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Conferência da Advocacia discute propostas para "ajustar" delação premiada

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28 de novembro de 2017, 13h33

Debatedores que discutiram delações premiadas na XXIII Conferência Nacional da Advocacia planejam enviar ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil propostas de mudanças nas regras sobre os acordos. Por sugestão do criminalista Marcelo Leonardo, a proposta é regulamentar o fechamento de acordos e fixar regras para punições e benefícios que podem ser negociados.

A primeira proposta é sobre as cláusulas dos acordos que tratem das penas, seu cumprimento e o regime. A ideia de Leonardo é que os acordos só permitam o que estiver previsto na Constituição Federal, na Lei de Execução Penal e nas demais leis que tratem do “réu colaborador”.

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Marcelo Leonardo diz que negociações hoje ocorrem a portas fechadas, sem controle.
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O advogado também propõe que se regulamente a tramitação das negociações entre o Ministério Público e os acusados. Segundo ele, é preciso que se diga claramente quanto tempo as negociações podem durar, como devem ser prestadas as informações e como devem ser a entrega dos anexos ao MP.

Hoje, diz Leonardo, as negociações são feitas em salas fechadas dentro da sede do MP, sem qualquer registro em ata ou regras de procedimento. Disso resultam negociações que duram um ou dois anos sem o menor controle, em que o Ministério Público é livre para oferecer o que quiser.

“Stanislaw Ponte Preta fosse vivo, diria que isso é um verdadeiro samba do crioulo doido”, resumiu Leonardo, citando o heterônimo usado pelo jornalista Sérgio Porto para ironizar a política de seu tempo, os anos 1950 e 1960.

Marcelo Leonardo citou cinco exemplos de acordos de delação homologados pelo Supremo Tribunal Federal que contêm cláusulas sem qualquer previsão em lei ou base constitucional. Como a delação do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que prevê pena máxima de 20 anos, com cumprimento de dois anos no regime fechado e o resto no aberto e a substituição de medidas cautelares por tornozeleira. “Nada disso está em lei alguma”, reclama o advogado.

A delação de Pedro Barusco, também ex-diretor da Petrobras, fala num “regime aberto diferenciado”, em que ele só pode sair durante o dia e tem de estar em casa à noite, a partir das 20h. Já a delação do ex-senador Delcídio do Amaral prevê o mesmo regime, mas o recolhimento acontece a partir das 19h e permite viagens duas vezes por mês para Campo Grande, Corumbá (MT) e Florianópolis.

“É algo de estarrecer, mas que não tem estarrecido o Supremo Tribunal Federal”, reclama Leonardo. É que todos esses acordos foram homolgados pelo tribunal, que não se manifestou sobre nenhuma das cláusulas.

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Maurício de Oliveira Campos Junior (à esquerda) criticou discrepâncias em acordos.
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A única vez em que houve discussão sobre as previsões de cumprimento de pena de acordos foi neste mês, com a delação do publicitário Renato Pereira, marqueteiro do PMDB do Rio de Janeiro.

O ministro Ricardo Lewandowski negou-se a homologar o termo: devolveu o acordo à Procuradoria-Geral da República para que retire cláusulas com promessas que não poderia oferecer, como o perdão judicial de ações já em curso ou descontos na pena não previstos em lei.

“O resultado disso são negociações paralelas que duram um ou dois anos sem qualquer procedimento de registro e com livre poder do Ministério Público de promover negociações paralelas para livre escolha ou descarte de delatores. A falta de qualquer regra procedimental leva às discrepâncias”, completou o professor Maurício de Oliveira Campos Junior, um dos painelistas.

Impactos na advocacia
Campos Junior, também conselheiro federal da OAB por Minas Gerais, a Ordem precisa discutir “a peculiaridade ética” da delação. “Como deve ser a advocacia para delatores? Qual o papel do advogado? Não é possível que ele possa concertar delações com diversos clientes diferentes”, analista.

Ele abordou as transformações causadas à profissão pela delação premiada. Profissionais da área, segundo o professor, “precisam repensar o exercício da advocacia”.

Para Campos Junior, a classe precisa fazer um mea culpa e reconhecer que esses institutos de negociação “trouxeram confusão na forma que a advocacia se vê”. Ele entende que a delação “fez emergir advogados sem qualquer experiência por causa da oportunidade e fez submergir a advocacia clássica, do debate intransigente, que conhece as regras do processo”.

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Para Batochio (direita), delação é inconstitucional e gerou "caos na ordem jurídica".
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Último a falar em painel sobre a delação premiada, ele ficou com o papel de analisar o quadro geral pintado por seus antecessores, todos ácidos críticos dos institutos que peritem a réus ajudar investigadores a processar outras pessoas em troca de benefícios.

O advogado José Roberto Batochio, ex-presidente do Conselho Federal da OAB, não vê outra saída além da declaração de inconstitucionalidade da delação premiada. “Se a delação é constitucional, que o delator preste o compromisso de só dizer a verdade. Mas e o princípio constitucional da não autoincriminação? Como pode o sujeito se comprometer a só dizer a verdade se ele tem direito de falar ou calar? Não faz sentido!”

Batochio, que foi deputado federal, defendeu durante o debate que a OAB deve ser instada a questionar a delação no Supremo. “Estamos diante do caos na ordem jurídica”, exclamou.

*Texto editado para correção de informação

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