Sem desvio

Título rural pode ser usado para operação de hedge, diz Villas Bôas Cueva

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10 de outubro de 2017, 18h32

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de ser possível emitir uma Cédula de Produto Rural desvinculada de prévia concessão de crédito ao produtor, isto é, pode funcionar como título de securitização e o preço não precisa ser pago de forma antecipada. Logo, não há que se falar em desvio de finalidade pelo simples fato do emitente não ter recebido pagamento integral antecipado para o financiamento da safra, segundo o ministro Villas Bôas Cueva. Para ele, o título pode ser utilizado também como operação de hedge, ou seja, como forma de proteção ao risco de oscilação de preço do produto no futuro.

Gilmar Ferreira
Para Cueva, título rural pode ser usado como forma de proteção ao risco de oscilação de preço do produto no futuro.
Gilmar Ferreira

O julgamento do processo que discute o assunto na 3ª Turma do STJ foi retomado nesta terça-feira (10/10) com a apresentação do voto-vista de Cueva. Ele divergiu da relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi. Para ela, a emissão do título serviu como  meio de mobilização de recursos no mercado financeiro. Por esse motivo, votou para manter acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que condenou o produtor rural Iboty Ioschpe a responder solidariamente com a massa falida do Banco Santos por causa de fraude na emissão de uma CPR de R$ 2,4 milhões.

O julgamento foi suspenso novamente por causa de pedido de vista do ministro Moura Ribeiro. Cueva deu razão ao produtor por entender que a emissão da CPR foi correta e serviu para diminuir o risco à flutuação de preços na época da colheita da soja que Iboty plantou. O ministro afirmou ainda que não há provas concretas de que o produtor teria agido de má-fé ao emitir a CPR ou participado conscientemente de conluio que desviou recursos do Banco Santos. “Não há como responsabilizá-lo pelos prejuízos surgidos após a emissão, que não estava mais em seu poder. Ou seja, de ato ilícito oriundo de negócio praticado por outrem ao alienar o título no mercado”, afirmou.

Cueva avaliou que nenhum vício na emissão do título de crédito foi demonstrado ou particularizado, mas somente a comprovação de fraudes na hora do endosso, ou seja, quando a propriedade do título foi transmitida para outra pessoa, operação feita por uma corretora ligada ao banco. Ao votar por afastar a responsabilidade subsidiária do recorrente, o ministro lembrou que o magistrado de primeiro grau culpou exclusivamente a corretora pelo prejuízo financeiro do banco no caso.

“Sem elementos concretos da participação individualizada do recorrente no esquema fraudulento apontada pela massa falida do Banco Santos consistente na comercialização disfarçada mediante endosso de CPR não pode persistir a condenação solidária para a reparação dos danos causados”, afirmou Cueva.

O advogado Ricardo Ranzolin defende o produtor rural. Segundo ele, na época do negócio, Iboty Ioschpe foi procurado pelo banco para emitir uma CPR para corretora ligada à própria instituição, e assim o fez, dentro da lei e conforme jurisprudência consagrada no STJ. Isso, relata, aconteceu antes da descoberta de que os donos do banco estavam usando papéis emitidos para dar lastro a operações financeiras (fraudes) que resultaram em remessas ilegais de milhões de dólares ao exterior.

“Oito dias depois da operação, a corretora ligada ao banco endossou a cédula e, mesmo sem se tratar de título quitado, o banco recebeu cerca de R$ 2,4 milhões, sendo o valor imediatamente desviado para o exterior para conta operada pelos donos do Santos. Esse foi o escândalo. E quem efetuou o desvio foram os controladores do banco. Meu cliente, como a maioria envolvida na emissão desses títulos, não sabia disso. O mercado não sabia”, diz o advogado. A falência do Banco Santos foi decretada em 2005. 

Resp 1.685.453

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