Passado inviolável

Leia o voto do ministro Celso de Mello sobre aplicação da Ficha Limpa

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5 de outubro de 2017, 11h18

Nesta quarta-feira (4/10), o Supremo Tribunal Federal decidiu que a extensão para oito anos do prazo de inelegibilidade para crimes de abuso de poder econômico ou político previstos na Lei Complementar 135/2010, a Lei da Ficha Limpa, também serve para condenações anteriores a 2010. A decisão se deu por maioria apertada, 6 votos a 5.

O ministro Celso de Mello foi um dos vencidos, seguindo a posição do relator, ministro Ricardo Lewandowski, no sentido de impedir que a LC valesse para sentenças anteriores à criação da lei, em 2010. O decano iniciou seu voto ressaltando que é desejável a convergência entre ética e política, mas que isso nem sempre tem acontecido no Brasil.

Entretanto, apesar de apontar que a moralidade é premissa para o exercício de mandatos eletivos, Celso de Mello argumentou que a Constituição deve ser observada, e os princípios da coisa julgada e do ato jurídico perfeito, respeitados. O ministro explicou que, em seu entendimento, a inelegibilidade prevista na Lei da Ficha Limpa é uma sanção e, ainda que não fosse, não poderia ser aplicada retroativamente. 

"Mesmo que não se considere a inelegibilidade como sanção, o fato irrecusável é que ela traduz gravíssima limitação ao direito fundamental de participação política, pois impõe severa restrição à capacidade eleitoral passiva do cidadão, o que o priva e destitui do direito de participação no processo político e nos órgãos governamentais", afirmou.

O perigo da interpretação a favor da retroatividade, sustentou, é que abre possibilidade para “desrespeito a inviolabilidade do passado”. Não se pode retroagir, salientou, porque o ato jurídico da condenação já se exauriu em toda sua potencialidade.

O decano fez um histórico do comportamento da humanidade em relação ao cumprimento das leis. Segundo ele, os filósofos gregos Platão, Sócrates e Cícero já citavam a importância de a aplicação da lei se dar de sua aprovação em diante, jamais o contrário: “A irretroatividade vale para todas as leis, sem exceção”.

"No sistema de direito constitucional positivo brasileiro, tal como deixei consignado em diversos julgamentos ocorridos na década de 1990, a eficácia retroativa das leis (a) é sempre excepcional, (b) supõe a existência de texto expresso (e autorizativo) de lei, (c) jamais se presume e (d) não deve nem pode gerar, em hipótese alguma, lesão ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada", complementou.

Sobre o fato de a legislação questionada ter origem em projeto de lei de iniciativa popular, ele afirmou que até mesmo esse conjunto de pessoas responsáveis por apresentar a legislação tem de se atentar às regras da Constituição. “O projeto, não importa se ordinário ou complementar, pois todos representam pretensão de um direito novo, estão subordinados às formalidades constitucionais”, alertou.

Clique aqui para ler o voto do ministro Celso de Mello.
RE 929.670

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