Mudanças substantivas

Em artigo, Temer defende parlamentarismo como o regime "mais estável"

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27 de novembro de 2017, 14h36

A reforma política é necessária para aprimorar o sistema democrático no Brasil e implica, inclusive, na reforma do sistema de governo. É o que afirma o presidente Michel Temer (PMDB) em artigo do livro Reforma política: Brasil República, que será lançado nesta terça-feira (28/11), em São Paulo.

O presidente declara inclusive que tem "exercitado, com sucesso, um semiparlamentarismo" no governo. "Temos uma base de apoio congressual que nos tem permitido fazer o Brasil avançar", afirma ele — enquanto tenta conseguir apoio para aprovação da reforma da Previdência.

Para o peemedebista, substituir o presidencialismo daria espaço a uma modalidade de governo mais condizente com as crises que assolam o país. "O parlamentarismo é mais estável porque prevê o mecanismo para que as crises governamentais ou os impasses entre Legislativo e Executivo sejam resolvidos sem golpes militares ou traumatismos constitucionais."

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Momento é adequado para o avanço da reforma política, diz Michel Temer. Divulgação

"Se o Executivo perde a credibilidade ou se revela ineficiente, pode ser destituído por uma moção de desconfiança. Se o Legislativo insiste em agir irresponsavelmente, pode ser dissolvido e recomposto através de nova eleição", diz.  

Temer garante que a adoção do parlamentarismo é possível no Brasil, mesmo tendo sido rejeitado em plebiscito.

"A manutenção do presidencialismo, em plebiscito de 1993, não o eterniza. Tratou-se do cumprimento de uma disposição transitória (transitório é o que fenece, desaparece, perde a eficácia, quando utilizada a competência — realizar plebiscito — prevista na norma). As disposições permanentes, como tenho dito, não impedem a modificação", justifica. 

O autor do artigo define ainda que o Brasil vive um "parlamentarismo às avessas" desde a Constituição de 1988. "O Poder que executa, legisla, graças às medidas provisórias. Basta examinar o número de medidas editadas, a partir da nova Constituição para concluir pelo acerto da argumentação. Precisamos inverter o processo. O Poder que legisla deve ficar responsável por parte da execução."

Outro ponto positivo do parlamentarismo, segundo Temer, é que agilizaria reformas e mudanças com mais agilidade. Segundo o presidente, o país perde muito tempo com os constantes impasses entre o Executivo e o Legislativo. 

"Do instante que o Legislativo passe a ser responsável pelo governo, os resultados deste — positivos ou negativos — recairão diretamente sobre ele", complementa. Para Temer, uma consulta popular sobre como será o sistema de governo deveria ser feita já nas eleições de 2018, para que o novo sistema fosse adotado à partir de 2019 ou 2023.

Temer considera a reforma política necessária e item na agenda de seu governo. "O país está a clamar por mudanças substantivas no modelo político, a partir do reordenamento de temas que já se fazem presentes na pauta, dentre os quais se destacam a reforma dos partidos, o sistema de voto, o voto facultativo, a fidelidade partidária, o financiamento das campanhas eleitorais, o sistema de representação e até o próprio sistema de governo."

Reunião de nanicos e fidelidade
Os partidos políticos estão entre os alvos de mudanças, segundo o autor do artigo. Ele sugere cláusulas de barreira para manter apenas partidos com uma porcentagem mínima de votos. Para que as pequenas siglas não sejam eliminadas radicalmente, o presidente propõe que eles forme federações de partidos para disputarem as eleições.

Nesse caso, a cláusula de barreira levaria em consideração o total de votos da federação. "Manter-se-iam, portanto, os partidos, mas a tendência, formados em federação por um ou dois mandatos, é a sua natural conversão em partido único."

Temer reconhece que a fidelidade partidária não deve ser perpétua, mas critica a prática de mudanças frequententes de partido, que na visão dele "acaba solapando a noção de representação, que é a base da democracia liberal".

"É bem razoável que os eleitos tenham de ficar no partido até o momento das convenções partidárias, o que significa que permaneceria por três anos e seis meses. A chamada janela partidária foi uma solução encontrada pelo Parlamento para equacionar a questão. Teríamos, então, uma fidelidade partidária que faria com que o indivíduo eleito em razão de um partido cumprisse seu mandato naquele partido, podendo, no momento eleitoral, disputar as eleições por outro", diz. 

Voto distrital
O texto aborda ainda o sistema eleitoral, contra o atual voto proporcional de lista aberta. "Esse sistema incentiva o individualismo nas campanhas, observando-se que o poder de um determinado candidato é fortalecido pelo total massivo de votos. E o interessante é que um candidato pode não se eleger ainda que some mais votos que outro candidato de outro partido", diz o peemedebista.

Uma dos caminhos apontados é o voto distrital para deputados estaduais, com metade das cadeiras por lista fechada e a outra metade eleita por votos de todas as regiões. Para deputados federais, o presidente volta a propor o chamado "distritão", sistema eleitoral em que os mais votados de cada Estado, sem dependência de coligações partidárias nem de votos de legendas sejam os escolhidos.

Quanto ao voto facultativo, o presidente da República entende que ainda não é o momento para ser adotado. "Um receio é de que sua implantação imediata no Brasil, ao invés de servir ao ideal da liberdade de escolha, princípio basilar da democracia, possa servir aos interesses dos grupos econômicos e dos candidatos mais ricos, com melhores condições de mobilizar eleitores nas regiões menos desenvolvidas do país", diz.

Um problema, segundo ele, é o cenário sem ideário partidário. "Partido deve representar parcela do pensamento e, sob essa hipótese, deve cristalizar sua ação programática. A propaganda eleitoral deve eleger, como foco, os eixos temáticos que formam a identidade partidária", afirma. 

Temer defende o financiamento público de campanhas. Segundo ele, a mudança levaria a um sistema mais homogêneo entre candidatos, diminuindo a cooptação de votos votos pelo poder monetário.

"Pode-se lembrar que o financiamento público da campanha não irá resolver todos os males, nem impedir as fraudes. Mas é certo que sua simples implantação irá aumentar a fiscalização. Setores sociais e, mais acentuadamente os partidários, além dos próprios candidatos que contendem entre si, fiscalizar-se-ão mais adequadamente. O excesso de gastos revelará o abuso do poder econômico que, se denunciado, poderá ser apurado pelos canais jurídicos competentes", avalia.

Pacto federativo
Michel Temer encerra seu ensaio propondo uma reforma do sistema federativo. Ele escreve que a federação é intocável, mas pode ser fortalecida por meio de uma revisão do pacto federativo, "que fortaleceria financeiramente Estados e Municípios, outorgando-lhes novas competências, a par do revigoramento da União".

Temer avalia que a descentralização foi artificial, pois nasceu de um decreto. Segundo ele, juristas e políticos da época buscavam uma autonomia integral, usando como exemplo os Estados Unidos. Porém, lá a federação se deu por um pacto entre os estados, e não por força de um decreto. "A forma como se deu a descentralização no Brasil criou uma espécie de cultura de fluxos e refluxos artificiais", afirma.

Segundo Temer, a fórmula adotada pelo país nos leva a estados e municípios cada vez mais distanciados e dependentes dos centros de decisões, e a União bancando-lhes as dívidas crescentes, o que a coloca em permanente dificuldade nas relações internacionais. 

"Não são apenas os governadores e prefeitos que clamam por maior autonomia, pelo desejo de poder definir melhor os rumos econômicos e sociais dos seus estados e municípios. A União também se vê amarrada ao bancar as dívidas dos Estados. Quando se fala em autonomia, é preciso pensar que ela é uma via de mão dupla: autonomia para os municípios, mas também para a União, credora de contas sempre crescentes", diz o presidente.

Livro conta com a colaboração de Temer, ministros do STF e STJ e outros juristas.

Na visão de Temer, os estados só poderão fazer frente às suas dívidas com outra estrutura financeira. "Não lhes seria conveniente uma PEC de teto de gastos, como estamos trabalhando para adotar na União? Mesmo que fruto de muita discussão e entendimento, ela pode vir em tempo razoavelmente curto. Esta pauta deve figurar na agenda do Congresso Nacional", conclui.

O artigo de Temer está no livro Reforma política: Brasil República que será lançado nesta terça, às 9h, durante a XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. A obra é dedicada ao decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello.

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