Prioridades da Carta

Crise tem sido desculpa para ignorar Constituição, diz Daniel Sarmento

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28 de outubro de 2017, 8h07

A garantia dos direitos sociais em tempos de crise envolve escolhas distributivas. Por isso, não pode o Rio de Janeiro deixar de pagar funcionários e aposentados, enquanto muitos juízes daquele estado multiplicam seus salários através de subsídios. Se o país está em crise, é preciso coragem para botar o dedo na ferida. Levar a Constituição a sério é obedecer a moralidade e as prioridades estabelecidas na Carta.

Essa é a reflexão de Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado Rio de Janeiro. Ele participou de debate com o desembargador federal Néviton Guedes e com o desembargador e professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Ingo Sarlet, ambos colunistas da ConJur. O encontro se deu no XX Congresso Internacional de Direito Constitucional, promovido pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, em Brasília. 

Sarmento afirmou que a Constituição foi a consagração de direitos e que essas conquistas não podem ser deixadas de lado sob o argumento da crise econômica. Principalmente entre os economistas, disse, circula uma tese de que os problemas financeiros do país permitem que se institua um estado de exceção econômica, no qual, devido às dificuldades financeiras, não há como proteger os direitos sociais. “Se essa ideia prevalecesse, seria o mesmo que suspender a Constituição”, criticou.

Ele aproveitou para falar sobre a Emenda Constitucional 95/2017, que impõe um teto de gastos para a Administração Pública. “Os efeitos são drásticos. Congelaram os gastos por 20 anos, mas esqueceram de alguns detalhes: o Brasil, por exemplo, tem um gasto per capta em saúde e educação muito abaixo dos dados considerados ideais e inclusive abaixo do investimento feito em países similares ao nosso. Além disso, esqueceram a perspectiva de crescimento populacional. Por último, quando aprovaram essa emenda, acreditava-se que haveria uma reforma na Previdência social, o que não deve acontecer”, disse.

O desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região Neviton Guedes ressaltou que o Judiciário deve se conter e respeitar a separação entre os Poderes e a vontade dos legisladores. A Constituição, explicou, não assegura direitos, assegura condutas. “Juiz nenhum é Deus para entregar saúde, vida ou algo parecido. Pode entregar condutas que levam isso, e essas duas coisas são diferentes”, afirmou. Como representantes da população, são os parlamentares que têm a primazia de concretizar políticas públicas”, argumentou. “A Carta garante saúde, trabalho, lazer, moradia e segurança. Mas a Constituição não instaura o paraíso pelo simples fato de existir, palavras não criam coisas, e às vezes os juízes estão esquecendo disso”, criticou.  

A Constituição, afirmou, impõe limites a escolhas políticas e econômicas do legislador para concretizar as normas constitucionais. Ao Judiciário, cabe impor o controle. “Foi um ganho da civilização a separação funcional entre os sistemas econômico, político, religioso, judicial. O que vemos crescer é a mentalidade do tempo em que a religião controlava tudo e subjugava o sistema do Direito. No Brasil, queremos fazer o caminho contrário, fazer com o que o direito submeta códigos de outros subsistemas. O que me parece incrível é que pessoas se surpreendam quando nada disso der certo”, alertou.  

Já Ingo Sarlet citou um caso da Alemanha para dar um exemplo de como o Judiciário brasileiro deveria agir. Em 2010, o Legislativo alemão aprovou uma reforma social, mas a iniciativa foi barrada no tribunal constitucional daquele país. “A corte alemã entendeu que havia inconstitucionalidade pelo fato de o Legislativo não ter demonstrado de forma acessível ao cidadão médio os critérios que embasaram a decisão política de mudar, por exemplo, as regras previdenciárias. O tribunal entendeu que poderia ser feita uma reforma, desde que com transparência e controle social”, relatou, fazendo uma comparação com reformas discutidas no Brasil.

Nesse cenário de crise, há um afastamento grave do controle social no país, lamentou. Ele lembrou que, apesar de a Constituição prever a participação da população, desde 1988 não foi feito nenhum referendo no país.

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