Integridade mental

Manter funcionário de sobreaviso ofende "direito à desconexão", diz TST

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30 de outubro de 2017, 18h44

Manter um funcionário de sobreaviso, além do horário máximo de serviço permitido, ofende a garantia que o empregado tem de se desconectar do trabalho para preservar a própria intimidade e a saúde social. Assim entendeu a 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho ao condenar uma empresa a pagar indenização de R$ 25 mil a um analista de suporte por ofensa ao “direito à desconexão”.

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Analista de suporte afirmou que o sistema de sobreaviso imposto pela empresa o privou do direito ao descanso, ao lazer e à desconexão ao trabalho.
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Segundo a decisão, ele ficava conectado mentalmente ao trabalho durante plantões que ocorriam por 14 dias seguidos e, além de cumprir sua jornada, permanecia à disposição da empresa, chegando a trabalhar de madrugada em algumas ocasiões.

O assunto é novo para a 7ª Turma do TST, que julgou na última semana o agravo de instrumento interposto pela empresa contra a condenação de segundo grau. Os ministros entenderam, por unanimidade, que o direito ao lazer do trabalhador foi suprimido em virtude dos plantões e mantiveram a indenização de R$ 25 mil.

O relator do recurso, ministro Cláudio Brandão, reconheceu que a evolução da tecnologia refletiu diretamente nas relações de trabalho, mas ressaltou que é essencial o trabalhador se desconectar a fim de preservar sua integridade física e mental. “O avanço tecnológico e o aprimoramento das ferramentas de comunicação devem servir para a melhoria das relações de trabalho e otimização das atividades, jamais para escravizar o trabalhador”, destacou.

Segundo Brandão, trabalhos a distância, pela exclusão do tempo à disposição, em situações relacionadas a permanente conexão por meio do uso da comunicação telemática ou de regimes de plantão, pode representar uma precarização de direitos trabalhistas. Lembrou ainda que o excesso de jornada já aparece em estudos como uma das razões para doenças ocupacionais relacionadas à depressão e ao transtorno de ansiedade, “o que leva a crer que essa conexão demasiada contribui, em muito, para que o empregado, cada vez mais, fique privado de ter uma vida saudável e prazerosa”.

Na reclamação trabalhista, o empregado sustentou que o sistema de sobreaviso imposto pela empresa o privou do direito ao descanso, ao lazer e à desconexão ao trabalho. “Toda noite eu era acionado em média três vezes e não podia dormir corretamente, pois o celular ficava ligado 24 horas”, afirmou.

Para a empresa, houve equívoco na caracterização do sobreaviso, já que apenas o plantão e o uso de aparelhos telemáticos não são suficientes para a sua caracterização. “É preciso que o empregado fique à disposição da empresa e exista manifesta restrição de sua liberdade de locomoção”, argumentou.

No agravo, a empresa alegou violação de dispositivos da Constituição Federal e do Código Civil na sentença. Para ela, não era possível identificar propriamente um dano, mas “dissabores”, que não caracterizariam danos morais. “A prestação de horas extras, mesmo habitual, por si só, não significa obstáculo ao lazer do trabalhador a ponto de ensejar-lhe reparação”, sustentou.

O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido de indenização, entendendo que o trabalhador não estava impossibilitado de se locomover durante os plantões. Mas o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região proveu recurso do analista e condenou a empresa. “Não há como se ignorar que havia uma expectativa de o trabalhador ser chamado a qualquer momento durante esses dias”, decidiu o TRT-2. “Esta expectativa retira dele a energia e a concentração que deveriam estar voltados para a sua vida privada.”

Para o TRT, o direito de se desconectar do trabalho visa à preservação da intimidade da vida privada e da saúde social do empregado. “Cabe à empresa organizar seus horários, contratar outros empregados para os horários de plantão, enfim, tomar iniciativas de modo que sejam observadas as normas que limitam a jornada de trabalho, e asseguram a seus empregados o efetivo descanso.”

Limitação de jornada
O professor de Direito do Trabalho Ricardo Calcini, mestrando em Direito do Trabalho pela PUC-SP, explica que a limitação de jornada de trabalho constitui um direito social e fundamental de todos, que está intrinsecamente ligado à redução dos riscos inerentes ao trabalho, além do direito ao lazer e ao convívio familiar.

“No caso em questão, a meu ver, ficou evidente a lesão à desconexão, representada pelo direito subjetivo do empregado de se ausentar do ambiente de trabalho, sem qualquer forma de comunicação, ainda que por meio de novas tecnologia”, afirma.

Segundo ele, a garantia do direito à desconexão vai ao encontro da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, sendo que, se violado tal direito, além do pagamento das horas extraordinárias, justifica-se o pleito de dano existencial ao projeto da vida e à vida das relações.

“Importante notar que podem resultar em dano existencial incidentes cuja repercussão seja de tamanha magnitude a ponto de inviabilizar relacionamentos de cunho familiar, afetivo-sexual ou profissional ou fulminar metas e objetivos de importância vital à autorrealização (dano ao projeto de vida), resultando no esvaziamento da perspectiva de um presente e futuro gratificantes. Esse foi o caso julgado pelo TST que, pela submissão do trabalhador a plantões habituais, longos e desgastantes, fez jus à indenização por danos morais.”

Calcini destaca ainda que a Lei 13.467/2017, que aprovou a reforma trabalhista, passou a prever, em seu artigo 223, o direito à reparação ao dano de natureza extrapatrimonial que ofenda a esfera existencial da pessoa física. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

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