Opinião

Prisão de Joesley Batista e Ricardo Saud é nula por incompetência do STF

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1 de outubro de 2017, 11h35

No dia 8 de setembro de 2017, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, em regime de plantão, conheceu do pedido de prisão temporária em face de Joesley Mendonça Batista, Ricardo Saud e Marcello Paranhos de Oliveira Miller, deferindo o decreto para os dois primeiros e indeferindo para este último (AC 4.352).

Esperei alguns dias para escrever essas considerações para verificar se a comunidade jurídica iria constatar e apontar uma situação que deveria ter causado um mínimo de controvérsia que é a questão da competência do Supremo Tribunal Federal para conhecer e processar esse pedido de prisão, o que nem mesmo foi tratado no pedido de revogação das prisões formulado pela defesa, apesar de ser evidente motivo para o reconhecimento de sua nulidade.

Não estou aqui a analisar o conteúdo do fundamento do pedido e da decisão, questão ainda mais profunda. Em matéria penal a competência originária do Supremo Tribunal Federal está prevista no art. 102, I, “b” e “c”, da Constituição Federal.

Ocorre que da leitura dessas alíneas vê-se que nelas estão listadas apenas autoridades da república e Joesley Mendonça Batista, Ricardo Saud e Marcello Paranhos de Oliveira Miller não ocupam nenhum desses cargos, sendo os dois primeiros empresários e o último, naquele momento, advogado.

Resta assim a indagação: por que motivo o pedido de prisão foi manejado junto ao Supremo Tribunal Federal?

É bem certo que por conta da delação premiada celebrada pela Procuradoria Geral da República e Joesley Mendonça Batista, Ricardo Saud e outros, homologada pelo ministro Edson Fachin na Pet. 7.003, foi concedido a eles uma espécie de imunidade prisional, que impediria a segregação dos mesmos.

Desse modo, em razão da homologação do acordo (em 11/05/2015, referendado pelo colegiado em 29/06/2017, conforme Pet 7.074), nenhum outro juiz do país poderia determinar a prisão dos irmãos Batista e Ricardo Saud, mas isso não remete à conclusão obrigatória de que o acordo faria atrair ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar os colaboradores.

Creio, portanto, que para o processamento regular do feito a cláusula da delação que previa a imunidade prisional deveria ter sido, em primeiro lugar, suspensa (como de fato foi).

Em segundo lugar, dever-se-ia verificar se havia pessoa com prerrogativa de foro junto ao Supremo Tribunal Federal em concurso ou participação com Batista e Ricardo Saud nas ações a eles imputadas e que ensejaram a prisão, excluída a mera menção, que não enseja o deslocamento ou fixação de competência, conforme consolidada jurisprudência da Suprema Corte (HC n. 82.647 e Inq. n. 1.819 AgR/RJ, dentre outros inúmeros exemplos).

Se positiva a resposta, seria necessário verificar ainda o imperativo de instrução conjunta no Supremo Tribunal Federal, em razão de conexão ou continência, como há muito decide o tribunal que, como regra, determina o desmembramento do feito, citando como exemplos desse procedimento os casos do Inq 2443 QO e HC 89056, sendo que neste último o finado Min. Menezes Direito consignou: “Eu entendo que nós devermos, sempre que possível, defender o desmembramento do processo”.

Esse procedimento é necessário e se alinha à dogmática constitucional pois são os artigos 76 e 77 do Código de Processo Penal que devem se adequar ao art. 102, I, “b” e “c”, da Constituição Federal, e não o contrário, conforme lições de José Joaquim Gomes Canotilho (in Direito Constitucional e teoria da constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1.106).

Superadas essas fases, e por não haver no caso em questão a participação ou coautoria de autoridade com prerrogativa de foro, as peças de informações (já que ao que parece não houve inquérito) deveriam ser encaminhadas, conforme o caso, para a Polícia Federal, ao Ministério Público Federal ou ao Juízo Federal com competência para o conhecimento e processamento do feito.

Esse entendimento foi exposto pelo próprio ministro Edson Fachin nos autos da RCL 27.557 MC/DF ajuizada por Joesley Mendonça Batista, Ricardo Saud e outros contra ato do Juízo Federal Substituto da 10ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal que, no âmbito da “Operação Bullish”, proibiu alterações estruturais nas empresas do grupo da J&F bem como a venda de ações da JBS.

Em seu despacho, que indeferiu a liminar, o Ministro consignou:

Esclareço que, nos termos do art. 4°, § 6°, da Lei 12.850/13, o juízo homologatório cinge-se a aspectos de regularidade, legalidade e voluntariedade do ato negocial. Eventual solução de controvérsia atinente à eficácia incumbe ao órgão sentenciante (art. 4°, §11°). Disso não destoa o pronunciamento do Plenário da Corte firmado, em 29.09.2017, na Pet. 7.074.

Da leitura desse fragmento do despacho resta claro que os colaboradores devem ser julgados na instância apropriada, pelo juízo natural conforme as regras constitucionais e processuais, não havendo atração obrigatória ao Supremo Tribunal Federal pelo simples fato da colaboração ter sido lá homologada.

Assim, sem a constatação, mesmo que indiciária, de coautoria ou participação de pessoa com prerrogativa de foro juntamente com o colaborador, não há fundamento que justifique seu processamento originário no Supremo, essa foi a solução na RCL 27557 MC / DF e também deveria ter sido no caso da (AC 4352).

Em conclusão, a decisões que, nos autos da AC 4.352, decretaram a prisão temporária e preventiva de Joesley Mendonça Batista e Ricardo Saud são nulas por incompetência do Supremo Tribunal Federal para o feito, que deveriam ter sido processadas perante juízo de primeiro grau.

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