Doações anônimas

Organização mostra como o dinheiro move decisões judiciais nos EUA

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26 de outubro de 2017, 9h38

A organização conservadora Judicial Crisis Network (JCN) gastou US$ 17 milhões em anúncios publicitários para influenciar a nomeação do juiz que iria substituir o ex-ministro Antonin Scalia, que morreu em fevereiro de 2016, na Suprema Corte dos EUA.

Em março do ano passado, depois que o ex-presidente Obama escolheu o juiz Merrick Garland para ocupar o cargo vago, os líderes do Partido Republicano no Senado decidiram bloquear a nomeação. Declararam que o novo ministro deveria ser nomeado pelo presidente que tomaria posse em fevereiro de 2017.

A atitude dos senadores repercutiu mal na opinião pública. Assim, a JCN investiu US$ 7 milhões em anúncios publicitários que elogiavam a atitude dos senadores republicanos e criticavam o juiz Merrick Garland. Foi um esforço para reverter a repercussão negativa da atitude dos senadores que, no final das contas, deixou o cargo vago por mais de um ano.

Depois que o presidente Trump foi eleito, ele escolheu para a Suprema Corte o juiz Neil Gorsuch, ainda mais conservador que Scalia. Desta vez, a JCN investiu US$ 10 milhões em anúncios para buscar apoio da opinião pública à nomeação de Gorsuch para a Suprema Corte.

O Senado confirmou a nomeação de Gorsuch em 7 de abril de 2017 na marra. Eram precisos dois terços dos votos, mas os senadores democratas decidiram dar o troco aos republicanos e não participaram do processo de nomeação. Assim, para garantir a nomeação, os senadores republicanos mudaram as regras da Casa, para confirmar Gorsuch por maioria simples. Foi preciso mais anúncios para acalmar a opinião pública.

Por que a JCN, e não um comitê de ação política (PAC) do Partido Republicano, empregou todo esse dinheiro em anúncios para influenciar a nomeação de um ministro conservador para a Suprema Corte? Porque a JCN é uma organização que opera com dark money.

Dark money pode ser traduzido como “dinheiro obscuro”, mas significa “dinheiro anônimo” ou “dinheiro que é operado no escuro”. Isso porque uma organização dark money não precisa divulgar o nome de seus doadores (ou de onde o dinheiro veio) e podem receber doações ilimitadas de corporações, indivíduos, sindicatos e outras organizações igualmente dark money. Ou seja, os doares verdadeiros permanecem anônimos.

Mas a JCN, como toda entidade sem fins lucrativos nos EUA têm de divulgar suas declarações de imposto de renda. Assim, a organização MapLight, que se dedica a “revelar a influência do dinheiro na política” fez uma incursão pela influência do dinheiro no Judiciário e conseguiu uma cópia da declaração de imposto de renda da JCN.

Essa declaração do IR mostra que a organização recebeu uma contribuição de US$ 17,9 milhões de um único doador protegido pelo anonimato. Mas a MapLight investigou e descobriu que a provável doadora é outra organização dark money, chamada Wellspring Committee. As duas organizações têm diretores da mesma família e é, frequentemente, a única organização que faz contribuições regulares a JCN.

Uma organização dark money não é uma organização secreta, que opera no escuro e muito menos ilegal. Elas fazem parte da política dos EUA há tempos. E a JCN não é a única no país, nem a mais forte. Elas investiram US$ 300 milhões nas eleições presidenciais de 2012 e mais de US$ 174 milhões nas eleições para o Congresso de 2014.

A organização dos “Irmãos Koch”, que atua em defesa dos interesses dos bilionários, é a mais forte. Nas eleições de 2012, por exemplo, eles contribuíram com um quarto dos investimentos de todas as organizações dark money nas eleições presidenciais. A grande maioria dessas organizações atuam em favor do Partido Republicano (conservador).

Interesse no Judiciário
Tais organizações têm grande interesse na nomeação ou eleição de juízes e ministros, como na eleição de políticos, porque o país está radicalmente dividido entre conservadores-republicanos e liberais-democratas. Ter uma Suprema Corte com maioria conservadora ou liberal, assim como tribunais e juízes conservadores ou faz uma grande diferença nos destinos do país e dos negócios.

O caso da JCN é apenas um exemplo, oferecido pela MaLight, para ilustrar o interesse das organizações dark money no Judiciário. Apesar do alto investimento que a organização fez nas nomeações para a Suprema Corte ter chamado a atenção nacional, ela também emprega quantias substanciais de dinheiro em iniciativas estaduais conservadoras e nas nomeações ou eleições de juízes, segundo a MapLight.

A JCN fez uma contribuição, por exemplo, e US$ 1,4 milhão à Wisconsin Alliance for Reform, outra organização dark money, que investiu US$ 1,5 milhão na reeleição da ministra conservadora Rebecca Bradley para o Tribunal Superior de Wisconsin. A ministra, que havia descrito o ex-presidente Bill Clinton como “abraçador de árvores, assassino de bebês, maconheiro, queimador de bandeira, amante de queers (uma gíria para LGBT), despejo de boi e adúltero socialista radical dos anos 60”, tomou posse em 2015.

Na campanha eleitoral para o Tribunal Superior de Arkansas, a JCN investiu mais de US$ 600 mil em anúncios que atacavam a ministra liberal Courtney Goodson. E contribuiu com US$ 300 mil para uma campanha em Nebraska, que visava impedir que o estado extinguisse a pena de morte.

Na Carolina do Norte, investiu US$ 200 milhões, através da Câmara de Comércio do estado, na eleição do candidato conservador Robert Edmunds. E fez uma contribuição de US$ 1,2 milhão à Associação Republicana dos Procuradores Gerais, para ajudar a eleger republicanos-conservadores para o cargo.

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