Opinião

QR code é útil para advogado apresentar mais elementos processuais

Autores

  • Antônio Carvalho Filho

    é juiz de Direito professor doutorando em Direito pela PUC/SP e vice-presidente da ABDPro.

  • Luciana Benassi Gomes Carvalho

    é juíza no Tribunal de Justiça do Paraná e professora de Direito Processual Penal. É especialista em Direito Constitucional.

  • Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave

    é doutora em Direito Constitucional pela UFPE. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Graduada em Direito pela PUC-SP. Professora do Curso de Graduação e do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRN. Estágio pós-doutoral na Westifälische Wilhelms-Universität Münster (WWU). Membro da diretoria do IPPC. Membro da ABDPRO. Membro do IBDP. Membro do IBDFAM.

28 de outubro de 2017, 8h40

QR code é a abreviação de quick response code (código de resposta rápida), desenvolvido pela Denso Wave, subsidiária da Toyota, para a finalidade de controle de seu estoque em 1994[1]. Visualmente, é um código de barras bidimensional com capacidade de codificar atalhos para endereços eletrônicos (url e e-mails, inclusive múltiplos), cartões de visitas virtuais (VCard), textos, SMS, PDF, aplicativos, arquivos em geral, imagens e vídeos.

Sua utilização está disseminada em estratégias de publicidade, para redirecionamento a lojas virtuais, concessão de cupons de desconto, apresentação de vídeos promocionais ou qualquer outro conteúdo adicional que a estratégia programou.

Recentemente, a ConJur[2] noticiou a utilização do QR code por uma banca de advocacia em uma petição, com o direcionamento para o vídeo explicativo da peça produzido pelo advogado signatário. A iniciativa — ousada e criativa — gerou muito debate nos meios jurídicos e abriu nova vertente para a prática postulatória e se mostrou capaz de ensejar a mudança de alguns paradigmas procedimentais clássicos.

A solução utilizada não é de grande novidade tecnológica, pois tanto a codificação utilizada, quanto a mídia em vídeo existem há um bom tempo. A inovação não se deu propriamente pelo uso do QR code ou do vídeo, mas sim pela finalidade que ambas as tecnologias se prestaram, qual seja, a de proporcionar o contato, embora virtual, entre advogado e juiz.

Seja como for, essa iniciativa abre um sem número de possibilidades e questionamentos para a utilização judicial do QR code, especialmente em petições. A capacidade de codificação QR e os diversos dados que ele poderá conter dão a dimensão de sua utilização nos processos em geral.

De pronto, devemos ter atenção para o regramento dos atos processuais no Código de Processo Civil. O artigo 188 do CPC estabelece que os atos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente o exigir. Existem determinados atos processuais, portanto, que exigem forma específica, como é o caso da petição inicial (art. 319 do CPC), da contestação (art. 335 do CPC), do agravo de instrumento (art. 1.016 do CPC) e da apelação (art. 1.010 do CPC), já que esses atos devem ser praticados na forma escrita por petição e em vernáculo[3] (art. 192 do CPC).

Isso impede, portanto, a apresentação de petição inicial, contestação ou recurso através de vídeo, por exemplo, com a juntada de petição que contivesse, exclusivamente, um QR code. A razão para a exigência da forma escrita nos atos de postulação visa à delimitação de seu conteúdo e, consequentemente, a sua compreensão e o seu controle racional.

A exigência legal de forma para determinados atos processuais encerra “micro-garantia” no plano infraconstitucional decorrente da “macro-garantia” devido processo legal[4] (art. 5º, LIV, CF), para o exercício adequado e faticamente controlado do contraditório (art. 5º, LV, CF).

Por mais “plasticizado” e “modelável” que o procedimento seja[5], é certo que deve haver um limite à utilização das novas tecnologias nos processos judiciais. A questão é saber qual é esse limite.

Num primeiro momento, parece-nos que a previsão legal, expressa, de que determinados atos devam ser praticados por meio de “petição” (como a contestação, a apelação e o agravo de instrumento) configura limite legal à utilização da tecnologia para a prática de tais atos, não havendo que se falar em aplicação da “instrumentalidade das formas” (arts. 188, in fine e 277, do CPC) como pretexto para afastar a forma escrita dos atos.

Em primeiro lugar, porque as garantias fundamentais do devido processo legal e do contraditório, de cariz constitucional, não cedem espaço para uma regra informadora sobre nulidades. Em segundo, porque o prejuízo na utilização da forma oral ou audiovisual nesses atos é de prejuízo in re ipsa, presumível, pois não traz consigo a mesma segurança interpretativa que o texto.

Saliente-se, outrossim, que essas regras sequer podem ser objeto de convenção processual (art. 190 do CPC), pois que não estão na esfera de disposição das partes, o que resulta na sua ineficácia (plano da eficácia) em relação ao Poder Judiciário – um dos destinatários do debate realizado pelas partes, com vistas às decisões interlocutórias e sentença ao final.

Vige, entre nós, o princípio da legalidade das formas[6], cuja mitigação apenas se observa nos atos nos quais a finalidade foi atingida em sua perfeição[7] (instrumentalidade das formas – art. 277 do CPC).

Ainda nesta esteira, todos os atos processuais e seus elementos instrutórios que possam ser materializados, pela forma escrita, devem estar acessíveis de imediato nos próprios autos, independentemente de sua plataforma — eletrônica ou física —, pelo que devem ser efetivamente juntados aos autos, e não por meio de códigos ou links.

Em outras palavras, todos os escritos nos diversos atos processuais devem estar juntados nos autos, pois assim se garante a integridade da autuação[8], ou seja, que o ato processual e sua instrução (documentos, pareceres, doutrina, jurisprudência etc) permaneçam nos autos conforme produzido pelas partes, pelo juiz e seus auxiliares[9], na melhor tradição do brocardo latino “non quod est in actis non est in mundo”, ou seja, “o que não está nos autos, não está no mundo”.

Contudo, a utilização do QR code ainda pode trazer inovações disruptivas[10] importantes para o processo ou mesmo na prática forense. Vejamos alguns exemplos:

a) Envio de vídeo explicativo: na esteira do exemplo dado acima, é possível que o advogado exerça a sua prerrogativa de “dirigir-se aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho” (art. 7º, VIII, da Lei 8.906/94) por meio remoto, através de QR code (ou diretamente por URL específico). Trata-se, portanto, da prática de “despacho virtual” com o juiz ou dos famigerados “embargos auriculares”, ou, em outras palavras, em um elemento paratextual de postulação;

b) Envio de vídeo contendo prova: Levando em consideração que os autos físicos e mesmo os autos eletrônicos não admitem o acesso imediato a determinados formatos de arquivo (vídeos, simuladores etc), bem como o fato de serem admissíveis no processo todos os meios de prova não vedados (art. 369 do CPC), é possível que a parte ou os auxiliares da justiça, tais como os peritos e oficiais de justiça, utilizem o QR code como atalho de redirecionamento para o conteúdo que integra a prova documentada. Portanto, é possível que uma prova em vídeo seja apresentada desta maneira;

c) Produção de prova por meio de simulação em 3D: outra hipótese de utilização do QR code no âmbito probatório é o uso do código para redirecionar o usuário para uma simulação em 3D e totalmente controlável (por exemplo, numa prova pericial automobilística, utilizar a reconstituição da dinâmica do acidente);

d) Permissão de acesso a ambiente virtual exclusivo: o código pode também ser utilizado — mesmo sem usuário e senha — para algum ambiente de intranet ou mesmo de internet, mas restrito a cadastro, que seja objeto de disputa fática entre as partes. As possibilidades, neste ponto, beiram ao infinito.

e) Utilização de recursos de realidade aumentada[11]: os recursos de realidade aumentada permitem a reconstituição e a reconstrução de fatos litigiosos, tais como cenas de crimes, dinâmicas de acidentes automobilísticos ou de agressões, situações de abordagem policial, influências climáticas, da luz do sol ou escuridão etc.

f) Acesso a cópias de documentos: é possível que as partes firmem convenção processual (ainda que em fase pré-processual) para que a parte adversa apresente QR code ou URL para acesso às cópias dos documentos que instruem os seus articulados.

g) Indicação do local específico da ocorrência de um fato: o QR code pode remeter às aplicações Google Maps, Google StreetView ou similares, tornando mais clara a indicação de um determinado local, o que pode ser muito relevante numa ação demarcatória ou de usucapião.

h) Indicação de atalho para acesso aos autos eletrônicos: o QR code pode facilitar o casso aos autos eletrônicos para as partes que normalmente não estão cadastradas na plataforma, na modalidade OTP (one time password), ou seja, senha única de acesso;

i) Indicação de atalho para os autos físicos: nos cartórios com autos físicos, o QR code pode ser utilizado como atalho para sua localização, como já acontece com diversas bibliotecas[12];

j) Indicação de atalho nas cartas e mandados de citação e/ou de intimação: o QR code pode ser utilizado pelo Poder Judiciário como atalho para o endereço físico da Vara, o local e o horário da audiência, que poderá ser facilmente exportado para a agenda eletrônica do smartphone do usuário;

k) Indicação de atalho para doutrina: o código pode remeter a vídeos nos quais se veiculam pareceres gravados especialmente para o caso ou então aulas, palestras ou doutrina em formato audiovisual, como é o programa Falando de Processo 365, da Associação Brasileira de Direito Processual[13].

l) Indicação de atalho para prova documental com tamanho incompatível com a autuação: o QR code pode indicar o redirecionamento, excepcionalmente, para prova documental ou documentada quando o seu tamanho físico prejudique a sua compreensão e autuação (autos físicos), ou então a dimensão do arquivo for superior à capacidade máxima de juntada nos autos eletrônicos e seu fracionamento, se impossível ou inconveniente para sua compreensão.

Note-se, por tudo, que o QR code não é a tecnologia de inovação em si, mas apenas o caminho, o atalho, para acesso a determinadas informações paratextuais em ambiente extra-autos. É, em outras palavras, a ponte de ligação dos autos para outros ambientes, transformando-os na própria autuação. Tem, portanto, o QR code a propriedade de “alargamento dos autos” (físicos ou eletrônicos), para agregar as informações de destino do código.

O QR code deve ser utilizado como artifício para incluir nos autos elementos não textuais, em regra, possibilitando, assim, o alargamento da autuação para o conteúdo codificado.

Deste modo, os conteúdos de destino dos QR codes integram os autos e, consequentemente, devem ser submetidos ao contraditório (art. 5º, LV, da CR e art. 9º e 10 do CPC), bem como serão, posteriormente, objeto de cognição e consideração judicial, inclusive sobre a exigência da fundamentação de que trata o art. 489, § 1º, IV, do CPC, possibilitando efetivo controle das partes acerca da avaliação do julgador a respeito daquilo que foi veiculado pelo código.

Questão importante e que certamente será objeto de polêmica, tendo em vista a potencialização de sua utilização, é a utilização de vídeos como elementos paratextuais de postulação por advogados em analogia às audiências pessoais com os julgadores, os famosos “embargos auriculares”. Eles servem como elemento de cognição judicial? Devem se submeter ao contraditório prévio das partes?

Qual a função da entrevista pessoal do advogado com o juiz? Embora não haja nenhuma cartilha sobre isso, parece ser intuitivo que a única razão para a entrevista é a apresentação de pontos relevantes da postulação realizada pelo advogado[14]. Neste ponto, é defeso ao advogado apresentar qualquer inovação argumentativa ou a apresentação de fatos que não estejam devidamente narrados nos autos. Caso o advogado viole essa proibição, não pode o juiz levar esses elementos trazidos pela oralidade informal. Tratam-se, portanto, de alegações que não integram os autos.

Embora o vídeo gravado e dirigido ao juiz em substituição à entrevista reservada possibilite o controle da atuação do advogado pela parte adversa, entendemos, como já salientado acima, que ele não pode substituir, complementar ou mesmo alterar a postulação por escrito, salvo no caso dos Juizados Especiais. Isso porque a regra processual para a prática dos atos postulatórios, como afirmado acima, em geral, exige a forma escrita. As hipóteses nas quais a postulação processual pode ser realizada oralmente são previstas em lei.

Com efeito, o vídeo, apresentado por QR code ou URL, que faz as vezes da audiência pessoal, sofre as mesmas limitações desta última. Portanto, o que rege a necessidade ou não do contraditório prévio à decisão não é, propriamente, o vídeo (de “embargos auriculares”), mas a peça à qual ele se refere.

De outra banda, levando em consideração ser direito do advogado a audiência pessoal (art. 7º, VIII, da Lei 8.906/94), entendemos que o juiz está obrigado a realizar a leitura do QR code e a assistir o vídeo, se nesta condição for apresentado pelo causídico. É uma ferramenta tecnológica que visa transpor barreiras físicas e geográficas e permitir o pleno exercício dos interesses da parte perante o Poder Judiciário.

A possibilidade da postulação de inicial, contestação ou mesmo da interposição de recursos através de recurso de áudio ou de vídeo é solução a ser aquilatada melhor pela doutrina e por nosso legislador, de lege ferenda, não podendo ser objeto de alteração pelo juiz ou pelas partes.


[1] Disponível em https://goo.gl/Ydetu9, acesso em 03.10.17.

[2] Disponível em https://goo.gl/VQtVCH, acesso em 03.10.2017.

[3] CARVALHO FILHO, Antônio. Art. 188, in: CUNHA, José Sebastião Fagundes (coord.). Código de Processo Civil comentado, São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 398.

[4] Sobre devido processo legal em sua dimensão processual, Cf. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, 12. ed., São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2016, pp. 113-114.

[5] O exemplo, por excelência, da flexibilização do procedimento decorre das convenções processuais típicas e atípicas (arts. 190 e 191 do CPC). A possibilidade da cláusula aberta de convenção processual e da calendarização dos atos processuais representam a exaltação da autonomia da vontade das partes na formação do procedimento que atenda à solução no tempo e no modo desenhado pelos litigantes. De pronto, entendemos que não é possível ao juiz flexibilizar voluntariamente o procedimento, salvo nas hipóteses de inconstitucionalidade por violação a garantias processuais, ou então nos casos expressamente previstos na lei e que estejam de acordo com a visão do processo enquanto instituição de garantias, como é a hipótese de cumprimento da tutela antecipada e/ou cautelar de urgência (art. 297 do CPC – em que as regras sobre cumprimento da sentença e execução servem apenas como “parâmetros operativos” para a obtenção efetiva da tutela) ou da adequação do procedimento às necessidades do conflito (nos exatos termos do art. 139, VI do CPC).

[6] CUNHA, Leonardo Carneiro da. Comentários ao Código de Processo Civil : arts. 188 ao 293 – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 42.

[7] Como no caso do art. 239, § 1º, do CPC, que prevê a dispensa da citação para o caso de comparecimento espontâneo e em outros casos.

[8] Para os autos eletrônicos, ver a disciplina do art. 12, § 1º, da Lei 11.419/2006.

[9] CARVALHO FILHO, Antônio. Art. 195, in: CUNHA, José Sebastião Fagundes (coord.). Código de Processo Civil comentado, São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 414.

[10] A inovação disruptiva não decorre da criação de uma novidade como o surgimento de uma nova tecnologia. Trata-se de um fenômeno de transformação de uma prática a partir da introdução de simplicidade, conveniência e acessibilidade para determinado fim, solucionando, assim, questões que eram ditas por complicadas anteriormente. Para aprofundamento CHRISTENSEN, Clayton M., RAYNOR, Michael E., MCDONALD, Rory. What is Disruptive Innovation? Harvard Business Review, Dezembro de 2015, p. 44-53, disponível em https://goo.gl/PwMsnF, acesso em 17.10.17.

[11] SARACENI, Gabriela Souza. QR code como realidade aumentada: mobilidade e cibridismo na sociedade cibercultural, disponível em https://goo.gl/FzRGDc, acesso em 03.10.17.

[12] ADEBAYO, Niyi. QR code: Implication for library and Information Centre Usage, disponível em https://goo.gl/ydge2W, acesso em 03.10.2017.

[13] Que poderão ser encontrados no Facebook: www.fb.com/abdprocessual; ou no YouTube: https://goo.gl/hofDXH.

[14] Sugerimos a leitura de interessante artigo de Aury Lopes Jr. E Alexandre Morais da Rosa apresentam um briefing formal dos embargos auriculares. Cf. LOPES JR, Aury; ROSA, Alexandre Morais da. Dica para quando você for recebido por um julgador: Embargos AuryCulares, in Revista Conjur, Disponível em https://goo.gl/3CetCZ, acesso em 05.10.2017.

Autores

  • é juiz no Tribunal de Justiça do Paraná e professor de Direito Processual Civil nos cursos de especialização da UNISUL, CESUL, Toledo-Prudente e UFP e membro-fundador e Diretor de Comunicação Social da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). É doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), mestre em Processo Civil pela Universidade de Coimbra, especialista em Direito Internacional Público e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra e Instituto Ius Gentium Conimbrigae.

  • é juíza no Tribunal de Justiça do Paraná e professora de Direito Processual Penal. É especialista em Direito Constitucional.

  • é professora do Curso de Graduação e do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRN, doutora em Direito Constitucional pela UFPE; mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP.

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