Olhar Econômico

O impacto econômico de suposto dumping no mercado de aço

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

5 de outubro de 2017, 8h05

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Para que o jus positum — Direito Positivado, a ser observado por todos — possa ser aplicado, necessário se faz sua interpretação. Vários fatores, de diferentes naturezas, são levados em conta para a interpretação da lei. Um dos aspectos importantes, embora muitas vezes descurado, é o impacto econômico para o Estado e para a sociedade. Afortunadamente, os que julgam, no âmbito do Judiciário ou da administração, vem se sensibilizando com tão importante fundamento.

O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), cujos antecedentes remontam à década de 1950, tem por missão “formular, executar e avaliar políticas públicas para a promoção da competitividade, do comércio exterior, do investimento e da inovação nas empresas e do bem-estar do consumidor”[1]. Pretende ele ser “referência em gestão de políticas públicas para fortalecer a competitividade das empresas brasileiras”[2]. Subordinado à respectiva Secretaria do Comércio Exterior (Secex), encontra-se o Departamento de Defesa Comercial (Decom) que julga o mérito de investigações de dumping, subsídios e de salvaguardas, com o intuito de proteger a produção doméstica.

Por seu turno, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) integra a Presidência da República, tendo por finalidade “a formulação, adoção, a implementação e a coordenação de políticas e de atividades relativas ao comércio exterior de bens e serviços, com vistas a promover o comércio exterior, os investimentos e a competitividade internacional do País”.

O caso concreto, ora em exame, é uma investigação conduzida pelo Decom, iniciada em abril 2016 por solicitação de algumas empresas [3]. O objeto dessa investigação é suposto dumping nas exportações da Rússia e da China para o Brasil, de produtos laminados planos, de aço ligado ou não ligado, de largura igual ou superior a 600 mm, laminados a quente, em chapas (não enrolados) de espessura inferior a 4,75 mm, ou em bobinas (em rolos) de qualquer espessura, doravante denominados aços laminados planos a quente.

Caracteriza-se o dumping quando um determinado produto/insumo é exportado por um país a preços inferiores ao praticado em seu próprio mercado, causando distorções no país importador.

Conforme as diretrizes do Acordo Antidumping da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do artigo 32 do Decreto 8.058/2013, que regulamenta o antidumping no Brasil, além do suposto dumping feito pelo país exportador, é necessário que haja nexo de causalidade entre o dumping e o dano sofrido pela indústria doméstica. Em outras palavras, somente com a junção desses três elementos — dumping, dano e nexo causal — emerge a possibilidade de aplicação legal e legítima de medida antidumping, em face de países exportadores investigados. Resta claro que apenas o suposto dumping ou somente o dano não é suficiente, isoladamente, para permitir a aplicação de medida antidumping, pois, em consonância com as regras da OMC e da legislação brasileira, é necessário a confluência dos três elementos acima.

Os documentos e elementos de prova contidos nos autos do processo de investigação de aços laminados a quente demonstram que o alegado dano sofrido pela indústria doméstica siderúrgica decorre de outros fatores, não relacionados às importações originadas da Rússia ou da China; que não se podem atribuir a elas, devido à inexistência de real nexo de causalidade.

Os dados contidos nos autos indicam possíveis outros fatores de dano às produtoras domésticas, tais como: (i) a queda da demanda ocasionada pela grave crise que se abateu sobre o mercado brasileiro; (ii) o incremento da oferta acarretado pela entrada da Gerdau; (iii) a acirrada rivalidade entre as produtoras domésticas no mercado interno, acarretando uma competição intradoméstica por preços; e (iv) crescimento da participação de mercado da produtora, cujo volume de vendas foi similar ao das importações investigadas.

A eventual aplicação de medida antidumping no caso de aços laminados a quente, além de não estar amparada na legislação brasileira e nas regras da OMC, terá impacto econômico de elevada monta. Referido aço é insumo de praticamente toda cadeia produtiva de transformação no Brasil, tais como: construção civil, mecânica, aeronáutica, naval, autopeças, rodas automotivas, automóveis, implementos agrícolas, aparelhos eletrodomésticos, pontes, torres de linhas de transmissão, estruturas de máquinas, estruturas metálicas de edificações, travessas de chassis, botijões/cilindros de gases liquefeitos de petróleo (GLP) e cilindros de ar comprimido de compressores pneumáticos, compressores herméticos e semi-herméticos, contêineres, vagões ferroviários, estruturas de barcaças e navios de pequeno e grande porte, eletrodutos, tubos estruturais, tubos, oleodutos, gasodutos e minerodutos, bens de capital etc.

Os sete setores mais afetados diretamente somam aproximadamente R$ 477 bilhões em valores de produção, enquanto a soma do valor de produção das siderúrgicas totaliza R$ 15 bilhões, ou seja, o impacto direto na economia brasileira seria 30 vezes maior que o benefício para uma pequena parcela da indústria nacional. É importante ressaltar que os sete setores mais afetados são compostos de bens de capital ou de transformação intermediária, cujos preços afetam os custos de produção de inúmeros outros setores, como saneamento, infraestrutura, serviços etc.

O papel desempenhado pelas empresas que utilizam o aço laminado a quente é essencial para o Brasil, não só pelos milhares de empregos gerados, mas também pela significativa contribuição para a balança comercial, pois eventual aplicação de medida antidumping retiraria completamente a competitividade internacional para exportação, sem contar os efeitos inflacionários no mercado doméstico.

Não só as empresas, mas também as entidades de classe dos mais diversos setores[4] acompanham com apreensão referida investigação, bem como já manifestaram preocupação com o desfecho do caso, requerendo aos ministros integrantes da Camex a suspensão da aplicação da medida antidumping por interesse público.

O parecer técnico final e a recomendação do Decom devem ser avaliados pelos integrantes da Camex principalmente sob a ótica do interesse público, pois o impacto da medida em toda a economia brasileira pode ser devastador, como se observa no caso do aço laminado a quente, onde toda a cadeia produtiva industrial de transformação será afetada em prol das siderúrgicas, numa desproporção da ordem de 30 vezes, como já foi observado acima.

Face a todo o exposto, resta claro que não há elementos comprobatórios de dano, dumping e nexo causal no caso de aço laminados a quente, porém, caso os integrantes da Camex ainda assim entendam pela aplicação da medida, devem suspender seus efeitos por interesse público, pois o impacto será insustentável para a cadeia industrial de transformação que, por sua vez, será obrigada a repassar o majorado custo aos contribuintes e consumidores brasileiros, afetando milhares de empregos, impulsionando a inflação, retirando a competitividade internacional dos exportadores e desfalcando brutalmente a balança comercial brasileira. Tudo isso, ademais de aumentar o já elevado custo-Brasil.


[1] http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=1&menu=1662
[2] http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=1&menu=1662
[3] Arcelor Mittal, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Gerdau; tendo-se, posteriormente, agregado, a Usiminas.
[4] Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi), Associação Brasileira da Indústria de Ferramentas em Geral, Usinagem e Artefatos de Ferro e Metais (ABFA), Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abrava), Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Associação Sul Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Aquecimento e Ventilação (Asbrav), Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), Sindicato das Empresas de Conservação, Manutenção e Instalação de Elevadores de São Paulo (Seciesp), Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Canoas (Simecan), Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs), Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas no Rio Grande do Sul (Simers), Sindicato da Indústria de Artefatos de Ferro, Metais e Ferramentas em Geral de São Paulo (Sinafer), Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), Sindicato da Indústria de Refrigeração, Aquecimento e Tratamento de Ar no Estado da Bahia (Sindratar-BA), Sindicato da Indústria de Refrigeração, Aquecimento e Tratamento de Ar no Estado de Pernambuco (Sindratar-PE), Sindicato da Indústria de Refrigeração, Aquecimento e Tratamento de Ar no Estado do Rio de Janeiro (Sindratar-RJ); e Sindicato da Indústria de Refrigeração, Aquecimento e Tratamento de Ar no Estado de São Paulo (Sindratar-SP).

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    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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