Opinião

A aplicação do princípio ambiental da dissuasão nas decisões judiciais

Autor

  • Marcelo Kokke

    é pós-doutor em Direito Público-Ambiental pela Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) mestre e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) especialista em Processo Constitucional procurador federal da advocacia-geral da União professor da Faculdade Dom Helder Câmara professor de pós-graduação da PUC-Minas e professor do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH).

29 de outubro de 2017, 5h54

O desafio de aplicação de princípios ambientais em decisões judiciais possui uma série de fronteiras ainda pouco exploradas na doutrina e na jurisprudência. O tema e problema decorrente remete à possibilidade de uma decisão judicial contribuir, de forma indireta, para a vulnerabilidade do princípio ambiental da dissuasão. O princípio ambiental da dissuasão é reconhecido, como assinala Lorenzetti[1], como um standard normativo a guiar a aplicação das normas ambientais, em termos de teoria geral do Direito Ambiental.

O princípio está alicerçado em um paradigma holístico da tutela do meio ambiente, pelo qual o caso concreto não pode ser tratado de forma pontual. O caso concreto implica efeitos sobre outros casos e sobre a conduta do próprio envolvido no processo judicial. A sanção ambiental deve ser vista não como algo recortado, mas como inserida em uma atuação pública voltada para dissuadir, para desestimular, persuadir contrariamente a uma conduta lesiva ao meio ambiente.

A dissuasão, em sua qualidade de princípio, significa que as normas ambientais devem ser aplicadas de maneira a prevenir e repelir novas ocorrências de lesão ambiental. O sistema de aplicação de normas não pode ser fonte de geração de ineficácia. O princípio da dissuasão exige que as decisões judiciais tenham em si a consideração sob um prisma holístico, de projeção ao todo social. Em que termos uma decisão judicial pode ser fonte de quebra do padrão de desestímulo de danos ou lesões ambientais?

A suspensão pura e simples de uma multa administrativa por decisão judicial pode, em tese, implicar a perda dos efeitos de dissuasão de atividades ilícitas ambientais, acarretando uma impressão individual e social, em termos de prevenção, da inocuidade da atuação sancionatória ambiental. Suponha-se caso simples. Decisão judicial afirma que a posse irregular de um espécime não configura ilícito ambiental. Quantas pessoas se sentirão permitidas, pelo precedente, a possuir uma espécime irregular? Qual o efeito cumulativo da postura para o meio ambiente? Qual o descrédito gerado à norma ambiental?

Em decisão judicial recente, proferida nos autos do Processo 38296-16.2016.4.01.3800, em trâmite na Justiça Federal em Belo Horizonte, o órgão jurisdicional acolheu a argumentação da Advocacia-Geral da União para condicionar a manutenção eficácia de decisão de tutela provisória à não reincidência de infração administrativa.

No caso, o autor foi autuado por possuir ilegalmente espécimes da fauna silvestre brasileira. Após a constituição do crédito e início da execução fiscal, o autor ajuizou ação ordinária visando rever o quantum da penalidade administrativa, pleiteando tutela provisória para impedir seu registro em cadastros negativos. A tutela foi concedida pela decisão judicial. Entretanto, após embargos de declaração com efeitos infringentes, a manutenção da decisão em sua eficácia foi condicionada a que não seja o autor flagrado com qualquer outra espécie da fauna silvestre brasileira.

Tem-se aqui aplicação judicial do princípio da dissuasão. Embora o órgão judicial tenha como devida a concessão da tutela provisória, pondera que não pode ela converter-se em fonte, em estímulo para a reiteração da prática irregular. O princípio ambiental da dissuasão funcionaliza para que não surja com a decisão judicial uma sensação individual e mesmo coletiva de ineficácia na tutela ambiental, estimulando a reiteração da prática lesiva.

É possível, inclusive, articular conjunção própria da teoria dos diálogos institucionais. A ratio decidendi articula-se com a razão normativa fiscalizatória ambiental. Isso porque a Portaria Ibama 24, de 16 de agosto de 2016, dispõe em seu artigo 5º que a fiscalização ambiental emprega a dissuasão como a principal forma de promover a mudança de comportamento social e prevenir a prática de ilícitos ambientais. O objetivo é justamente a mudança de conduta social em razão das implicações punitivas, alcançando a prevenção de lesões ambientais.

Interiorizar o princípio ambiental da dissuasão em decisões judiciais significa tematizar os efeitos da decisão para além do caso concreto, vindo a considerar suas implicações em termos holísticos, universalizantes, considerando inclusive o efeito cumulativo das lesões ambientais.


[1] LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria Geral do Direito Ambiental. Trad. Fábio Costa Morosini e Fernanda Nunes Barbosa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

Autores

  • é procurador federal da Advocacia-Geral da União, mestre e doutor em Direito pela PUC-Rio, especialista em processo constitucional, professor de Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara, da PUC-Minas, do IDDE (MG) e da Escola da Advocacia-Geral da União. É ainda membro da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil, do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública e da Academia Latino Americana de Direito Ambiental.

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