Evento do IDP

José Serra e Eunício Oliveira defendem parlamentarismo e voto distrital misto

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26 de outubro de 2017, 13h54

O Brasil deveria desistir do presidencialismo e adotar o parlamentarismo, porque esse sistema de governo é equilibrado e permite que as crises políticas sejam solucionadas mais facilmente, sem nenhum tipo de ruptura drástica. Mas, antes desse passo, o país deveria reformar seu sistema eleitoral para escolha de membros do Legislativo, adotando o voto distrital misto, que é uma combinação do voto proporcional e do majoritário.

Geraldo Magela/Agência Senado
Para Serra e Eunício Oliveira, Brasil deveria desistir do presidencialismo e adotar o parlamentarismo.
Geraldo Magela/Agência Senado

A análise foi feita na noite desta quarta-feira (25/10) pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e o senador José Serra (PSDB-SP), durante o XX Congresso Internacional de Direito Constitucional, promovido pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, em Brasília. Neste ano, o evento está discutindo sistema de governo, governança e governabilidade.

Para Serra, o que é motivo de crise no presidencialismo, isto é, a mudança do presidente antes do fim do mandato por meio de impeachment como ocorreu, por exemplo, com Dilma Rousseff, vira solução no parlamentarismo com a saída do primeiro ministro que perde a confiança da maioria e a formação de um novo governo.

Em outras palavras, o sistema, para o tucano, é mais flexível ao permitir que as crises políticas sejam resolvidas com voto de censura e consequente queda do governo ou até mesmo dissolução do parlamento com novas eleições. Ele afirma também que é mito a ideia de que no parlamentarismo o Congresso vai ter mais poder do que atualmente. Para ele, hoje os parlamentares já impõem muitas limitações ao Executivo, se quiserem.

De acordo com Serra, o novo sistema vai contribuir para controle de gastos pelo fato de o governo ser formado pela maioria no Congresso. Por isso, nas palavras dele, no parlamentarismo a maioria tende a ser mais “solidária” com o governo, havendo mais cooperação entre os Poderes e reduzindo propostas que provoquem aumento de gastos e que podem prejudicar as contas do governo e a economia do país.

Na avaliação de Eunício, em regimes parlamentares como na Inglaterra e Suécia, os partidos políticos são mais sólidos e definidos ideologicamente. Além disso, as coalizões são formadas em torno de projetos de governo claramente estabelecidos e debatidos com a sociedade. “Portanto, há mais transparência e comunicação entre Executivo e Legislativo”, afirmou. O político acrescenta que será mais fácil aprovar leis e haverá menos espaço para corrupção devido à “diluição” do poder.

Ao lembrar que o PSDB foi criado por bloco de parlamentares constituintes que defendiam o parlamentarismo, Serra afirmou que “não há perigo” de o presidencialismo dar certo no Brasil. “Não é que eu deseje insucesso, mas na prática é o que vejo”, analisou. “Mesmo que se eu fosse presidente seria difícil o presidencialismo dar certo ”, acrescentou o político, que disputou a Presidência duas vezes e saiu derrotado. Apesar da constatação, Serra revelou que a ainda sonha com o Planalto ao afirmar que não vai deixar de ser presidente se surgir oportunidade.

Falando sobre instabilidade política e a necessidade de se gerar governabilidade sem o que chamou de “altos custos” do atual presidencialismo de coalização, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, lembrou de fala do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em evento promovido pelo IDP em Lisboa (Portugal), em abril deste ano. Na ocasião, o ex-presidente reconheceu que no Brasil houve avanços no processo democratização, mas lembrou que, desde 1989, dos quatro presidentes popularmente eleitos, dois (Dilma e Fernando Collor) sofreram impeachment. Nos dois casos houve alegações de corrupção, mas FHC reconhece que os presidentes caíram porque perderam as condições políticas para governar.

Gilmar, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral, relata que o deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP), que já comandou a Câmara, participava do evento e concordou com FHC, fazendo a consideração de que não por acaso tanto Luiz Inácio Lula da Silva quanto FHC eram dotados de incontáveis habilidades políticas, inclusive na relação com o Congresso. “Portanto, são dados que nos incentivam a pensar o sistema de maneira mais duradoura”, afirmou Gilmar.

Voto misto
Tanto Serra como Eunício apresentaram projetos para implantar o voto distrital misto no país. A proposta está sendo debatida no Congresso atualmente. Ambos esperam que a alteração seja aprovada até o fim deste ano para valer a partir das eleições de 2020.

No sistema, os eleitores têm dois votos: um para candidatos no distrito e outro para os partidos. Os votos em legenda (sistema proporcional) são computados em todo o estado ou município, conforme o quociente eleitoral, que é a total de cadeiras divididas pelo total de votos válidos. Já os votos majoritários são destinados a candidatos do distrito, escolhidos pelos partidos políticos, vencendo o mais votado.

Para o presidente do Senado, o sistema pode aprimorar o modelo eleitoral porque facilita a aproximação entre os cidadãos e os parlamentares. De acordo com ele, esse tipo de voto também fortalece os partidos porque obriga as agremiações a apresentar projetos de longo prazo.

Já Serra calcula que as despesas de campanha com o novo sistema diminuem de cinco a dez vezes, o que suaviza a influência do poder econômico no pleito e aumenta o grau de representatividade no Congresso. “Não dá para ter parlamentarismo sem mudar o sistema eleitoral.”

Anais da constituinte
Serra, que foi integrante da constituinte, diz que na época havia preocupação dos participantes quanto ao sistema de governo que o país adotaria após a criação da nova Constituição. Segundo ele, houve uma “luta grande” para a implantação do parlamentarismo. Ele conta que a comissão de sistematização já tinha escolhido o parlamentarismo, só que a escolha foi derrubada pelo plenário.

O senador relembra um episódio interessante sobre o tema envolvendo José Sarney, então presidente do país. Como o político maranhense sucedeu Tancredo Neves, ele tinha, teoricamente, seis anos de mandato, conforme a Constituição de 1967. Mas a constituinte em andamento levantou a discussão se Sarney deveria ficar no Planalto por seis anos ou se havia a necessidade de fixar novo prazo para o mandato presidencial. Ou, ainda, um período específico que valeria só para Sarney. O assunto, de acordo com Serra, foi o “mais controvertido” da constituinte.

O senador conta que o ex-presidente Sarney pediu cinco anos de mandato para si em troca do apoio ao parlamentarismo. Como não foi atendido num primeiro momento, continua Serra, pela própria liderança do PMDB, arregimentou outros políticos e conseguiu derrubar o parlamentarismo. E, detalhe, ganhou o direito de permanecer cinco anos na Presidência. “Penitencio-me porque era a favor da proposta feita por Sarney, mas não me manifestei publicamente por uma questão política”, afirma Serra.

O tucano se recorda ainda que o máximo que os apoiadores do parlamentarismo conseguiram na ocasião foi a previsão de um plebiscito, realizado em 1993 e que sagrou o presidencialismo como vencedor da consulta popular. Na opinião de Serra, o tema é muito complexo para ser decidido por meio de plebiscito.

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