Opinião

CPC 2015 justifica revisão de súmulas nos tribunais superiores

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10 de outubro de 2017, 6h36

Antes de iniciarmos, cabe um esclarecimento preliminar: como os tribunais superiores já editaram mais de mil enunciados de súmulas, não temos a menor pretensão — e tampouco teríamos espaço para tanto — de esgotar a análise[1]. Em vista disso, optamos por trazer um panorama geral, selecionando alguns enunciados que foram chancelados pelo Código de Processo Civil de 2015 e outros que restaram superados pelo novo diploma processual. Também iremos abordar duas súmulas que são objeto de intensa controvérsia doutrinária e jurisprudencial, sobretudo após a vigência do CPC-15.

a) Súmulas positivadas
Muitos entendimentos jurisprudenciais vigentes à época do CPC/73 foram encampados pelo CPC/15. Iniciaremos pelas súmulas do STF.

Em boa hora, a dinâmica de participação do réu revel no feito, exposto na súmula 231 (“o revel, em processo cível, pode produzir provas, desde que compareça em tempo oportuno”) foi positivado no artigo 349 do CPC[2], com similar exigência temporal (“tempo oportuno” e “a tempo de praticar atos processuais”).

Com relação à propositura de reclamação, a proibição constante da súmula 374 (“não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”) foi meramente consagrada no artigo 988, §5º, inciso I, do CPC.

No plano do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento da súmula 224 (“excluído do feito o ente federal, cuja presença levara o juiz estadual a declinar da competência, deve o juiz federal restituir os autos e não suscitar conflito”) encontra-se, agora, expresso no artigo 45, § 3º.

Quanto ao tema da conexão, a previsão disposta na súmula 235 do STJ (“a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado)” foi albergada pelo artigo 55, § 1º, do novo diploma processual.

Na seara da ação monitória, a súmula 339[3] do STJ (cabimento da demanda em face da Fazenda Pública) foi consagrada no artigo 700, §6o[4], bem como a possibilidade de citação por edital no referido procedimento (súmula 282 do STJ e artigo 700, § 7º, do CPC/15).

b) Súmulas superadas
Com a extinção de alguns institutos pelo CPC/15, certas súmulas a eles relacionadas restaram superadas. É o caso, por exemplo, da súmula 472 do STF[5] que fazia menção à condenação em honorários advocatícios no caso da nomeação à autoria. A questão agora é tratada nos artigos 338 e 339 do CPC/15.

No plano recursal, foi superada a súmula 353 do STF[6], que impedia a interposição dos embargos de divergência com fundamento em disparidade entre decisões da mesma turma. Atualmente, o artigo 1.043, § 3, do CPC/15 autoriza a interposição do aludido recurso, desde que a composição do órgão prolator da decisão “tenha sofrido alteração em mais da metade de seus membros”.

Sob o prisma infraconstitucional, vale destacar a superação da súmula 306 do STJ, que autorizava a compensação dos honorários em caso de sucumbência recíproca, o que agora é vedado pelo artigo 85, § 14, do CPC/15.

Na seara recursal, o artigo 941, §3º, do CPC[7] estabelece que o voto vencido integra o acórdão para fins de prequestionamento, o que soterra a súmula 320 do STJ.[8]

Sobre o prisma da tempestividade, o artigo 1.003, § 4º, do CPC[9] estabelece parâmetro diverso daquele trazido pela súmula 216 do STJ[10]. Nesta, o recurso interposto pelo correio tinha que ser protocolado, no tribunal, no prazo recursal; agora, deve ser postado dentro dos 15 dias (exceto, naturalmente, se forem embargos declaratórios).

No que tange aos embargos de declaração, o artigo 1.024, § 5º, do CPC[11] prestigia a tendência do STF[12] de afastar a súmula 418[13] do STJ. Na mesma linha, o artigo 218, § 4º, do CPC/15[14] considera tempestivo o ato praticado antes do início do seu prazo, o que reforça a superação da súmula 418 do STJ.

Ainda no plano da primazia de mérito e do modelo colaborativo de processo, entendemos revogada a súmula 115 do STJ (“na instância especial, é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”), diante do mosaico formado pelos artigos 1.029, § 3º, 932, parágrafo único, e 76, § 2º, I, do CPC/15.[15]

c) Súmulas controvertidas
Analisaremos duas súmulas do STJ que estão gerando bastante discussão.

Começaremos pela súmula 345 da corte, que estabelece serem “devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções individuais de sentença proferida em ações coletivas, ainda que não embargadas”. O conflito envolve o artigo 85, §7º, do CPC/15, que dispõe que “não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada”.

Recentemente, um recurso especial em que se discute a matéria foi afetado à Corte Especial (sistemática dos repetitivos) e aguarda julgamento.

Em nossa opinião, a ratio do referido verbete se voltava às liquidações e posteriores execuções de sentença coletiva, onde, ao ver do tribunal, a atividade do advogado responsável pela individualização do quantum ensejaria o pagamento em questão.

Estamos, então, diante de claro exemplo de que também os enunciados sumulares demandam interpretação por parte do operador do direito. Caso contrário, procedente seria a alegação de que o Judiciário, ao editar súmulas (atuação estimulada pelo CPC/15, no artigo 926, §§ 1º e 2º), legisla. Assim, antes de decidir com fundamento em súmula, deve-se indagar seu real sentido.

Essa dicotomia entre os feitos individuais e os coletivizados pouco ou nada muda com o advento da nova lei processual, de modo que se afigura razoável entender que o extenso dispositivo que rege a fixação de honorários, no novo código, não é tão abrangente a ponto de extrapolar os limites da própria norma geral. Se a intenção do legislador foi limitar-se ao tratamento da tutela individual[16], não é precisamente no pontual caso dos honorários que sucederá uma interpretação toda ela muito particular, em benefício da Fazenda.

No caso em discussão, acertará, a nosso sentir, o STJ se concluir pela sobrevivência da orientação. A rigor, embora não possa se sobrepor à própria ação de conhecimento coletiva, a atividade de liquidação individual da sentença nela proferida é assaz peculiar, demandando autêntico “trabalho adicional” por parte do advogado (critério eleito pela lei para justificar os honorários recursais, no artigo 85, §11, do CPC), independente da resistência fazendária.

Para encerrar, analisaremos a controvérsia em torno da súmula 410 do STJ, que estabelece que “a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”. A polêmica é grande.

De um modo geral, a primeira[17] e a segunda[18] turmas do STJ entendem pela desnecessidade de intimação pessoal do devedor, a partir da Lei 11.232/2005, bastando a comunicação na pessoa do advogado. Por sua vez, a terceira[19] e quarta[20] turmas têm entendimento majoritário no sentido da necessidade da intimação pessoal.

Atualmente, existem dois embargos de divergência pendentes de julgamento sobre o tema.[21]

Particularmente, entendemos que, com a vigência do CPC/15, não há mais a necessidade de intimação pessoal do devedor para fins de execução das astreintes.

Primeiro, porque não persiste distinção ontológica entre o ato de fazer ou de pagar. O artigo 513, § 2º, do CPC (inserido no capítulo “Disposições Gerais do cumprimento de sentença”) estabelece que o devedor será intimado para cumprir a sentença, pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos (inciso I). O legislador não fez qualquer ressalva no capítulo referente ao “Cumprimento de Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Fazer ou de Não Fazer”. Aplicam-se, portanto, as disposições gerais.

Segundo, porque essa interpretação está em linha com a preocupação da comissão de juristas do novo CPC de simplificar o procedimento e extrair o máximo de rendimento de cada processo em si mesmo considerado. Sem dúvida, a exigência de intimação pessoal do devedor, quando este já tem advogado constituído nos autos, colide com todos esses objetivos, pois burocratiza e cria maiores entraves à execução das astreintes, desprestigiando a eficiência processual (artigo 8º do CPC).

Nesse particular, vale lembrar que os advogados podem ser intimados pessoalmente pelo causídico da parte contrária sobre atos e decisões do processo (artigo 269, § 1º, do CPC), o que reforça o nosso pensamento.

Além disso, se todos aqueles que participam do processo devem atuar com boa-fé (artigo 5º) e à luz da cooperação (artigo 6º), e considerando que o advogado é indispensável à administração da justiça (artigo 133 da CF), não há qualquer razão para desprestigiar e questionar de antemão a responsabilidade do advogado que recebe a comunicação em nome de seu cliente.

Até porque, convenhamos, eventual resistência ou impossibilidade de o devedor dar cumprimento específico à obrigação implicará, na prática, a conversão daquela em dívida pecuniária, sendo certo que sobre esta é permitida a intimação do devedor na pessoa do advogado[22].

Com bases em todos esses fundamentos, entendemos estar superada a súmula 410 do STJ.[23]

Em resumo, a vigência do CPC/15 justifica um realinhamento dos entendimentos sumulares. Como visto, muitos deles foram positivados pela lei infraconstitucional, outros restaram superados e alguns permanecem em discussão, o que exige o devido enfrentamento pelas cortes superiores, principalmente pelo STJ, a fim de garantir a estabilidade, a integridade e a coerência da jurisprudência (artigo 926).


[1] Para maior aprofundamento, ver MELLO PORTO, José Roberto Sotero de. Visão geral do impacto do novo código de processo civil nas súmulas do STF e do STJ. In: CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro; GRECO, Leonardo; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito intertemporal e o novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: GZ, 2017, p. 139-172.

[2] Art. 349. Ao réu revel será lícita a produção de provas, contrapostas às alegações do autor, desde que se faça representar nos autos a tempo de praticar os atos processuais indispensáveis a essa produção.

[3] Súmula 339: É cabível ação monitória contra a Fazenda Pública.

[4] Art. 700, § 6o É admissível ação monitória em face da Fazenda Pública.

[5] Súmula 472: A condenação do autor em honorários de advogado, com fundamento no art. 64 do CPC, depende de reconvenção.

[6] Súmula 353: São incabíveis os embargos da L. 623, de 19.2.49, com fundamento em divergência entre decisões da mesma Turma do Supremo Tribunal Federal.

[7] Art. 941, § 3o – O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento.

[8] Súmula 320: A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento.

[9] Art. 1003, § 4o – Para aferição da tempestividade do recurso remetido pelo correio, será considerada como data de interposição a data de postagem.

[10] Súmula 216: A tempestividade de recurso interposto no STJ é aferida pelo registro no protocolo da secretaria e não pela data da entrega na agência do correio.

[11] Art. 1.024, § 5o – Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.

[12] A 1a Turma, em acórdão do ilustre Ministro Marco Aurélio, afastou a intempestividade ante tempus no RE 680371, julgado em 11/06/2013.

[13] Súmula 418: É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação.

[14] Art. 218, § 4o – Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo.

[15] Art. 1.029, § 3o – O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave.

Art. 932, parágrafo único – Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício.§ 2o Descumprida a determinação em fase recursal perante tribunal de justiça, tribunal regional federal ou tribunal superior, o relator: I – não conhecerá do recurso, se a providência couber ao recorrente;

[16] A confidência é do Ministro do TCU, Bruno Dantas, em entrevista ao Conjur, disponível em http://www.conjur.com.br/2016-jul-03/entrevista-bruno-dantas-ministro-tcu-professor.

[17] AgInt no AREsp 893.554/RJ, Rel. Ministro Sério Kukina, Primeira Turma, DJe 20/03/2017.

[18] AgInt no AREsp 901.025/SC, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 05/05/2017. No mesmo sentido AgInt no REsp 1624217/GO, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 19/12/2016. Existem algumas decisões isoladas em sentido contrário. Vide, por exemplo: AgRg nos EDcl no AREsp: 486994/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 12/06/2014.

[19] AgInt no REsp 1642950/PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 14/08/2017.

[20] AgInt no AREsp 586.474/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 22/08/2017. No mesmo sentido AgInt no REsp 1653624/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 24/05/2017.

[21] EResp 1.360.577/MG e EREsp 1.371.209/SP.

[22] Este também parece ser o entendimento de Alexandre Câmara: “Como se vê, então, não se consolidou a suposta superação do entendimento sumulado pelo STJ. Este continuou a ser exigido. Fica aqui, apenas, a ressalva de que com a entrada em vigor do CPC/2015 já não é mais assim que se deve decidir, já que o art. 513, § 2º, I, deste Código estabelece que o cumprimento da sentença depende da intimação do devedor que se fará, via de regra, na pessoa de seu advogado.” (TJ-RJ, AI: 00257466920178190000, Des. Rel. Alexandre Câmara, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 29/06/2017)..

[23] A exceção fica por conta dos assistidos pela Defensoria Pública, os quais, pelo novo código, devem ser intimados pessoalmente para o pagamento no cumprimento de sentença (art. 513, § 2º, II), tendo o legislador atentado para a realidade prática (em que a comunicação do defensor com a parte encontra obstáculos dos mais variados). Assim, seguindo essa lógica, se para o mais (pagamento da prestação pecuniária em cumprimento de sentença), exige-se a intimação pessoal, o mesmo raciocínio se aplica para o menos (execução de astreintes).

Autores

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    é advogado e sócio do escritório Dannemann Siemsen Advogados. Mestre em Direito Processual pela Uerj e vice-presidente de Propriedade Intelectual do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA).

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    é defensor público do estado do Rio de Janeiro, pós-graduado em Direito Privado pela Universidade Candido Mendes e mestrando em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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