Xenofobia em ascensão

"Direito Internacional é uma arma para enfrentar preconceito contra imigrantes"

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29 de outubro de 2017, 7h51

Spacca
Com destaque em diferentes capítulos da história da humanidade, a rejeição a estrangeiros vem ganhando novamente força no mundo com a ascensão de líderes como Donald Trump, presidente dos EUA, e Marine Le Pen, derrotada no segundo turno da eleição presidencial francesa. Para a professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Carmen Tiburcio, o Direito Internacional é uma arma para combater esse preconceito e oferece mecanismos para proteger imigrantes.

No entanto, essa onda isolacionista pode dificultar a elaboração de normas comuns a diversas nações, ressalta Carmen, que é consultora do escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados, no Rio de Janeiro. Nesse cenário, ela considera improvável que se estabeleçam códigos europeus e utópica a proposta de uma constituição global.

Especialista em Direito Internacional Privado, a advogada afirma que essa área sempre foi menosprezada no Brasil – tanto que não há uma jurisprudência sólida sobre o assunto no país. Contudo, ela aponta que, com a globalização, o campo vem ganhando importância, especialmente quanto à área de processo internacional – o assunto mais importante do ramo no momento.

Em agosto, Carmen ministrou o curso The current practice of international cooperation in civil matters (A prática atual de cooperação internacional em assuntos civis) na Academia de Direito Internacional em Haia, na Holanda, para 350 alunos, de 73 países. De acordo com ela, a experiência foi “emocionante”.

“Eu estou acostumada a falar em outras universidades estrangeiras, e sempre tem uma apreensão, eu fico um pouco nervosa, mas quando começo a falar, me tranquilizo. Lá, não: eu fiquei o tempo todo sentido o peso de estar naquele lugar”, diz a advogada, que já atuou como amicus curiae em um processo sobre nacionalidade na Suprema Corte dos EUA.

À ConJur, Carmen Tiburcio também explicou sua tese de que, em alguns casos, princípios podem afastar a aplicação de normas, e discutiu casos importantes de Direito Internacional Privado.

Leia a entrevista:

ConJur — A cooperação internacional ganhou um capítulo próprio no novo Código de Processo Civil. Que mudanças podemos esperar em decorrência disso?
Carmen Tiburcio
— Esse capítulo é ótimo na medida em que é um reconhecimento formal da importância do assunto. Essa seção reproduz algo que já existia de fato, construído pelo Superior Tribunal de Justiça. O STJ trouxe um avanço muito grande ao tema da cooperação, quanto a matéria de homologação de sentenças estrangeiras, cartas rogatórias, auxilio direto. De alguma maneira, a inclusão desse capítulo no CPC demonstra uma tendência recente sobre o assunto: o tema da cooperação adquiriu quase que um status independente em vários países. Portugal aprovou uma lei sobre cooperação em matéria penal, a Espanha aprovou uma lei de cooperação em matéria civil.

ConJur — Com relação a outra novidade CPC, o que a senhora pensa da equiparação dos efeitos da convenção de arbitragem à eleição de foro estrangeiro?
Carmen Tiburcio
— Já não era sem tempo. A nossa jurisprudência, e o STJ infelizmente seguiu isso, conferiu um tratamento mais favorável à clausula compromissória da convenção de arbitragem do que ao acordo de eleição de foro, o que não faz sentido nenhum. A orientação que está ainda de alguma maneira sendo seguida é no sentido de que, se as partes elegem o foro de Londres para solucionar as controvérsias decorrentes do acordo, e se a hipótese é de competência de um juiz brasileiro, existe uma tendência de o STJ entender que a vontade das partes não pode afastar o exercício da jurisdição nacional. Por outro lado, se, nesse mesmo contrato, as partes estabelecem que as controvérsias serão dirimidas por arbitragem, isso pode. Não faz sentido nenhum conferir à arbitragem uma importância maior do que se confere à eleição de foro. O Judiciário em Londres é tão digno de confiança que um tribunal arbitral.

ConJur — Independentemente desse entendimento do STJ, é comum que os contratos elejam foro estrangeiro para resolução de conflitos, não?
Carmen Tiburcio
— O pessoal sempre põe eleição de foro, é uma cláusula típica dos contratos internacionais. O interessante é que em quase todas as decisões que enfrentou o assunto, havia uma razão para o STJ não admitir a eleição de foro estrangeiro. Um dos casos mais famosos foi aquele em que a Brasoil contratou um consórcio para transformar um navio em plataforma, e havia uma cláusula de eleição de foro em um contrato acessório, de garantia. Então, a discussão era se essa eleição de foro pra Nova York vinculava a Brasoil, que não havia sido incluída como parte nesse contrato acessório – ela só era parte no contrato principal, de construção. Daí o STJ, na ementa, afirma que competência internacional concorrente não pode ser alterada pela vontade das partes, porque se tratava de obrigação a ser cumprida no Brasil. Mas a hipótese era que não se poderia admitir a eleição de foro porque a Brasoil não era parte do contrato acessório, então não havia como exigir que ela se submetesse à jurisdição de Nova York, porque ela não assinou o contrato, não concordou com essa escolha.

A decisão do STJ estava absolutamente correta, mas como a ementa dizia que a competência não pode ser arredada pela vontade das partes, depois se construiu essa ideia de que o STJ não admite a eleição de foro, quando, na verdade, cada decisão sobre esse tema tinha uma explicação. Em outro caso, a Ação Rescisória 133, havia uma cláusula de eleição de foro, a ação foi ajuizada no Brasil e a parte ré compareceu, não alegou eleição de foro e só depois que perdeu a ação é que ela se lembrou da eleição de foro. Então ela ajuizou uma ação rescisória alegando que havia esquecido da eleição de foro, quando deveria ter mencionado essa cláusula. Aí o STJ, corretamente, afirmou que, com base no princípio da submissão, essa cláusula de eleição de foro havia perdido a validade. Só que o STJ disse mais: os ministros vieram, mais uma vez, com essa conversa que era competência concorrente, obrigação a ser cumprida no Brasil que não podia ser afastada pela vontade das partes.

Nenhuma dessas decisões é muito clara a ponto de se extrair uma conclusão de que o STJ sempre inadmitiu a eleição de foro. De qualquer maneira, em matéria de arbitragem é o oposto – o STJ sempre teve uma posição extremamente favorável à arbitragem.

ConJur — Em que situações cabe cooperação internacional no campo civil?
Carmen Tiburcio
— A rigor, em qualquer caso em que o réu esteja domiciliado no exterior, que haja uma testemunha no exterior, um documento importante no exterior, que o réu tenha bens no exterior. Se o autor tem sucesso, a ação é julgada procedente e ele precisa homologar essa decisão no exterior, ele recorre à cooperação. A lógica da cooperação reside em duas grandes premissas. Uma é a territorialidade da jurisdição. Então, o juiz brasileiro só manda aqui. Por outro lado, existe cada vez mais globalização, um aumento da movimentação de pessoas e coisas.

Se há a territorialidade da jurisdição de um lado e, do outro, as pessoas e coisas se movimentando cada vez mais, é preciso ter mecanismos para permitir que decisões proferidas num país possam produzir efeitos em outros. E não só decisões finais, que é o caso da homologação de sentença estrangeira, mas até mesmo uma determinação para citar um réu ou para obter um documento. Principalmente em matéria penal, todos esses casos que nós temos lido na imprensa de existência de contas no exterior são investigados por mecanismos de cooperação internacional. Porque o juiz daqui não pode chegar e dizer para um banco na Suíça ou em Lichtenstein que aquele dinheiro foi ilicitamente subtraído da empresa tal ou do Tesouro e deve retornar ao Brasil.

ConJur — Por falar em esfera penal, alguns afirmam que, em certas ocasiões na operação “lava jato”, o Ministério Público Federal não seguiu os procedimentos legais para cooperação internacional. Há violações às regras de cooperação internacional na “lava jato”?
Carmen Tiburcio
— Eu não conheço os casos concretos. Há vários instrumentos de cooperação e cada um deles tem um roteiro. Existe uma tendência no mundo no sentido de flexibilizar as regras e tornar a cooperação mais ágil, desde que não prejudique os direitos das partes. Antigamente, a cooperação era extremamente formal, feita pela via diplomática, e tudo demorava muito. Mandar uma carta rogatória pela via diplomática poderia demorar um ano. Mas isso mudou, e há todo um movimento para facilitar a cooperação. Criaram até juízes de ligação, para permitir que um juiz aqui possa falar com outro igual daquele país.

ConJur — O que fazer se as leis de dois ou mais países envolvidos numa disputa são conflitantes?
Carmen Tiburcio
— Isso realmente pode acontecer. Um exemplo que eu posso te dar envolve a França e os EUA em termos de cooperação. O sistema norte-americano parte da premissa que as partes presidem o processo, e os sistemas da civil law partem da premissa de que a autoridade judicial preside o processo. No sistema americano, como as partes presidem o processo, elas podem colher provas. A França tem uma visão diametralmente oposta. Lá, é crime para a parte francesa fornecer informação para uma autoridade estrangeira sem passar pelas autoridades locais. A Alemanha não vai tão longe, não considera isso crime, mas o Direito alemão é bastante rígido no sentido de que a prova só pode ser colhida na país com a participação das autoridades alemãs. O Brasil também vai nessa linha. O artigo 181 da nossa Constituição determina que a prova a ser colhida no Brasil, solicitada por autoridade estrangeira, depende de autorização do poder competente aqui no país. O que ocorre até aí é a questão da territorialidade da jurisdição. Então, se a prova vai ser colhida na França, aplica-se a lei francesa. Agora, obviamente pode acontecer de uma prova ser colhida em desacordo a lei francesa. O que que acontece se uma prova é colhida na França sem a participação das autoridades, violando a lei penal? Não só isso pode sujeitar a parte a punição pela lei francesa, como isso é uma hipótese que fere a ordem pública, podendo gerar uma futura impossibilidade de homologação daquela decisão em outro país, porque uma prova foi colhida em desacordo com a lei local. Há várias situações semelhantes.

ConJur — Em que casos não é possível mover uma ação se o Judiciário de outro país já tiver se pronunciado a respeito da mesma questão?
Carmen Tiburcio
— Desde o Código de Processo Civil de 1973, o Brasil adota a regra de que não há litispendência internacional. A propositura de uma ação no exterior não impede a propositura da mesma demanda aqui no Brasil. Isso estava no artigo 90 do CPC antigo e está agora no 24 do CPC de 2015. Agora o CPC de 2015 incorporou algo que a jurisprudência já estava fazendo, que é distinguir entre a litispendência e a exceção de coisa julgada. Ou seja, se a ação no exterior já terminou e já existe uma sentença, é possível homologá-la, extinguindo o processo em curso no Brasil. Aí não é o caso de litispendência, e sim de coisa julgada. Isso foi uma opção do legislador. Na Europa, por exemplo, eles seguiram o caminho inverso. As convenções de Bruxelas, Lugano e os regulamentos europeus acatam essa litispendência. Assim, o fato de haver uma demanda já proposta em outro país impede a propositura de uma mesma demanda.

ConJur — Quais são as principais áreas do Direito Internacional Privado hoje?
Carmen Tiburcio
— O Direito Internacional Privado cuida das relações jurídicas que tenham elementos estrangeiros. Então, eu diria que as principais áreas são as que tratam de comércio internacional e Direito de Família. Nós temos inúmeros casos de sequestros de crianças. Tem até uma convenção que foi aprovada na Haia de 1980 sobre sequestro internacional de crianças. então esse é um caso bem frequente. A gente aqui no Brasil teve o caso Sean que ficou muito conhecido. Divórcio, partilha de bens e matéria sucessória também são muito comuns. Há muitos casos de pessoas que morrem domiciliadas no exterior com bens no Brasil ou vice-versa. Isso tem ocorrido com alguma frequência por conta da globalização.

ConJur — Como a senhora avalia o desenvolvimento do Direito Internacional Privado no Brasil?
Carmen Tiburcio
— O Direito Internacional Privado nunca foi considerado um ramo de muita relevância no Brasil. Até porque, diversamente do que ocorre na Europa, as relações com elementos estrangeiros não são tão frequentes, até por conta da nossa distância. Mas isso está mudando. Hoje há mais brasileiros que vão para o exterior e casam com estrangeiros. E também estrangeiros que têm bens no Brasil ou brasileiros que tem bens no exterior. Isso é um fenômeno mais recente. As empresas brasileiras estão se internacionalizando, e há mais empresas estrangeiras abrindo subsidiárias no Brasil. Isso tudo invoca o Direito Internacional Privado. Então, nos últimos anos, o Direito Internacional Privado tem adquirido uma relevância maior.

ConJur — E quais são as grandes questões que devem dominar o Direito Internacional Privado nos próximos anos?
Carmen Tiburcio
— A questão do processo internacional. Isso é uma tendência não só no Brasil, mas no exterior. Durante muito tempo, a grande questão do Direito Internacional Privado era a da lei aplicável – a lei aplicável e os princípios, ordem pública, direitos adquiridos eram a cereja do bolo do Direito Internacional Privado. Nos últimos anos, essa maior importância migrou da determinação da lei aplicável para o processo internacional, para as questões de jurisdição, onde litigar, eleição de foro, arbitragem. Tanto que, em alguns países, processo internacional chega até a ser uma disciplina autônoma. Nos EUA e na Inglaterra, se estuda International Litigation. São todas as questões relacionadas ao processo nos casos de relações jurídicas que tenham elementos estrangeiros. Como citar uma parte que está no exterior? Como colher uma prova que está no exterior? Tem um caso muito famoso que mostra bem essa questão do processo – o caso da Union Carbide, do acidente que aconteceu em Bhopal, na Índia, em 1984. A fábrica de Union Carbide que fabricava pesticida para a agricultura explodiu. Como ela ficava numa zona densamente povoada, a explosão matou mais de três mil pessoas – alguns chegam a falar em cinco mil. E as explosão lançou gases no meio ambiente, matando milhares de outras pessoas – se fala em 50 mil vítimas. É considerado o maior acidente com vítimas em tempo de paz. Apesar de o acidente ter acontecido na Índia, foi ajuizada uma ação em Nova York. E houve toda essa questão de onde a ação seria julgada. A questão acabou sendo julgada pela Índia e chegaram a um acordo. Mas toda essa discussão gerou um enorme impacto no valor do acordo, que foi de US$ 430 milhões. Na época, isso era um valor muito superior ao patrimônio da empresa na Índia, que era de aproximadamente US$ 40 milhões. E isso tudo em função da escolha do lugar onde litigar. Então, hoje está se percebendo que a questão da escolha do lugar do litígio influencia de forma determinante no Direito material aplicável, na solução do litígio.

ConJur — Como a senhora avalia a jurisprudência brasileira quanto ao Direito Internacional Privado?
Carmen Tiburcio
— Há assuntos em que temos pouquíssimas decisões, até por conta do que eu te disse, que o Brasil se isolou um pouco. Agora é que estão aparecendo os casos. Muita coisa também é decidida por arbitragem, nós temos poucas decisões judiciais. O processo internacional, durante muitos anos, viveu em um limbo, porque não era bem um tema que os professores de processo quisessem dar atenção, e os professores de internacional privado também queriam só estudar a questão da lei aplicável. Então, esse tema ficava em um limbo que ninguém tratava dele. Nós temos pouco material doutrinário produzido em geral, e isso não é só no Brasil. Agora que o cenário está começando a mudar – trabalhos, livros, teses de doutorado, dissertações de mestrado sobre o assunto estão sendo publicados.

ConJur — Em sua tese de titularidade em Direito Internacional Privado na Uerj (Extensão e Limites da Jurisdição Brasileira: o Estado-Juiz e o Estado-Parte, publicada pela Juspodium), a senhora afirma que, em algum pontos, princípios podem afastar regras. Em que situações isso pode acontecer?
Carmen Tiburcio
— Essa é grande novidade do livro: eu mostro que os princípios influem sobre as regras em matéria de jurisdição. Por exemplo, na eleição de foro, estamos tratando do princípio da autonomia. A eleição de foro serve tanto para fixar quanto para afastar a jurisdição brasileira. O Judiciário brasileiro pode atuar mesmo em hipótese não prevista na legislação como pode deixar de atuar em hipótese prevista na legislação se as partes escolheram o Judiciário de Londres. Os princípios servem tanto para acarretar o exercício da jurisdição em hipótese não prevista na lei como para afastar as regras e fazer com que o Judiciário brasileiro deixe de atuar em hipótese que ele deveria atuar. Tem também o caso da imunidade de jurisdição, que é um outro princípio que diz que mesmo que seja hipótese prevista no CPC, se o réu é um Estado estrangeiro que goza de imunidade de jurisdição segundo o Direito Internacional, o Judiciário brasileiro não deve atuar. Então, o tempo todo é preciso examinar as regras e os princípios para decidir se a hipótese vai ou não ser apreciada pelo Judiciário nacional.

ConJur — Impulsionado por líderes populistas e nacionalistas, o mundo assiste a uma escalada do isolacionismo, uma tendência que vai na contramão do que se construiu e se pregou no século XX. Como isso pode impactar o Direito Internacional?
Carmen Tiburcio
— Essa questão do preconceito contra o estrangeiro faz parte da história do homem, e agora está muito presente, inclusive em campanhas eleitorais. Há uns 10 anos, um ex-ministro alemão declarou que o alemão estava ficando mais burro por conta dos estrangeiros, dos turcos no país. Então, eu escrevi um artigo para um jornal dizendo que isso estava presente desde sempre. O Direito Internacional é uma resposta a isso. As convenções de direitos humanos que proíbem discriminação com base em origem são respostas do Direito Internacional para isso. E o Direito Internacional tem mecanismos para lidar com essas situações, como refúgio, asilo. O Direito Internacional ajuda a enfrentar esse tipo de preconceito.

ConJur — Como fazer para que países cumpram decisões de tribunais internacionais?
Carmen Tiburcio
— Isso não é um problema no internacional privado, porque as decisões, uma vez homologadas, são executadas como se fossem uma decisão interna. Agora, isso é um problema no internacional público, até na Europa, com a Corte Europeia. Existe um pouco essa questão da soberania de cada país que, às vezes, precisa fazer todo um trabalho para que haja uma mudança na legislação do país para garantir a eficácia da decisão. Isso realmente é um problema, mas não é só um problema do Direito Internacional. Basta ver que a Constituição está cheia de normas que têm pouca efetividade. Segundo ela, todos têm direito a uma moradia, todos têm direito a saúde, mas não é o que ocorre na prática.

ConJur — Como a senhora avalia a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a perda da nacionalidade de uma brasileira por ela ter se naturalizado norte-americana? Com isso, foi autorizada sua extradição para os EUA, onde responderá pelo homicídio de seu marido?
Carmen Tiburcio
— Está certo, que é o que está na Constituição: o brasileiro que, por naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade, perde a nacionalidade brasileira. Se não é para ser assim, que se mude o texto constitucional.

ConJur — Como a senhora avalia a decisão do STJ de não homologar sentença arbitral do caso Abengoa por suspeição do árbitro?
Carmen Tiburcio
— Eu não estudei muito esse caso, mas é a regra geral da ordem pública. Para produzir efeitos no Brasil, uma sentença estrangeira precisa ser homologada. Então, no caso do Brasil, cabe ao STJ a homologação. E o STJ não reexamina o mérito da decisão, ou seja, se o juiz estrangeiro aplicou bem ou não a lei estrangeira, se aquele caso, se julgado no Brasil, teria a mesma solução. Isso não se faz no Brasil, e a tendência, inclusive internacional, é de não se fazer isso. Aqui se faz uma verificação da ordem pública. Então se verifica se algum aspecto da decisão irá ferir gravemente a nossa ordem pública. Não está escrito em lugar nenhum o que fere a nossa ordem pública, então isso é caso a caso. A lógica de concentrar essa análise da ordem publica no STJ é exatamente para ter alguma uniformidade. Nesse caso, o STJ entendeu que feria a ordem pública alguém cujo escritório recebeu um valor considerável como advogado decidir um caso. Isso tem a ver com impedimento para ser arbitro. Agora, essa análise não significa que a corte só vai homologar aquilo que o juiz nacional faria exatamente igual. Se fosse assim, se estaria negando o Direito Internacional Privado. A grande lógica do Direito Internacional Privado é a tolerância com o diferente.

ConJur — Como a senhora avalia o caso do menino Sean Goldman?Carmen Tiburcio — Foi um caso muito triste, porque o menino foi trazido para o Brasil quando tinha quatro anos, em 2004, e só retornou para os EUA em dezembro de 2009. Até então, ele praticamente não tinha visto o pai. Houve um equívoco, porque a Convenção da Haia foi mal aplicada. A convenção estabelece que a criança deve retornar se o pedido é feito até um ano depois da remoção ou retenção ilícita. Isso aconteceu, e, ainda assim, o juiz entendeu que a criança não deveria retornar num primeiro momento, enquanto a mãe ainda estava viva. Depois que a mãe morreu, houve um novo pedido, e a Justiça Federal mandou retornar, o que foi confirmado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) e pelo Supremo Tribunal Federal. A decisão do Supremo foi em dezembro de 2009, e o garoto voltou na véspera de Natal. Foi um caso triste para todos os lados, porque a criança foi trazida para o Brasil, cortou o vínculo com o pai, só tinha contato com a mãe, com o padrasto depois e com os avós. Então a mãe morreu e a criança passou a ser criada pelos avós e pelo padrasto e, de repente, foi mandada embora. Foi tudo errado. O correto, nesse caso, seria que a criança retornasse lá atrás, no primeiro momento. O juiz americano, muito provavelmente, daria a guarda para a mãe, porque a criança era pequena, mas o pai teria visitação. Assim, a criança não teria tido essa mudança abrupta.

ConJur — A senhora é professora da Uerj e está defendendo a mudança da Faculdade de Direito do campus Maracanã, na zona norte do Rio, para o centro. Por que que apoia essa mudança?
Carmen Tiburcio
— Eu apoio por várias razões. Primeiro que a Faculdade de Direito começou no Catete [zona sul do Rio]. A Faculdade de Direito era separada das outras unidades. Isso acontece em muitas outras universidades públicas aqui no Brasil. Ou seja, a Uerj já teve isso – a gente estava fora e depois foi para dentro. A ideia de a gente estar no campus é de ter uma interação com outros cursos, mas isso não acontece muito. E o Direito aqui no centro tem muito mais a ver com os alunos. Tem a proximidade com os tribunais, com os escritórios de advocacia, com os lugares de estágio dos alunos. As especificidades do Direito justificam essa mudança. Na Universidade de São Paulo e na Universidade Federal Fluminense é a mesma coisa: a Faculdade de Direito não é no campus. Então, não é como se a Uerj fosse fazer algo que nunca se fez. E isso vai facilitar muito a vida dos alunos. Principalmente nos cursos de pós-graduação, a gente sente que o fato da Uerj ser mais distante afasta alunos, que acabam preferindo frequentar outras instituições mais próximas.

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