Olhar Econômico

A OCDE e a colaboração concorrencial internacional

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

30 de novembro de 2017, 8h15

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]A cooperação internacional para a aplicação do direito concorrencial é necessária, pois as fronteiras dos Estados, em que o mundo se divide, não conseguem reter os fatos econômicos. Essa cooperação é feita pela convergência das jurisdições com relação a padrões legais e econômicos comuns, bem como pelo intercâmbio de comunicação, informação, assistência e consultas, entre autoridades de concorrência, para assegurar abordagens e ações lógicas. Sua imprescindibilidade deriva do crescimento e da globalização da economia; do aumento do número de Estados dotados de jurisdições concorrenciais; da internacionalização crescente das violações antitruste; da necessidade de informações e provas de outras jurisdições; e do intuito de diminuir o risco de decisões divergentes.

Vem aumentado o número de casos que envolvem cooperação internacional, impulsionados, principalmente pela multiplicação dos programas de leniência e pela submissão de casos de concentração multijurisdicional. Prevê-se que essa tendência será mantida. O fundamento jurídico da cooperação internacional, encontra-se em cartas rogatórias, em leis internas dos países; e em tratados bilaterais ou multilaterais de assistência mútua, de livre comércio ou de concorrência. A cooperação pode consistir em: apresentação de documento; obtenção de provas; fornecimento de provas e relatórios disponíveis; identificação e localização de pessoas; troca de informações; cumprimento de requerimento para busca e apreensão; e em execução de decisões administrativas ou judiciais, incluindo cobrança de multas.

Dentre as centenas de organizações internacionais intergovernamentais existentes, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), possui importância ímpar para o desenvolvimento e aprimoramento de políticas econômicas e sociais, que auxiliam seus Estados-membros a trabalhar suas políticas e a facilitar a negociação e a conclusão de acordos. Sediada em Paris e congregando 35 Estados, desde sua criação em 1961, interage também com países não-membros, organizações não-governamentais e sociedade civil; sendo intensa sua preocupação concorrencial.

O Comitê de Direito e Política da Concorrência e o Grupo Conjunto sobre Comércio e Concorrência contribuem para fomentar a existência de legislações concorrenciais efetivas, aptas a aumentar a eficiência, o crescimento econômico e criação de postos de trabalho. Importantes recomendações sobre política e legislação de concorrência, foram adotadas pela OCDE, de que são exemplos as relativas à Separação Estrutural em Indústrias Reguladas (2001), Ações Efetivas Contra Cartéis Hard Core (1998) e Cooperação Entre Países-Membros sobre Práticas Anticoncorrenciais que Afetem o Comércio Internacional (1995) e Recomendação sobre Cooperação Internacional (2014).[1] Em razão de a Organização buscar a convergência das políticas de concorrência, é natural sua preocupação com a colaboração antitruste internacional.

Por ocasião da última conferência bienal sobre direito concorrencial dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada em Brasília, nos dias 8, 9 e 10 de novembro deste ano, no painel sobre cooperação internacional e política de concorrência[2], o Presidente do Comitê de Concorrência da OCDE, Professor Frederic Jenny, abordou o papel dessa organização em matéria de cooperação internacional, cujos principais aspectos são aqui resumidos.

O projeto de cooperação da OCDE em matéria concorrencial iniciado em 2012, propôs-se a estudar e trocar experiências e percepções sobre cooperação internacional entre agentes de concorrência; explorar os fundamentos da política de cooperação internacional; revisitar a efetividade das várias formas de cooperação e respectivas lições em outros campos de política; identificar restrições para maior cooperação; e analisar experiências. Tudo com o objetivo de formular novas boas práticas para o uso das autoridades concorrenciais.

A Recomendação da OCDE sobre Cooperação Internacional de 2014[3], dotada de extenso preâmbulo e grande detalhamento, reconhece os benefícios da cooperação para as autoridades concorrenciais e para as empresas; dentre os quais, a redução da morosidade e dos custos regulatórios; bem como da limitação do risco de inconsistências de análise e da inadequação de remédios. Seus principais pontos são os seguintes: minimização do impacto da regulação e da legislação, que restrinjam cooperação ou dificultem investigação ou procedimentos em outros países; transparência das regras substantivas e procedimentais; redução de inconsistências entre programas de leniência e anistia; procedimentos de consulta e de notificação; cortesia; coordenação de investigações paralelas; troca de informações; e assistência para investigação.

Tem aumentado, tanto o número de acordos de cooperação entre autoridades concorrenciais, quanto os acordos intergovernamentais sobre concorrência. A OCDE constatou, em inventário feito em 2017, a existência de cerca de 180 acordos, de que ao menos 140 foram analisados[4]. Tal mecanismo informal e flexível, pode servir para as mais diversas finalidades, como estabelecer linhas gerais de ação ou trocar informações confidenciais.

Com relação aos acordos de comércio, por volta dos anos 1990, 60% tinham provisões específicas sobre competência; tendo aumentado para cerca de 88% atualmente. Entretanto, é mais frequente a existência de regras específicas em acordos concluídos por países desenvolvidos (87%), do que por países de menor desenvolvimento (cerca de 50%). Sempre relacionados ao antitruste, esses acordos podem estabelecer princípios para cumprimento, para a coordenação de mecanismos ou para a solução de diferendos; bem como regras sobre: assistência jurídica ou técnica; promoção, adoção ou manutenção de regras sobre comunicação, consultas e intercâmbio; regulação de monopólios específicos, fixação de exceções e substituição de defesas comerciais por meios concorrenciais. Ao redor de metade dos acordos comerciais analisados possuem disposições específicas sobre cooperação ou coordenação; sendo que alguns poucos preveem a possibilidade de uma parte requerer: (i) cooperação de outra parte, para eliminar prática existente no território dessa parte; e (ii) cooperação para investigar empreendimento localizado no território de outra parte. Uma minoria de acordos bilaterais de comércio, como os negociados entre Chile e El Salvador, Chile e Costa Rica e Coreia e Austrália, pretendem preparar o caminho para o estabelecimento de regras comuns.

Inobstante a necessidade e o crescimento de cooperação, há fortes desafios para sua efetivação; dentre os quais o aumento do número de países nela envolvidos; a urgência em facilitar a troca de informações confidenciais; a exigência em reforçar o fundamento jurídico da cooperação formal; e de não menor importância, buscar meios para incrementar a cooperação. Esses meios poderiam ser: desenvolvimento de padrões internacionais para a cortesia; adoção de instrumentos multilaterais, reconhecimento mútuo de decisões de outras autoridades de concorrência; e reconhecimento não vinculativo da autoridade competente principal.


[1] Rodas, João Grandino, A Colaboração universal em matéria concorrencial é digna de nota e Colaboração internacional em matéria concorrencial é cada vez mais intensa, Revista Eletrônica ConJur, respectivamente, 8 e 1º outubro de 2015.

[2] Rodas, João Grandino, O afã da UNCTAD referente à colaboração concorrencial internacional, Revista Eletrônica ConJur, 16 de novembro de 2017.

[3] 2014 Recommendation of the OCDE Council Concerning International Co-operation on Competitiion Investigations and Proceedings (oe.cd/int-coop-comp)

Autores

  • é professor titular da Faculdade de Direito da USP, presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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