Punitivismo na mira

Polícia Federal, MP, Judiciário e imprensa são criticados em desagravo a Mariz

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9 de outubro de 2017, 16h18

Os limites que têm faltado às operações da Polícia Federal e às investigações a qualquer preço promovidas pelo Ministério Público precisam ser redefinidos pelo Judiciário, o que não tem acontecido. Além disso, a imprensa deve deixar de noticiar tudo o que recebe das autoridades como se fossem verdades absolutas, uma vez que checar a informação parece ter deixado de ser uma das funções principais do jornalismo.

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Essa é a mensagem que a advocacia enviou nesta segunda-feira (9/10) durante desagravo ao criminalista Antônio Claudio Mariz de Oliveira, na sede da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo. O advogado foi acusado pelo doleiro Lucio Funaro, seu ex-cliente, de ter dito ao presidente Michel Temer, seu amigo e representado, detalhes sobre a suposta delação que o operador de propinas do PMDB estaria negociando.

A resposta veio nesta segunda, com muitos dos maiores nomes da advocacia marcando presença e proferindo discursos que foram além da defesa do colega, atingindo toda a classe e clamando pela manutenção dos diretos ao contraditório e à ampla defesa. O auditório onde ocorreu o ato não foi suficiente para acomodar todos os presentes e sessão foi transmitida por um telão em outro andar do prédio da OAB.

"Nossos escritórios, arquivos e diálogos com clientes são invioláveis. E estaremos unidos contra todas as violações", resumiu Luiz Flávio Borges D'urso, ex-presidente da OAB-SP e conselheiro federal pelo estado. Para ele, que também é criminalista, é preciso unir a advocacia contra esses abusos e "avisar aos detratores que se tocarem em um advogado tocarão em todos". Nessa mesma linha seguiu o também ex-presidente da seccional paulista José Roberto Piza Fontes, que chamou de "bobageira" as acusações de Funaro contra Mariz.

O advogado afirmou que esse "conluio entre imprensa, polícia, MP e setores do Judiciário" precisa acabar, pois o resultado dessa união é a decretação de morte dos réus no Jornal Nacional. Ele também destacou que, apesar de vivermos em uma democracia, são impostas limitações incabíveis à advocacia: "Nunca vi advogado ter problema para analisar inquérito, nem na ditadura [militar]. Qualquer idiota sabe que isso é crime".

"Não podemos tolerar isso, porque enxovalha o réu", complementou, lembrando do suicídio de Luis Carlos Cancellier, reitor afastado da UFSC. Esses abusos também foram mencionados pelo presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, Técio Lins e Silva.

Destacando os 50 anos de advocacia de Mariz, o presidente do IAB lembrou que ele e o colega são de uma geração em que foi depositada a esperança de tempos mais brandos, livres do nazi-fascismo enfrentado na Segunda Guerra Mundial. Mas se mostrou decepcionado com os rumos tomados, pois, disse, nem durante ditadura militar iniciada em 1964, "era imaginável busca e apreensão em escritório".

"Hoje, conversas entre advogados e clientes são grampeadas, infelizmente, em algumas ocasiões, com autorização da Justiça", afirmou, lembrando do grampo feito no escritório do advogado do ex-presidente Lula, Roberto Teixeira, com autorização do juiz federal Sergio Moro.

"Se acharmos isso natural, não terá fim", complementou, dizendo ainda ser perigosa a ideia de conversas entre advogados e presos serem monitoradas a pretexto de combater o crime organizado.

Ao tomar a palavra, Mariz criticou fortemente o Judiciário, por não impor limites aos abusos cometidos por autoridades, e à Imprensa, por não apurar devidamente as informações que recebe. Ponderando que a mídia investigativa já prestou um enorme serviço ao país, inclusive mais até do que os investigadores oficiais, o criminalista afirmou que a mídia não pode atuar sem limites ou freios.

"E o Judiciário não pode permitir isso", criticou, alertando que a condução das situações atualmente está levando o país "para um estado de anomia total". 

A sociedade brasileira também não foi poupada pelo advogado. Segundo ele, há um hipocrisia infiltrada na população, que aplaude o consumismo exacerbado ao mesmo tempo que critica criminalistas que ganham dinheiro defendendo pessoas acusadas de crimes. "A sociedade consumista brasileira aplaude o consumo, mas os advogados devem viver à míngua."

ConJur
Mariz, Marcos da Costa e Técio Lins e Silva.
ConJur

O presidente da OAB-SP, Marcos da Costa, fechou o ato de desagravo lembrando das autoproclamadas "10 medidas contra a corrupção", alardeadas pelo Ministério Público federal, e das propostas contidas no projeto, entre elas, a prova plantada e a restrição ao Habeas Corpus. Ele também citou o doleiro Alberto Yousseff, que recebeu benefício de delação premiada após delatar envolvidos no escândalo do Banestado, mas voltou a delinquir.

Abuso de autoridade e vazamento seletivo
Advogados consultados pela ConJur durante o evento foram unânimes em defender a votação de uma lei que puna abusos de autoridade e regras que aumentem o rigor sobre o sigilo de delações até que a denúncia seja efetivamente apresentada.

Para Pierpaolo Cruz Bottini é hora de dar um basta em qualquer tipo de ilegalidade, seja vazamento de delação ou arbitraridedade, e não só contra advogados, mas contra toda a sociedade. "Não podemos temer qualquer tipo de lei que venha reprimir abusos de autoridade", disse.

O presidente da Associação dos Advogados de São Paulo, Marcelo Von Adamek, defendeu o respeito absoluto às regras do jogo, inclusive no combate à criminalidade. "O advogado não pode ser confundido com criminoso", afirmou.

Sobre os constantes "vazamentos seletivos", Adamek defendeu a revisão das regras que regem a delação. o advogado afirmou que esses ocorridos, quase que diários, "mostram que algo não está funcionamento corretamente, sendo necessário pensar em algum tipo de aprimoramento".

André Kehdi, diretor do conselho do IBCcrim, vê que Brasil tem tratado muito mal a questão dos vazamentos e pede a criação de uma norma que responsabilize o responsável pelo vazamento desse material. De acordo com o advogado, uma barreira como essa ajudaria diminuir esses casos.

"A lei de abuso de autoridade precisa ser votada, mas não nos termos exatos como foi redigida, para evitar que as autoridades hajam sem ter responsabilidade pelo que fazem. Mas também é preciso que as corregedorias dessas instituições e a sociedade fiscalizem essas atuações para que não haja corporativismo na hora de julgar abusos", afirmou.

O criminalista Alberto Zacharias Toron, ao defender a tipificação do abuso de autoridade, vai além e lembra que esses excessos em investigações já resultaram na morte de Cancelier. "É intolerável que se pratique abusos dessa natureza e nada aconteça. Por que o prenderam, por que o despiram na cadeia?"

Celso Villardi pede que a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, traga serenidade a esse clima de enfrentamento. "Porque os vazamentos seletivos estão destruindo reputações e trazendo uma novidade, que é o vazamento de uma delação que não saiu", disse se referindo ao caso envolvendo o ex-ministro Antônio Palocci.

Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, classificou o momento atual de "crítico e perigoso", pois, segundo ele, há uma clara tentativa de criminalizar a advocacia criminal. "Os vazamentos passaram a ser a regra e sempre servem a algum fim. Sempre são vazamentos criminosos, dirigidos. O MP que se levantou contra a aprovação do projeto de abuso ,se cala frente a estes vazamentos", criticou.

"Esta agressão ao Mariz é uma agressão a advocacia e a liberdade. E representa este momento monotemático onde só a acusação tem vez e voz. Resistiremos", afirmou.

Exemplo nacional
Também coube à Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas sair em defesa de Mariz de Oliveira. A entidade divulgou nota assinada por seu presidente estadual, Mário de Oliveira Filho, na qual afirma que Mariz é uma das colunas da advocacia bandeirante e nacional.

Clique aqui para ler a nota da Abracrim-SP.

*Texto alterado às 18h02 do dia 10 de outubro de 2017 para acréscimos.

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