosa Müssnich Aragão; LL.M. pela Harvard Law School e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP.

31 de outubro de 2017, 18h42

Foi publicada, no dia 31 de outubro de 2017, a Medida Provisória 806, que traz relevantes alterações na tributação de fundos de investimento. O primeiro grupo de alterações introduzidas pela MP, que já vinha sendo anunciada pelo governo há alguns meses, consiste na tributação dos fundos de investimento fechados (aqueles que não admitem o resgate de suas cotas durante o prazo de duração), por meio do procedimento conhecido como “come-cotas”.

Essa sistemática de tributação por meio de come-cotas já se aplica aos fundos de investimento abertos. Por outro lado, os rendimentos auferidos pelos cotistas dos fundos de investimento fechados são atualmente tributados apenas no momento da amortização das cotas ou liquidação do fundo.

De acordo com o novo regime, a cada seis meses, a diferença apurada entre (i) o valor patrimonial das cotas e (ii) o custo de aquisição ou o valor das cotas no momento da última incidência do Imposto de Renda será tributada por meio do Imposto de Renda às alíquotas regressivas de 22,5% a 15%. Em conformidade com o sistema de come-cotas, em vez de o cotista do fundo desembolsar dinheiro para o pagamento do Imposto de Renda, sua quantidade de cotas será reduzida e o administrador do fundo recolherá o tributo aos cofres públicos.

A tributação acima mencionada será aplicada, inclusive, para a valorização de cotas ocorrida antes do início da vigência da MP 806. Além disso, no caso de reorganização societária (e.g. cisão, incorporação e fusão) envolvendo fundos de investimento fechado ou alteração na sua natureza (transformação), na data do evento, haverá a tributação da valorização das cotas ocorridas desde sua aquisição ou última incidência do Imposto de Renda.

São excetuados da tributação acima mencionada os rendimentos decorrentes de fundos específicos, (i) Fundos de Investimento Imobiliário – FII, (ii) Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC e Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIC-FIDC, (iii) Fundos de Investimento em Ações – FIA e Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Ações – FIC-FIA; (iv) fundos constituídos exclusivamente por investidores não residentes no país ou domiciliados no exterior, na forma do art. 81 da Lei n.º 8.981/95; (v) fundos de investimento e fundos de investimento em cotas que, em 30 de outubro de 2017, prevejam expressamente em seu regulamento o término improrrogável até 31 de dezembro de 2018, e (vi) Fundos de Investimento em Participações – FIP.

O segundo grupo de alterações relevantes trazidas pela MP 806 refere-se à tributação de Fundos de Investimento em Participações – FIP. Para fins de tributação dessa espécie de fundos, a Medida Provisória distingue os FIP classificados como entidades de investimento daqueles que não são classificados como entidades de investimento.

A classificação mencionada no último parágrafo é disciplinada pelas Instruções da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) 578 e 579, de 30 de agosto de 2016, que tratam, respectivamente, da constituição, funcionamento e administração dos FIP, e da elaboração e divulgação das demonstrações contábeis desses fundos, e deve ser realizada pelo administrador dos FIP, com base nos critérios definidos nas referidas Instruções.

Em síntese, devem ser qualificados como entidades de investimento os fundos que, cumulativamente, (i) atribuam ao gestor da carteira plena discricionariedade na representação e na tomada de decisão junto às entidades investidas, não sendo obrigado a consultar os cotistas para essas decisões e tampouco indicar cotistas ou partes ligadas como representantes nas entidades investidas (ainda que os cotistas possam deliberar sobre propostas encaminhadas pelo gestor, por meio de comitê de investimento); (ii) invistam os recursos unicamente com o propósito de retorno através de apreciação do capital investido, renda ou ambos; (iii) avaliem o desempenho de seus investimentos substancialmente com base no valor justo; e (iv) possuam estratégias objetivas para o desinvestimento, de forma a maximizar o retorno para os cotistas.

Alguns elementos que devem ser levados em consideração para a classificação de determinado FIP como entidade de investimento são os seguintes (i) realização de mais de um investimento, direta ou indiretamente; (ii) existência de mais de um cotista, direta ou indiretamente; (iii) existência de cotistas que não influenciam ou não participam da administração das entidades investidas ou não sejam partes ligadas aos administradores dessas entidades; e (iv) realização de investimento em entidades nas quais os cotistas não possuíam qualquer relação societária, direta ou indiretamente, previamente ao investimento do fundo. A ausência de algum desses elementos não necessariamente desqualifica uma entidade como entidade de investimento.

Em resumo, no caso de FIP que não sejam classificados como entidades de investimento (i) os rendimentos e ganhos de capital auferidos pelos FIP, que não estão hoje sujeitos à tributação, passam a ser tributados de acordo com as regras aplicáveis às pessoas jurídicas em geral;); e (ii) os rendimentos e ganhos auferidos por tais FIPs, que não tenham sido distribuídos aos cotistas até 2 de janeiro de 2018, ficam sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda na Fonte à alíquota de 15%, sendo considerados pagos ou creditados aos seus cotistas em 2 de janeiro de 2018. A retenção deste imposto será feita pelo administrador, mediante redução da quantidade de cotas de cada contribuinte em valor correspondente ao do imposto apurado.

Ainda com relação aos FIPs, a MP 806 estabelece que os recursos obtidos pelos fundos na alienação de qualquer investimento serão considerados como distribuídos aos cotistas, independentemente do tratamento previsto no regulamento a ser dado a esses recursos (por exemplo, o reinvestimento), o que impede o diferimento da tributação do rendimento para o momento em que efetivamente ocorrer a disponibilização dos recursos aos cotistas, por meio de amortização das cotas ou liquidação do fundo. Aparentemente, essa regra aplica-se apenas para os FIPs qualificados como entidades de investimento.

A Receita Federal do Brasil ainda deverá disciplinar o disposto na MP 806.

Vale lembrar que, nos termos do artigo 62, parágrafo 2º, da Constituição Federal, as medidas provisórias que instituam ou majorem impostos, dentre eles o Imposto de Renda, somente produzirão efeitos a partir do primeiro dia do exercício seguinte em que referidas medidas provisórias sejam convertidas em lei. Portanto, em princípio, a maioria das alterações instituídas pela MP 806 deveriam produzir efeitos em 2018 apenas se ocorrer sua conversão em lei até 31 de dezembro de 2017.

Além disso, o artigo 150, inciso III, alínea “a”, estabelece que é vedado a instituição de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. Dessa forma, é discutível a tributação da valorização das cotas dos fundos de investimento verificada antes da edição da MP 806, antes de sua efetiva distribuição por meio de amortização das cotas ou liquidação do fundo.

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    é advogado tributarista do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados. Ex-conselheiro titular da 1ª Seção do Carf; professor dos cursos de Pós-Graduação da UCAM, PUC-RJ e FGV/RJ; e presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-RJ.

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    é advogada do BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão; LL.M. pela Harvard Law School e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP.

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