Voir dire

Ex-presidente Obama é convocado em processo de seleção de júri

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30 de outubro de 2017, 9h38

À semelhança de outros países, ex-presidentes dos EUA têm algumas mordomias, como salário vitalício, segurança garantida pelo serviço secreto, escritório, entre outras benesses. Mas, ser dispensado de servir como jurado não é uma delas. Nem de qualquer autoridade do Executivo, do Legislativo e mesmo do Judiciário. Nem de qualquer celebridade.

Assim, em novembro, o ex-presidente Barack Obama vai se sentar em uma sala de um tribunal no Condado de Cook, em Illinois, junto com um grupo de possíveis jurados, para enfrentar, por algumas horas, o processo de seleção de jurados para um julgamento.

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Expectativa é que, por ser advogado, Obama seja dispensado.

Obama, que se proclama um defensor do “engajamento cívico”, avisou o juiz, através de um representante, que irá cumprir seu dever de cidadão. Se for selecionado, o ex-presidente Obama, que chega a receber US$ 400 mil por uma palestra, irá receber, por seu trabalho como jurado, US$ 17,25 por dia.

A citação de autoridades para o processo de seleção de júri não é novidade nos EUA. Os ex-presidentes Bill Clinton e George Bush já foram citados. E, em 2015, o presidente da Suprema Corte, John Roberts, também foi citado. Todos eles compareceram à seção de seleção de jurados.

Cada estado tem regras diferentes para seleção do júri. Mas, de uma maneira geral, o juiz cita de 35 a 200 eleitores do condado, para formar o pool (ou painel) de possíveis jurados. Desse pool, serão escolhidos seis, 12 ou até mesmo 23 pessoas para servir como jurados, dependendo do estado, tanto em processos criminais quanto em civis.

Obama provavelmente será descartado do pool de possíveis jurados pelo advogado de defesa ou pelo promotor, assim como como foram dispensados Bill Clinton e o ministro John Roberts. Todos pela mesma razão: são advogados. Nem a defesa, nem a acusação apreciam a presença de advogados no júri, porque é muito mais difícil convencê-los do que é convencer uma pessoa leiga em Direito.

A defesa e acusação sabem que um advogado no júri, ainda mais com a autoridade de Obama, Clinton ou Roberts, irá liderar os jurados e, muito provavelmente, dizer a todos os demais membros qual deverá ser o veredicto.

Há uma exceção: um advogado pode apreciar a presença de tal autoridade jurídica no júri se seus argumentos serão largamente fundamentados na lei. Nesse caso, vai argumentar apenas para aquele jurado, sabendo que terá aliado decisivo no júri. Mas a outra parte não irá gostar da ideia, segundo especialistas ouvidos pelos jornais Chicago Tribune, Washington Post e a National Public Radio (NPR).

O ex-presidente Bush foi liberado, mas não por essa razão. Depois de passar mais de três horas na sala do tribunal e de o juiz, o advogado e o promotor haverem descartados os candidatos a jurado indesejáveis, ele permaneceu na sala. Mas os jurados foram escolhidos pela ordem dos números que lhes foram atribuídos e a escolha não chegou ao número do ex-presidente. De qualquer forma, Bush fez muito sucesso, porque tirou selfies com praticamente todos os integrantes do pool e contou muitas piadas. Nunca foi tão popular.

Seleção do júri
Nos EUA, como em outros países da common law, o processo de seleção do júri é chamado de voir dire, uma expressão do latim que significa falar a verdade. Na maioria dos casos, o processo é conduzido pelo juiz, pelo advogado de defesa e pelo promotor, nos casos criminais. Nos casos civis, pelo juiz e pelos advogados das partes.

A função do voir dire é selecionar jurados competentes e adequados para julgar um caso. Mas, na prática, o processo ocorre por exclusão das pessoas que não são competentes e adequadas para servir no júri.

Em casos criminais, a primeira preocupação dos três administradores do Direito é excluir pessoas que possam estar contaminadas por pré-julgamento ou por preconceitos. Por isso, a primeira coisa que o juiz faz é falar do que se tratar o caso e perguntar se alguém tomou conhecimento dele através da mídia. Em casos que estão nos jornais e na televisão todos os dias, é difícil selecionar pessoas que nunca ouviram falar deles.

O juiz também concorda em excluir, sem muita boa-vontade, pessoas que passarão por sérias dificuldades, se tiverem de servir como juradas. De uma maneira geral, sempre há mais pessoas que querem servir como jurados do que as que não querem, dificuldades à parte. Talvez porque queiram participar de um julgamento, tal como os que veem tantas vezes nos filmes e nas séries televisivas.

A seguir, o advogado e o promotor fazem perguntas ao pool de candidatos (chamado de venire), sugerindo que levantem as mãos quem tiver uma resposta predeterminada. Esses poderão ter uma oportunidade de se explicar. As perguntas visam identificar pré-julgamentos, preconceitos e algum tipo de experiência ou de relacionamento que as impedem de julgar com imparcialidade.

O advogado e o promotor entram, então, em um processo de exclusão de candidatos, apresentando recusas motivadas (ou por justa causa) ou recusas imotivadas (também chamadas de recusas peremptórias, que dispensam um motivo).

Recusas motivadas
O advogado e o promotor podem excluir do pool um número ilimitado de candidatos por justa causa. Isso acontece quando o candidato não cumpre uma das exigências para ser jurado ou porque o que diz mostra que não pode ser imparcial, por causa de preconceitos reais ou implícitos.

Preconceito real
Esse tipo de preconceito aparece quando o candidato a jurado admite que não conseguiria ser imparcial. É o caso, por exemplo, de uma pessoa religiosa que declara que nunca poderia condenar alguém, porque sua fé a proíbe de se sentar e julgar um irmão perante Deus. Ou de pessoas que são contra a pena de morte, se esse tipo de condenação por uma possibilidade no julgamento.

Preconceito implícito
É um tipo de preconceito mais difícil de aparecer porque, às vezes, pessoas que querem participar do julgamento tentam escondê-lo. Mas o advogado e o promotor tentam descobrir, por exemplo, se algum candidato é amigo ou parente do réu, do juiz, de uma testemunha, de um dos advogados. Ou se a experiência de vida do candidato cria alguma predisposição a favor ou contra um réu.

Por exemplo, no caso de um professor acusado de delito em seu trabalho, outros professores são eliminados do júri. No caso de crimes financeiros, banqueiros e outros profissionais da área são excluídos. No caso de má prática médica, médicos são excluídos. Também são excluídos nessa leva, advogados, juízes e policiais.

Recusas imotivadas (ou peremptórias)
São exclusões de candidatos a jurado para as quais o advogado ou promotor não precisam apresentar razões. Um possível jurado, mesmo que qualificado, pode ser excluído porque o advogado acha que ele tende a favorecer a acusação – ou vice-versa. Mas esse tipo de recusa não é permitido quando é percebida que é feita com base em raça, sexo ou classe social.

Processos já foram anulados porque o promotor excluiu todos os candidatos negros de um pool do júri que ia julgar um réu negro. Há um número limitado de recusas imotivadas, que varia de estado para estado e depende da natureza do caso (julgamento de um delito, de um crime ou que envolve pena de morte).

Próximo passo
Se o juiz, advogado e promotor excluírem tantos possíveis jurados que não sobra um número suficiente para compor o júri, o juiz pode citar mais eleitores ou simplesmente anular o julgamento e começar tudo de novo. Se conseguir formar o júri, encaminha os jurados para seu lugar no julgamento (jury box), onde eles prestam juramento. A seguir, inicia o julgamento.

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