Opinião

A morte do reitor e o que não aprendemos com o caso Escola Base

Autores

  • Deivid Willian dos Prazeres

    é advogado criminalista diretor-tesoureiro da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de Santa Catarina e presidente da Comissão de Direito Penal da OAB-SC.

  • Hélio Rubens Brasil

    é advogado criminalista presidente da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de Santa Catarina e membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros.

13 de outubro de 2017, 6h57

Eleito democraticamente por sufrágio direto dos docentes, estudantes e servidores ao cargo de reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo — o Cao, como era conhecido pelos mais próximos — era graduado em Ciências Jurídicas e pós-graduado pela UFSC, onde recebeu os graus de mestre (2001) e doutor (2003) em Direito.

Além disso, foi chefe do Departamento de Direto e diretor do Centro de Ciências Jurídicas da universidade. Atualmente, era professor do programa de mestrado e doutorado da instituição.

Militante aguerrido de causas sociais, Cao foi engajado com o movimento estudantil, tendo lutado contra a ditadura militar e participado de campanhas pela anistia, pelas Diretas Já e pela Constituição de 1988, tendo exercido, ainda, a profissão de jornalista e advogado.

Apesar de sua relevante trajetória de vida, foi surpreendido no último dia 14 de setembro com um mandado de prisão temporária expedido a requerimento da autoridade policial para o aprofundamento das investigações na denominada operação ouvidos moucos, sob a alegação de que supostamente teria tentado, na qualidade de reitor, atrapalhar investigações no âmbito administrativo (Corregedoria) da UFSC, sem que sequer tenha sido previamente intimado para comparecer na sede da Polícia Federal.

Utilizando-se de conhecido e maldoso recurso de semiótica, que confunde título e imagem com conteúdo diverso de notícia, os meios de comunicação transformaram uma investigação recém-nascida pela anômala infração de "tentativa de obstrução administrativa" em "desvio de verbas públicas", o que foi catalisado por autoridades públicas que, antes mesmo de concluir o torturante interrogatório, sem pausa, de mais de cinco horas, montavam o picadeiro que seria fator determinante para sua morte.

Foi assim que, no dia 2 de outubro, nosso escritório recebeu a triste notícia de que o processo penal do espetáculo fez mais uma vítima fatal, nosso estimado amigo e cliente Luiz Carlos Cancellier de Olivo.

Quem milita na área sabe o poder destrutivo que o excesso de exposição possui na vida de uma pessoa, sobretudo quando se é alvo de divulgação de informações distorcidas.

A mentira, reiterada até na data de sua morte por grandes veículos de comunicação, inclusive jurídicos, poderia ter sido facilmente desmentida pela rápida leitura da peça que inaugura o inquérito, mas não renderia tantos "cliques" quanto a humilhação pública do sujeito, motivo pela qual provavelmente foi ignorada.

O trágico e indigesto episódio, que ainda mantém todos consternados e incrédulos, trouxe a lembrança de fato similar ocorrido no bairro da Aclimação, na cidade de São Paulo, em meados 1994, que ficou conhecido como caso Escola Base.

Naquela oportunidade, a imprensa, fazendo um julgamento paralelo àquele originalmente incumbido ao Poder Judiciário, divulgou tendenciosamente determinados fatos e condenou sumariamente quatro pessoas pela prática de crimes sexuais envolvendo crianças numa escola de São Paulo.

A malfadada denúncia, constantemente alimentada por um delegado ávido por holofotes, logo ruiu, e todos os indícios apontados como provas cabais do fato foram comprovados inverídicos e infundados, colocando fim àquele processo penal do espetáculo.

O estrago, contudo, estava feito e era irremediável, especialmente para as vítimas inocentes injustamente acusadas, que morreram antes mesmo de a injustiça ser definitivamente reparada pelas autoridades competentes.

Muito embora tal conduta tenha repercutido negativamente e gerado inúmeras críticas não só por atores jurídicos como também por integrantes do próprio meio jornalístico, no dia 2, para nosso profundo pesar, presenciamos de perto o mesmo erro ser praticado em circunstâncias muito parecidas às do famigerado caso Escola Base.

Agora, além da reputação manchada por inverdades (vide comentários raivosos do senso comum que inundaram as redes sociais), fica a tristeza para os familiares e amigos por essa insuperável perda.

Que sua dolorosa partida sirva de reflexão para todos, especialmente àqueles que, entorpecidos por ego e vaidade, extrapolam suas funções institucionais, e aos demais que divulgam e replicam notícias de maneira açodada e equivocada, destruindo carreiras, reputações e vidas.


Referências
BAYER, Diego Augusto. AQUINO, Bel. Julgamentos Históricos: casos que marcaram época e algumas mazelas do processo penal brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.
CONJUR. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-out-02/reitor-ufsc-afastado-suspeita-corrupcao-comete-suicidio. Acesso em 3 out. 2017.
DAMIAO, Carlos. Quem matou o reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier? Disponível em: <https://ndonline.com.br/florianopolis/coluna/carlos-damiao/quem-matou-o-reitor-da-ufsc-luiz-carlos-cancellier>. Acesso em 3 out. 2017.
FOLHA DE SÃO PAULO. Reitor afastado da UFSC é encontrado morto em shopping de Florianópolis. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/10/1923554-reitor-afastado-da-ufsc-e-encontrado-morto-em-shopping-de-florianopolis.shtml. Acesso em 3 out. 2017.
GALLI, BRASIL, PRAZERES. Nota de pesar. Disponível em: https://gallibrasil.adv.br/nota-de-pesar/. Acesso em 3 out. 2017.
MARTINES, Fernando. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-out-02/morte-reitor-ufsc-mostra-face-cruzada-corrupcao. Acesso em 3 out. 2017.
PRAZERES, Deivid Willian dos. A influência da mídia no processo penal: A informação em detrimento da presunção de inocência. 2011. Monografia (Graduação em Direito) — Universidade do Sul de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.
PRAZERES, Deivid Willian dos. A criminalização midiática do sex offender: a questão da Lei de Megan no Brasil. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.
RIBEIRO, Alex. Caso Escola Base: Os abusos da imprensa. 2. ed. São Paulo: Ática, 2003.

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